terça-feira, 7 de junho de 2016

TÁ CHOVENDO HAMBÚRGER

Da Época
Em 2014, após vencer a disputa pelo governo de Minas Gerais, o petista Fernando Pimentel, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foi cuidar de sua vida financeira. Felipe Torres, apontado como seu sobrinho, pedia com insistência que ele investisse algum dinheiro no empreendimento no qual eram sócios. Pimentel, então, consultou seu amigo Benedito de Oliveira Neto, o Bené, que cuidava de suas finanças de campanha e – agora sabe-se – também das pessoais. Bené respondeu a Pimentel que havia R$ 800 mil disponíveis. Pimentel não titubeou: pediu que o dinheiro fosse investido no negócio mantido com Felipe, um restaurante da rede Madero, especializada em hambúrgueres gourmet, em um shopping center em Piracicaba, no interior de São Paulo. Com a autorização de despesa dada por Pimentel, Bené pôs-se a trabalhar.
O dinheiro, entretanto, era tóxico, fruto de caixa dois, de propina, aquela espécie de valor que corre oculto pelas mãos de alguns que operam grandes decisões em Brasília, como fora Pimentel. Preso pela Polícia Federal na Operação Acrônimo, Bené contou, em seu acordo de colaboração homologado pela Justiça, a história do empenho de Pimentel em investir em um restaurante. Contou muito mais: que o valor era fruto de um esquema pelo qual Pimentel, enquanto ministro do governo Dilma Rousseff, favoreceu grupos empresariais em troca de pagamentos para despesas de sua campanha a governador de Minas Gerais, em 2014. Em busca de benefícios para não passar anos na cadeia, Bené dá detalhes de como Pimentel usou o cargo para ganhar dinheiro para si.
A fonte dos valores no caso do restaurante, segundo Bené, foi uma propina de R$ 20 milhões paga pela montadora Caoa em troca de isenção fiscal dada por Pimentel enquanto ministro. De acordo com Bené, a Caoa fizera um pagamento direto à gráfica Color Print, que prestara serviços à campanha. O custo era de R$ 1,5 milhão declarados oficialmente, mas havia o saldo de R$ 800 mil. Após a ordem de Pimentel, Bené fez uma reunião entre um representante da gráfica, chamado Sebastião, e Felipe, o sobrinho de Pimentel, em Brasília. “Ambos foram informados que a utilização dos valores recebidos pela empresa Color Print (da empresa Caoa) foi autorizada para emprego no restaurante Madero”, diz o depoimento de Bené. Para tornar o negócio aparentemente legal, eles usaram a velha tática do submundo: um contrato fictício. Bené afirma à polícia que “soube que, posteriormente, Felipe e Sebastião ajustaram a celebração de um contrato de prestação de serviços de reforma/construção entre a empresa Color Print e a prestadora desses mesmos serviços ao restaurante Madero”.
Antes de o escândalo surgir, Pimentel e Bené eram próximos. Bené atuou nas campanhas de Pimentel em 2010 e 2014. As investigações da Acrônimo revelaram que Bené e sua mulher viajavam nas férias com Pimentel e sua segunda mulher, Carolina. Bené pagou  viagens de Pimentel, como o Réveillon de 2014 em Miami, por R$ 44 mil, e um feriado na Bahia, por R$ 12 mil. Convertido em delator, a intimidade da qual desfrutou torna Bené capaz de fornecer informações devastadoras para Pimentel. Suas declarações mostram que o esquema de Pimentel extrapola o caixa dois de campanha e o coloca como suspeito de corrupção e lavagem de dinheiro, sujeito a penas muito mais duras do que crime eleitoral. Pimentel já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República e corre risco de ser afastado do cargo de governador de Minas Gerais. Com a delação de Bené, Pimentel será bombardeado por novos inquéritos.
Na delação, Bené avança e fala até em remessas ao exterior para receber a propina acertada com a Caoa. O dinheiro do Madero, segundo Bené, era apenas uma pequena sobra dos R$ 20 milhões acertados. A fonte central desses R$ 20 milhões é um pacote de isenção fiscal concedido pelo então ministro Pimentel à montadora para fabricar o modelo ix35 da marca Hyundai. O próprio fundador da Caoa, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, disse ao inaugurar a linha de produção que a isenção dada por Pimentel garantiu investimentos de R$ 600 milhões. Bené disse à polícia o que havia por trás: “O total do ajuste financeiro feito entre Fernando Pimentel, Carlos Alberto (dono da Caoa) e Antonio Maciel (presidente da Caoa) foi no valor de R$ 20 milhões, que compreendiam os benefícios relacionados à alteração do mix de veículos da Caoa e do novo benefício tributário relacionado ao veículo de modelo ix35; que, desse total, R$ 13 milhões foram gerenciados pelo colaborador, seja pela emissão de notas fiscais por serviços prestados à campanha eleitoral de Fernando Pimentel, pela emissão de notas fiscais por serviços não prestados e por quantias entregues em espécie”.
Em troca dos R$ 20 milhões, Pimentel ofereceu dois pacotes de serviços. Primeiro, ampliar o “mix” de carros da Caoa beneficiados pela isenção fiscal do programa Inovar Auto. O preço? R$ 10 milhões. Depois, outros R$ 10 milhões garantiram a linha de produção do ix35. Bené afirma que movimentou apenas R$ 13 milhões dos R$ 20 milhões acertados. Os outros R$ 7 milhões foram pagos no exterior, mas o delator afirma que não participou desse acerto. Bené diz que Antonio Maciel, atual presidente do grupo Caoa, assumiu a tarefa. “Antonio Maciel informou ao colaborador que a empresa Caoa mantinha negócios no exterior e que seria mais fácil para a empresa repassar as quantias para Fernando Pimentel fora do Brasil”, diz.
As declarações de Bené são devastadoras também para pessoas íntimas de Pimentel, como a presidente Dilma Rousseff, sua amiga há mais de 40 anos. Como ÉPOCA revelou na semana passada, Bené disse aos investigadores que o governo firmou um contrato com uma agência de publicidade para pagar uma dívida da campanha de Dilma à reeleição. Na prática, usou dinheiro público para bancar um gasto partidário, que beneficiou Dilma e o PT. Segundo Bené, Pimentel lhe relatou uma conversa que tivera com Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete de Dilma, para tratar de dívidas da campanha de Dilma com a agência Pepper pelos trabalhos feitos em 2014 . A solução proposta, de acordo com Bené, foi usar um contrato do Planalto com a agência Click para quitar a dívida. Quando foi citada na conversa, a agência Click ainda disputava a concorrência pelo contrato – que venceu. Procurados por ÉPOCA, tanto Giles quanto as agências Pepper e Click negaram a informação de Bené.
A delação de Bené não estava no radar de problemas de Dilma. Na semana passada, outra delação, a do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, era mais provável. Cerveró disse que Dilma “conhecia com detalhes” todos os negócios da estatal. O conteúdo da delação foi tornado público pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, relator da Lava Jato na Corte. O acordo prevê que Cerveró deixe a prisão no dia 24 de junho e devolva R$ 18 milhões aos cofres públicos. A delação também atesta “que Dilma Rousseff acompanhava de perto os assuntos referentes a Petrobras; que Dilma Rousseff conhecia com detalhes os negócios da Petrobras”, diz Cerveró. Em outro trecho da delação, Cerveró “supõe que Dilma Rousseff sabia que políticos do Partido dos Trabalhadores recebiam propina oriunda da Petrobras; que, no entanto, nunca tratou diretamente com Dilma Rousseff sobre o repasse de propina”.
Em nota, o advogado de Fernando Pimentel, Eugênio Pacelli, criticou as delações premiadas. “Tudo indica que delações como essas constituem o cardápio principal servido nas prisões nacionais. Criminosos de carreira vêm sendo beneficiados com leves prisões domiciliares e perdas irrelevantes de seu patrimônio constituído em ações delituosas. Por isso, nessas delações fala-se pelos cotovelos, cientes de que nem tornozeleiras ostentarão”, afirmou. O advogado da Caoa, José Roberto Batochio, disse que a montadora fez dois contratos de consultoria com empresas de Bené. “Foram consultorias que estão sendo utilizadas pela Caoa. O que se tem hoje é que a delação premiada é uma chave para abrir portas”, diz. A rede Madero disse que não mantém relações comerciais com Pimentel ou Bené, e que Felipe Torres era o franqueado em Piracicaba até outubro do ano passado, quando a rede comprou 100% da operação. A gráfica Color Print não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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