Pelas regras em vigor, a Câmara só reembolsa os gastos de
alimentação do deputado durante atividades parlamentares, sendo proibido o
pagamento de despesas de acompanhantes. Embora não haja norma escrita, os
deputados evitam pedir reembolso de bebidas alcoólicas. Resultado disso é que
os recursos pagos pelos contribuintes para custear as refeições dos
parlamentares ficam em geral aquém, até mesmo, dos valores que muitas pessoas
de classe média costumam deixar em restaurantes. Ao todo, a Câmara reembolsou,
de fevereiro (data de início da atual legislatura) a dezembro do ano passado,
R$ 1,877 milhão com as refeições de 416 deputados.
Outros 124 – acesse este link para ver quem são eles –
optaram por não apresentar nenhum pedido de ressarcimento. A soma excede o
número de deputados federais (513) por incluir titulares licenciados e seus
suplentes. Considerando o total de cadeiras, estamos falando em um consumo
anual médio abaixo de R$ 3,7 mil. Certos detalhes tornam, porém, essas despesas
curiosas e, eventualmente, muito estranhas.
Vejamos o caso do deputado Hidekazu Takayama (PSC-PR). A
Câmara o indenizou num total de R$ 11.628,48 por gastos de alimentação feitos
no ano passado. O montante fica acima da média consumida pela maioria dos
seus colegas, mas ele está longe de ser o campeão de despesas nessa área. Os
documentos fiscais que apresentou para receber o ressarcimento mostram que
ele é autor de uma façanha. Conseguiu fazer seis gastos com refeições, em um só
dia, em três cidades diferentes: duas no Brasil e outra a mais de 1,5 mil km de
distância, Montevidéu.
Ele foi reembolsado em R$ 437,08 pelas despesas efetuadas no
dia 14 de agosto de 2015, uma sexta-feira. O valor, repita-se, não conta muito.
Esquisito é como foi gasto o dinheiro. Segundo as notas fiscais, Takayama
tomou um café da manhã em São José dos Pinhais, região metropolitana de
Curitiba e sua base eleitoral. Foram duas notas, emitidas às 7h52, com valor
total de R$ 39,40, na lanchonete Telos & Cavalcante. Alimentado, partiu do
Paraná para Montevidéu, capital do Uruguai, onde participaria de atividades do
Parlamento do Mercosul, no qual é um dos representantes brasileiros. Após
desembarcar no aeroporto da capital uruguaia, cujo fuso horário é o mesmo de
Brasília, passou no McDonald’s às 13h17, para tomar dois expressos, conforme
nota da empresa local Arcos Dourados. Às 15h59, no restaurante Dakota, meteu o
pé na jaca. A nota, no valor de 2.810 pesos (e pela qual a Câmara reembolsou R$
259,86), descreve quatro filés “New York Steak”, uma salada Caesar, duas
cocas, uma água mineral e dois cafezinhos. O almoço foi regado a um Dom Pascual
Reserve tinto, item mais caro do repasto. Às 17h08, mais uma boquinha, não
discriminada na nota, na padaria Biarritz. Uma sexta nota, manuscrita, sem
descrição da despesa e sem horário, completa a maratona culinária. Esse Ninja
do Garfo encontrou tempo e estômago para devorar mais R$ 110,00 – igualmente
reembolsados pela Câmara – na O Fornão Pizzaria, mas em Curitiba. Ué, mas ele
não estava em Montevidéu?
Líder em Alimentação
Voltaremos a Takayama, mas dediquemos antes alguma atenção
ao líder da bancada dos comilões, Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que foi
quem mais gastou com alimentação para exercer o mandato em 2015: mais de R$ 29
mil, entre fevereiro e dezembro do ano passado. Os restaurantes Galeteria Beira
Lago, Senac e Dalí Camões dividiram sua preferência. Gastou nos três perto de
R$ 10 mil. Localizado dentro da Câmara, o Senac é o restaurante mais utilizado
pelos deputados. Lá os parlamentares despenderam mais de R$ 300 mil no ano
passado. Todas as despesas, com cupom fiscal e discriminação das refeições item
por item. Fora da Câmara, a Galeteria Beira Lago foi a preferida. O restaurante
emitiu mais de R$ 33 mil em notas fiscais, a grande maioria manuscrita e sem
discriminar o que foi consumido. Não havendo detalhamento das despesas, a Câmara
faz o reembolso sem saber o que o deputado comeu e bebeu.
Foram manuscritas todas as 14 notas emitidas pelo
restaurante no ano passado para justificar refeições de Peninha. Um exemplo foi
o consumo que ele fez na Beira Lago em 2 de abril do ano passado. Foi
ressarcido pela Câmara por duas notas sequenciais (37184 e 37185), emitidas
naquela mesma data, com igual valor, R$ 195,00 cada uma. A Revista Congresso em
Foco procurou Peninha para entender como conseguiu gastar tais quantias numa
casa em que o rodízio de frango assado – com direito a polenta, salada, arroz,
maionese e macarrão – custava até fevereiro deste ano R$ 49,90. Se ele almoçou
e jantou lá no mesmo dia, por que as notas sequenciais? Não houve resposta do
parlamentar. Segundo o dono da galeteria, João Miranda, “os deputados pedem as
notas manuscritas sem discriminar os gastos porque eles nunca almoçam ou jantam
sozinhos”. Mas aí caímos em outro problema: é vedado o pagamento de despesas de
alimentação de terceiros com recursos da Câmara.
À Câmara delega aos deputados o controle pelos gastos e lava
as mãos quanto à legalidade do reembolso.
Todas essas informações só foram obtidas graças ao trabalho
de fiscalização da Operação Política Supervisionada (OPS). Essa organização,
formada por voluntários de várias partes do país, audita notas e cupons
fiscais apresentados pelos congressistas nas prestações de contas dos seus
gastos pessoais com a cota parlamentar.
O que diz Takayama
Em mensagem escrita, Takayama ressaltou seu compromisso com
“a transparência na relação com gasto do serviço público” e disse que em geral
pede refeições para serem servidas em seu gabinete. Acrescentou que nem sempre
a nota fiscal e o consumo tiveram a mesma data “Algumas vezes ocorreram em que
foram deixadas de emitir as notas no dia do serviço para serem emitidas nos
dias subsequentes”, relatou.
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