Da ISTOÉ
Entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2014, o
tesoureiro da campanha de Dilma, Edinho Silva, cobrou de Marcelo Odebrecht uma
doação “por fora” no valor de R$ 12 milhões para serem repassados ao
marqueteiro João Santana e ao PMDB.
Marcelo se recusou a fazer o repasse, mas diante da insistência de
Edinho disse que iria procurar Dilma.
Dias depois, em encontro pessoal, o empreiteiro e a presidente afastada
mantiveram a conversa abaixo:
– Presidente, resolvi procurar a sra. para saber o seguinte:
é mesmo para efetuar o pagamento exigido pelo Edinho?, perguntou Odebrecht.
– É para pagar, respondeu Dilma.
No acordo de delação premiada, firmado na última semana, o
empreiteiro Marcelo Odebrecht fez uma revelação que, pela primeira vez, implica
pessoalmente a presidente afastada Dilma Rousseff numa operação de caixa dois
na eleição de 2014 – o que configura crime.
Aos procuradores da Lava Jato, o empresário afirmou que a mandatária
exigiu R$ 12 milhões para a campanha durante encontro privado entre os dois. A
conversa ocorreu depois do primeiro turno da disputa presidencial. O recurso,
segundo Odebrecht, abasteceu o caixa paralelo de Dilma e serviu para pagar o marqueteiro
João Santana e o PMDB. A história narrada pelo empreiteiro é devastadora para
as pretensões de Dilma de regressar ao poder. Nela, Marcelo Odebrecht atesta
que a presidente afastada não apenas sabia como atuou pessoalmente numa
operação criminosa. Aos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, o empreiteiro
desfiou com riqueza de detalhes a ação da presidente. O empresário contou que
durante o período eleitoral foi procurado pelo então tesoureiro da campanha,
Edinho Silva.
O ex-ministro da Secretaria de Comunicação parecia
apreensivo e reproduzia o mesmo comportamento persuasivo identificado por
outros delatores do esquema do Petrolão, quando abordados pelo tesoureiro. A
tensão derivava da urgência em amealhar mais recursos para reforçar o caixa da
presidente. Na conversa, em tom impositivo, Edinho cobrou do empresário uma
doação por fora que extrapolava o valor já combinado com os petistas
anteriormente: um adicional de R$ 12 milhões. Deste total, deixou claro Edinho,
R$ 6 milhões seriam para bancar despesas com marqueteiro João Santana e R$ 6
milhões para serem repassados ao PMDB. Oficialmente, o Grupo Odebrecht já havia
doado R$ 14 milhões à campanha. Como a quantia extra era alta e, com o
acréscimo, o valor doado representaria quase o dobro do acerto inicial, Marcelo
ficou intrigado com a abordagem do tesoureiro.
Num primeiro momento, o empreiteiro reagiu de maneira
negativa. Disse que se recusaria a fazer o pagamento. Diante da insistência de
Edinho, disse-lhe, então, que procuraria pessoalmente a presidente Dilma. Foi o
que aconteceu na sequência. Embora estivesse em plena efervescência da campanha
eleitoral, Dilma abriu um espaço em sua agenda para receber o empresário. No
encontro, segundo relato aos procuradores, Marcelo Odebrecht foi direto ao
ponto. Questionou se era mesmo para efetuar o repasse exigido por Edinho. Ao
que Dilma respondeu, sem titubear: “É para pagar”.
Ao narrar o diálogo aos integrantes da Lava Jato, Odebrecht
compromete a presidente afastada naquilo que ela alardeava como uma vantagem em
relação aos demais políticos mencionados no Petrolão: a pretensa ausência de
envolvimento pessoal num malfeito. No momento em que a mandatária lutava para
ganhar algum fôlego a fim de tentar reverter o placar do impeachment no Senado,
a delação de Odebrecht confirmando que ela exigiu R$ 12 milhões do empreiteiro
– numa ação nada republicana destinada a abastecer o caixa dois de sua campanha
– cai com uma bomba em seu colo. Pela
letra fria da lei, utilizar-se de dinheiro não declarado na campanha eleitoral
é fator decisivo para a perda do mandato presidencial. E Dilma não só se
beneficiou do esquema do Petrolão como operou diretamente para que um recurso
de caixa dois, portanto ilegal, irrigasse os cofres de sua campanha, conforme
revelou Marcelo Odebrecht à Lava Jato. Embora não seja este o objeto do processo
do impeachment em tramitação no Senado, o depoimento do empresário torna
insustentável a situação de Dilma e praticamente inviabiliza o seu retorno à
Presidência. Na Lava Jato, a delação de Odebrecht é tida como absolutamente
verídica. Os procuradores e delegados têm certeza de que não se trata de apenas
uma versão.
Tanto a Polícia Federal quanto a Procuradoria da República
já reuniam evidências de que a Odebrecht havia alimentado as contas do
marqueteiro João Santana por meio de caixa dois eleitoral. Em relato aos
procuradores federais de Brasília na tentativa de sacramentar um acordo de
delação premiada, Mônica Moura, mulher de Santana, havia reconhecido que, na
disputa de 2014, pelo menos R$ 10 milhões teriam sido pagos a ela e ao
marqueteiro fora da contabilidade oficial. Segundo Monica, só a Odebrecht pagou
via caixa dois ao menos R$ 4 milhões. Em dinheiro vivo. Pelo acordo firmado com
a Lava Jato, ela tinha ficado de relatar de que maneira e por quem foram
repassados os outros R$ 6 milhões. Os valores teriam sido entregues diretamente
para ela e usados para pagar fornecedores na área de comunicação. Os
investigadores e agentes da PF já tinham identificado um depósito para o casal
feito pela Odebrecht numa conta na Suíça, não declarada à Receita brasileira,
de US$ 3 milhões.
Agora é possível entender a razão do embaraço da presidente
afastada ao discorrer sobre o tema em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo,
publicada no último final de semana. Instada a se manifestar sobre a
possibilidade de o empreiteiro a acusar de pedir dinheiro para pagar o
marketing da campanha de 2014, a presidente afastada lançou mão de um discurso
que, à luz dos fatos novos expostos por Marcelo Odebrecht no acordo de delação,
não pára mais em pé: “Eu jamais tive conversa com o Marcelo Odebrecht sobre
isso”. “Eu paguei R$ 70 milhões para o João Santana (em 2014). Tudo declarado
para o TSE. Onde é que está o caixa dois?”, perguntou ela. Na referida
entrevista, Dilma já havia se encalacrado ao negar que tivesse mantido
encontros com o empreiteiro no Alvorada e “não se lembrar” de reuniões com o
mesmo interlocutor no Palácio do Planalto. De acordo com os arquivos
eletrônicos do Planalto, Dilma recebeu Odebrecht quatro vezes desde a sua
posse. Duas no Palácio da Alvorada (em 26 de março e 25 de julho de 2014, ano
eleitoral) e duas no Planalto (10 de janeiro e 10 de outubro de 2013).
Unindo as peças do quebra-cabeças disponíveis até agora
também é possível entender com mais clareza o motivo pelo qual a presidente
Dilma se esforçou pela soltura de Marcelo Odebrecht da prisão: ela temia que
viesse a público exatamente o que o empresário revelou aos procuradores da Lava
Jato – e que, agora, ISTOÉ divulga com exclusividade. Em sua delação, Delcídio do Amaral (sem
partido- MS) expôs a gigantesca preocupação da presidente com o tema. Disse que
Dilma nomeou o ministro Marcelo Navarro ao STJ em troca do seu compromisso de
produzir um relatório em favor da liberdade do empreiteiro. Delcídio
personifica a chamada prova testemunhal. Segundo ele, a nomeação de Navarro
destinada ao propósito de soltar Odebrecht foi tratada por Dilma em conversas
com ele próprio, durante caminhadas nos jardins do Alvorada. Como se sabe,
Navarro realmente emitiu parecer pela concessão de um habeas corpus a
Odebrecht, mas acabou sendo voto vencido no tribunal. Com base no depoimento de
Delcídio o procurador-geral da Repúbica, Rodrigo Janot, requisitou ao STF a
abertura de um inquérito para apurar se Dilma obstruiu a Justiça, o que também
é considerado crime. Quando o então líder do governo assinou o acordo de
delação, João Santana e sua mulher ainda desfrutavam a liberdade com o dinheiro
das petrotraficâncias.
Antes mesmo da prisão dos dois, a PF havia recolhido no
celular de Marcelo Odebrecht uma mensagem endereçada a um executivo de sua
empreiteira crivada de suspeitas: “Dizer do risco cta [conta] suíça chegar na
campanha dela.” O cheiro de pólvora resultava do óbvio “risco” insinuado no
texto de Odebrecht de que a conta na Suíça fosse descoberta e ficasse
estabelecida a conexão com a campanha de Dilma em 2014. Com a delação de
Marcelo Odebrecht, surge a peça que restava para compor um cenário letal para a
presidente afastada na luta contra o impeachment. A Polícia Federal também já
havia anexado ao inquérito da Operação Acarajé documentos apreendidos com a
secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares, presa em março. Uma das planilhas
encontradas tinha o título “Feira-evento 14”. O documento detalhava sete
pagamentos feitos entre 24 de outubro e 7 de novembro de 2014, totalizando R$ 4
milhões. Os investigadores descobriram que “Feira” era o apelido usado por
funcionários da Odebrecht e pelo próprio ex-presidente da empresa para
identificar a mulher do marqueteiro, responsável por cuidar das negociações
financeiras do casal e da agência de publicidade Pólis, que comandou as
campanhas da presidente Dilma Rousseff, em 2010 e 2014, e a do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006.
Há duas semanas, em meio à divulgação das conversas gravadas
pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, soube-se que o meio político,
em especial os caciques do PMDB, já precificava o potencial devastador da
delação de Odebrecht sobre Dilma Rousseff. Num diálogo com Machado,
ex-presidente da Transpetro, o presidente do Senado, Renan Calheiros, diz que a
situação de Dilma Rousseff se tornaria insustentável a partir da delação da
Odebrecht, porque iria “mostrar as contas” dela. “Mas, Renan, com as
informações que você tem, que a Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem
mais jeito”, disse-lhe o ex-presidente da Transpetro. “Tem não, porque vai
mostrar as contas. E a mulher é corrupta”, sapecou Renan. Ao que Machado, na
réplica, sentencia o desenlace irremediável da presidente. “Acabou, não tem
mais jeito. Então a melhor solução para ela, não sei quem podia dizer, é
renunciar ou pedir licença. O ex-senador José Sarney, em outro diálogo, repete
o enredo entoado pelo antigo colega de Senado. Diz que a delação da Odebrecht
“é uma metralhadora de [calibre] ponto 100”e relaciona a empreiteira a uma ação
que a presidente afastada Dilma Rousseff teria feito diretamente durante
campanha eleitoral. “Nesse caso, ao que eu sei, o único em que ela [Dilma] está
envolvida diretamente é que falou com o pessoal da Odebrecht para dar para
campanha do… E responsabilizar aquele [inaudível]”.
Preso desde junho de 2015 nas dependências da PF em
Curitiba, Marcelo Odebrecht ainda deverá envolver no que vem sendo chamado de
“delações das delações” ou “delação definitiva” ao menos 38 políticos. Um
capítulo, em especial, é relativo ao ex-presidente Lula. O empreiteiro promete
detalhar como se deram as obras do sítio em Atibaia (SP), cuja propriedade é
atribuída ao petista. Outro personagem que também pode vir à baila é Giles
Azevedo, braço-direito da presidente afastada, elo de Dilma com a agência
Pepper. O empresário ainda pretende contar sobre financiamentos de campanhas
eleitorais feitas no Brasil e no exterior – não só a de Dilma Rousseff. Na
prática, a delação propriamente dita ainda não foi assinada. Após intensas
negociações, a Odebrecht subscreveu um acordo de confidencialidade com a Lava
Jato. O termo representa o início formal da negociação de delação. O termo é
uma garantia para que o empresário comece a desnudar fatos ocorridos no esquema
do Petrolão. Só depois da verificação do teor dos depoimentos pela força-tarefa
da Lava Jato é que a Justiça avalizará o acordo. Há a expectativa de que
próprio Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, preste depoimentos. No atual estágio,
e pela disposição dos envolvidos, é muito difícil que haja um recuo. O próprio
juiz Sérgio Moro, num inequívoco gesto de boa vontade, extinguiu na última
semana um dos processos contra a empreiteira (leia box na próxima página). Ou
seja, está mais do que escancarado o caminho para a oficialização da delação de
Odebrecht. Péssima notícia para os políticos. Ótima para o País.
A tática recorrente de Edinho
O delator Ricardo Pessoa, da UTC, relatou aos investigadores
que o tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff em 2014, Edinho Silva, o
pressionou a doar mais dinheiro. “O Edinho me disse: ‘Você tem obras na
Petrobrás e tem aditivos. Não pode só contribuir com isso. Tem que contribuir
com mais. Estou precisando’”.
O tesoureiro queria R$ 20 milhões. Pessoa ofereceu R$ 5
milhões no primeiro turno e mais R$ 5 milhões no segundo turno. Mas foram pagos
R$ 7,5 milhões. Em delação premiada, Otavio Azevedo, da Andrade Gutierrez,
também disse que Edinho Silva o pressionou para doar além do combinado.
Pressionado, o executivo transferiu mais R$ 10 milhões para o caixa da petista.
O total de doação declarada da empresa à campanha dela foi de R$ 20 milhões.
“Dilma mentiu sobre Pasadena”
O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró desmentiu versão da
presidente afastada, Dilma Rousseff, sobre a compra da refinaria em Pasadena,
nos Estados Unidos, em 2006. E disse também supor que ela sabia do esquema de
pagamento de propinas a políticos com dinheiro da petroleira. Em sua delação
premiada tornada pública na quinta-feira 2 consta que a petista, à época
presidente do Conselho Administrativo da Petrobras, teve acesso a todas as
informações e cláusulas do negócio bilionário que só causou prejuízos à
estatal. “Não corresponde à realidade a afirmativa de Dilma Rousseff de que
somente aprovou a aquisição porque não sabia dessas cláusulas.” E continuou:
“Dilma Rousseff tinha todas as informações sobre a refinaria de Pasadena; que o
Conselho de Administração não aprova temas com base em resumo executivo”.
O documento revela ainda “que o declarante supõe que Dilma
Rousseff sabia que políticos do Partido dos Trabalhadores recebiam propina
oriunda da Petrobras, que, no entanto, o declarante nunca tratou diretamente
com Dilma, sobre o repasse de propina.”
Ele também destacou que a transação foi autorizado com muito
mais rapidez do que o de costume. “O projeto foi aprovado na Diretoria
Executiva da Petrobras numa quinta e na sexta o projeto foi aprovado no
Conselho de Administração; que esse procedimento não era usual”, foi registrado
pelos investigadores.
Quando já estava preso, Cerveró afirmou ter ouvido do
advogado do ex-senador Delcídio do Amaral que Dilma atuaria para “cuidar dos
meninos”, tirando Cerveró e o também ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa
da cadeia. Além de Dilma, Cerveró revelou que, em 2000, houve orientação da
cúpula da Petrobras para contratar a empresa de PRS Energia, de Paulo Henrique
Cardoso, filho do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso
(PSDB).
Propina paga despesas pessoais
E-mails comprovam que Dilma sabia do Petrolão e teve
despesas pagas com recursos do esquema. Segundo o jornal O GLOBO, as mensagens
mostram que a compra de um teleprompter para a petista e até os custos do
deslocamento de seu cabeleireiro, Celso Kamura, foram bancados por envolvidos
nos desvios. Em entrevista à ISTOÉ em 2011, Kamura disse que o marqueteiro João
Santana custeava os serviços dele à presidente “em ocasiões de Estado”. As
novas evidências contra a petista não param por aí. Em delação, o empresário
Benedito Oliveira, o Bené, revelou que Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete de
Dilma, firmou contratos do governo com agências para quitar despesas
eleitorais. Conforme já havia revelado ISTOÉ, Giles era o braço-direito de
Dilma para tarefas espinhosas. Não fazia nada sem seu conhecimento. Como quando
indicou para Danielle Fonteles, da Pepper, contas para receber caixa dois de campanha.
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