Da Época
Em 2014, após vencer a disputa pelo governo de Minas Gerais,
o petista Fernando Pimentel, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio, foi cuidar de sua vida financeira. Felipe Torres, apontado como seu
sobrinho, pedia com insistência que ele investisse algum dinheiro no
empreendimento no qual eram sócios. Pimentel, então, consultou seu amigo
Benedito de Oliveira Neto, o Bené, que cuidava de suas finanças de campanha e –
agora sabe-se – também das pessoais. Bené respondeu a Pimentel que havia R$ 800
mil disponíveis. Pimentel não titubeou: pediu que o dinheiro fosse investido no
negócio mantido com Felipe, um restaurante da rede Madero, especializada em
hambúrgueres gourmet, em um shopping center em Piracicaba, no interior de São
Paulo. Com a autorização de despesa dada por Pimentel, Bené pôs-se a trabalhar.
O dinheiro, entretanto, era tóxico, fruto de caixa dois, de
propina, aquela espécie de valor que corre oculto pelas mãos de alguns que
operam grandes decisões em Brasília, como fora Pimentel. Preso pela Polícia
Federal na Operação Acrônimo, Bené contou, em seu acordo de colaboração
homologado pela Justiça, a história do empenho de Pimentel em investir em um
restaurante. Contou muito mais: que o valor era fruto de um esquema pelo qual
Pimentel, enquanto ministro do governo Dilma Rousseff, favoreceu grupos empresariais
em troca de pagamentos para despesas de sua campanha a governador de Minas
Gerais, em 2014. Em busca de benefícios para não passar anos na cadeia, Bené dá
detalhes de como Pimentel usou o cargo para ganhar dinheiro para si.
A fonte dos valores no caso do restaurante, segundo Bené,
foi uma propina de R$ 20 milhões paga pela montadora Caoa em troca de isenção
fiscal dada por Pimentel enquanto ministro. De acordo com Bené, a Caoa fizera
um pagamento direto à gráfica Color Print, que prestara serviços à campanha. O
custo era de R$ 1,5 milhão declarados oficialmente, mas havia o saldo de R$ 800
mil. Após a ordem de Pimentel, Bené fez uma reunião entre um representante da
gráfica, chamado Sebastião, e Felipe, o sobrinho de Pimentel, em Brasília.
“Ambos foram informados que a utilização dos valores recebidos pela empresa
Color Print (da empresa Caoa) foi autorizada para emprego no restaurante
Madero”, diz o depoimento de Bené. Para tornar o negócio aparentemente legal,
eles usaram a velha tática do submundo: um contrato fictício. Bené afirma à
polícia que “soube que, posteriormente, Felipe e Sebastião ajustaram a
celebração de um contrato de prestação de serviços de reforma/construção entre
a empresa Color Print e a prestadora desses mesmos serviços ao restaurante
Madero”.
Antes de o escândalo surgir, Pimentel e Bené eram próximos.
Bené atuou nas campanhas de Pimentel em 2010 e 2014. As investigações da
Acrônimo revelaram que Bené e sua mulher viajavam nas férias com Pimentel e sua
segunda mulher, Carolina. Bené pagou
viagens de Pimentel, como o Réveillon de 2014 em Miami, por R$ 44 mil, e
um feriado na Bahia, por R$ 12 mil. Convertido em delator, a intimidade da qual
desfrutou torna Bené capaz de fornecer informações devastadoras para Pimentel.
Suas declarações mostram que o esquema de Pimentel extrapola o caixa dois de
campanha e o coloca como suspeito de corrupção e lavagem de dinheiro, sujeito a
penas muito mais duras do que crime eleitoral. Pimentel já foi denunciado pela
Procuradoria-Geral da República e corre risco de ser afastado do cargo de
governador de Minas Gerais. Com a delação de Bené, Pimentel será bombardeado
por novos inquéritos.
Na delação, Bené avança e fala até em remessas ao exterior
para receber a propina acertada com a Caoa. O dinheiro do Madero, segundo Bené,
era apenas uma pequena sobra dos R$ 20 milhões acertados. A fonte central
desses R$ 20 milhões é um pacote de isenção fiscal concedido pelo então
ministro Pimentel à montadora para fabricar o modelo ix35 da marca Hyundai. O
próprio fundador da Caoa, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, disse ao
inaugurar a linha de produção que a isenção dada por Pimentel garantiu
investimentos de R$ 600 milhões. Bené disse à polícia o que havia por trás: “O
total do ajuste financeiro feito entre Fernando Pimentel, Carlos Alberto (dono
da Caoa) e Antonio Maciel (presidente da Caoa) foi no valor de R$ 20 milhões,
que compreendiam os benefícios relacionados à alteração do mix de veículos da
Caoa e do novo benefício tributário relacionado ao veículo de modelo ix35; que,
desse total, R$ 13 milhões foram gerenciados pelo colaborador, seja pela
emissão de notas fiscais por serviços prestados à campanha eleitoral de
Fernando Pimentel, pela emissão de notas fiscais por serviços não prestados e
por quantias entregues em espécie”.
Em troca dos R$ 20 milhões, Pimentel ofereceu dois pacotes
de serviços. Primeiro, ampliar o “mix” de carros da Caoa beneficiados pela
isenção fiscal do programa Inovar Auto. O preço? R$ 10 milhões. Depois, outros
R$ 10 milhões garantiram a linha de produção do ix35. Bené afirma que
movimentou apenas R$ 13 milhões dos R$ 20 milhões acertados. Os outros R$ 7
milhões foram pagos no exterior, mas o delator afirma que não participou desse
acerto. Bené diz que Antonio Maciel, atual presidente do grupo Caoa, assumiu a
tarefa. “Antonio Maciel informou ao colaborador que a empresa Caoa mantinha
negócios no exterior e que seria mais fácil para a empresa repassar as quantias
para Fernando Pimentel fora do Brasil”, diz.
As declarações de Bené são devastadoras também para pessoas
íntimas de Pimentel, como a presidente Dilma Rousseff, sua amiga há mais de 40
anos. Como ÉPOCA revelou na semana passada, Bené disse aos investigadores que o
governo firmou um contrato com uma agência de publicidade para pagar uma dívida
da campanha de Dilma à reeleição. Na prática, usou dinheiro público para bancar
um gasto partidário, que beneficiou Dilma e o PT. Segundo Bené, Pimentel lhe
relatou uma conversa que tivera com Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete de
Dilma, para tratar de dívidas da campanha de Dilma com a agência Pepper pelos
trabalhos feitos em 2014 . A solução proposta, de acordo com Bené, foi usar um
contrato do Planalto com a agência Click para quitar a dívida. Quando foi
citada na conversa, a agência Click ainda disputava a concorrência pelo
contrato – que venceu. Procurados por ÉPOCA, tanto Giles quanto as agências
Pepper e Click negaram a informação de Bené.
A delação de Bené não estava no radar de problemas de Dilma.
Na semana passada, outra delação, a do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró,
era mais provável. Cerveró disse que Dilma “conhecia com detalhes” todos os
negócios da estatal. O conteúdo da delação foi tornado público pelo ministro
Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, relator da Lava Jato na Corte. O
acordo prevê que Cerveró deixe a prisão no dia 24 de junho e devolva R$ 18
milhões aos cofres públicos. A delação também atesta “que Dilma Rousseff
acompanhava de perto os assuntos referentes a Petrobras; que Dilma Rousseff
conhecia com detalhes os negócios da Petrobras”, diz Cerveró. Em outro trecho
da delação, Cerveró “supõe que Dilma Rousseff sabia que políticos do Partido
dos Trabalhadores recebiam propina oriunda da Petrobras; que, no entanto, nunca
tratou diretamente com Dilma Rousseff sobre o repasse de propina”.
Em nota, o advogado de Fernando Pimentel, Eugênio Pacelli, criticou
as delações premiadas. “Tudo indica que delações como essas constituem o
cardápio principal servido nas prisões nacionais. Criminosos de carreira vêm
sendo beneficiados com leves prisões domiciliares e perdas irrelevantes de seu
patrimônio constituído em ações delituosas. Por isso, nessas delações fala-se
pelos cotovelos, cientes de que nem tornozeleiras ostentarão”, afirmou. O
advogado da Caoa, José Roberto Batochio, disse que a montadora fez dois
contratos de consultoria com empresas de Bené. “Foram consultorias que estão
sendo utilizadas pela Caoa. O que se tem hoje é que a delação premiada é uma
chave para abrir portas”, diz. A rede Madero disse que não mantém relações
comerciais com Pimentel ou Bené, e que Felipe Torres era o franqueado em Piracicaba
até outubro do ano passado, quando a rede comprou 100% da operação. A gráfica
Color Print não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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