domingo, 26 de junho de 2016

A BANCADA DOS COMILÕES

Pelas regras em vigor, a Câmara só reembolsa os gastos de alimentação do deputado durante atividades parlamentares, sendo proibido o pagamento de despesas de acompanhantes. Embora não haja norma escrita, os deputados evitam pedir reembolso de bebidas alcoólicas. Resultado disso é que os recursos pagos pelos contribuintes para custear as refeições dos parlamentares ficam em geral aquém, até mesmo, dos valores que muitas pessoas de classe média costumam deixar em restaurantes. Ao todo, a Câmara reembolsou, de fevereiro (data de início da atual legislatura) a dezembro do ano passado, R$ 1,877 milhão com as refeições de 416 deputados.
Outros 124 – acesse este link para ver quem são eles – optaram por não apresentar nenhum pedido de ressarcimento. A soma excede o número de deputados federais (513) por incluir titulares licenciados e seus suplentes. Considerando o total de cadeiras, estamos falando em um consumo anual médio abaixo de R$ 3,7 mil. Certos detalhes tornam, porém, essas despesas curiosas e, eventualmente, muito estranhas.
Vejamos o caso do deputado Hidekazu Takayama (PSC-PR). A Câmara o indenizou num total de R$ 11.628,48 por gastos de alimentação feitos no ano passado. O montante ­ fica acima da média consumida pela maioria dos seus colegas, mas ele está longe de ser o campeão de despesas nessa área. Os documentos ­ fiscais que apresentou para receber o ressarcimento mostram que ele é autor de uma façanha. Conseguiu fazer seis gastos com refeições, em um só dia, em três cidades diferentes: duas no Brasil e outra a mais de 1,5 mil km de distância, Montevidéu.
Ele foi reembolsado em R$ 437,08 pelas despesas efetuadas no dia 14 de agosto de 2015, uma sexta-feira. O valor, repita-se, não conta muito. Esquisito é como foi gasto o dinheiro. Segundo as notas ­ fiscais, Takayama tomou um café da manhã em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba e sua base eleitoral. Foram duas notas, emitidas às 7h52, com valor total de R$ 39,40, na lanchonete Telos & Cavalcante. Alimentado, partiu do Paraná para Montevidéu, capital do Uruguai, onde participaria de atividades do Parlamento do Mercosul, no qual é um dos representantes brasileiros. Após desembarcar no aeroporto da capital uruguaia, cujo fuso horário é o mesmo de Brasília, passou no McDonald’s às 13h17, para tomar dois expressos, conforme nota da empresa local Arcos Dourados. Às 15h59, no restaurante Dakota, meteu o pé na jaca. A nota, no valor de 2.810 pesos (e pela qual a Câmara reembolsou R$ 259,86), descreve quatro ­ filés “New York Steak”, uma salada Caesar, duas cocas, uma água mineral e dois cafezinhos. O almoço foi regado a um Dom Pascual Reserve tinto, item mais caro do repasto. Às 17h08, mais uma boquinha, não discriminada na nota, na padaria Biarritz. Uma sexta nota, manuscrita, sem descrição da despesa e sem horário, completa a maratona culinária. Esse Ninja do Garfo encontrou tempo e estômago para devorar mais R$ 110,00 – igualmente reembolsados pela Câmara – na O Fornão Pizzaria, mas em Curitiba. Ué, mas ele não estava em Montevidéu?
Líder em Alimentação
Voltaremos a Takayama, mas dediquemos antes alguma atenção ao líder da bancada dos comilões, Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que foi quem mais gastou com alimentação para exercer o mandato em 2015: mais de R$ 29 mil, entre fevereiro e dezembro do ano passado. Os restaurantes Galeteria Beira Lago, Senac e Dalí Camões dividiram sua preferência. Gastou nos três perto de R$ 10 mil. Localizado dentro da Câmara, o Senac é o restaurante mais utilizado pelos deputados. Lá os parlamentares despenderam mais de R$ 300 mil no ano passado. Todas as despesas, com cupom fiscal e discriminação das refeições item por item. Fora da Câmara, a Galeteria Beira Lago foi a preferida. O restaurante emitiu mais de R$ 33 mil em notas fiscais, a grande maioria manuscrita e sem discriminar o que foi consumido. Não havendo detalhamento das despesas, a Câmara faz o reembolso sem saber o que o deputado comeu e bebeu.
Foram manuscritas todas as 14 notas emitidas pelo restaurante no ano passado para justificar refeições de Peninha. Um exemplo foi o consumo que ele fez na Beira Lago em 2 de abril do ano passado. Foi ressarcido pela Câmara por duas notas sequenciais (37184 e 37185), emitidas naquela mesma data, com igual valor, R$ 195,00 cada uma. A Revista Congresso em Foco procurou Peninha para entender como conseguiu gastar tais quantias numa casa em que o rodízio de frango assado – com direito a polenta, salada, arroz, maionese e macarrão – custava até fevereiro deste ano R$ 49,90. Se ele almoçou e jantou lá no mesmo dia, por que as notas sequenciais? Não houve resposta do parlamentar. Segundo o dono da galeteria, João Miranda, “os deputados pedem as notas manuscritas sem discriminar os gastos porque eles nunca almoçam ou jantam sozinhos”. Mas aí caímos em outro problema: é vedado o pagamento de despesas de alimentação de terceiros com recursos da Câmara.
À Câmara delega aos deputados o controle pelos gastos e lava as mãos quanto à legalidade do reembolso.
Todas essas informações só foram obtidas graças ao trabalho de ­ fiscalização da Operação Política Supervisionada (OPS). Essa organização, formada por voluntários de várias partes do país, audita notas e cupons ­ fiscais apresentados pelos congressistas nas prestações de contas dos seus gastos pessoais com a cota parlamentar.
O que diz Takayama
Em mensagem escrita, Takayama ressaltou seu compromisso com “a transparência na relação com gasto do serviço público” e disse que em geral pede refeições para serem servidas em seu gabinete. Acrescentou que nem sempre a nota fiscal e o consumo tiveram a mesma data “Algumas vezes ocorreram em que foram deixadas de emitir as notas no dia do serviço para serem emitidas nos dias subsequentes”, relatou.
Acesse, compre ou assine a revista Congresso em Foco para ler a reportagem completa.
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