Editorial O Globo
Em um ambiente político tenso, cuja voltagem passou a subir
mais uma vez, encerrado o período de relaxamento da Rio-2016, a fase final do
pedido de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, está de novo em
andamento, e tudo indica deverá ter um desfecho esta semana. Depois,
temas-chave da agenda do Congresso passarão a ganhar mais visibilidade,
independentemente de quem estiver no Planalto.
Um dos assuntos é a reforma na legislação políticoeleitoral,
feita por proposta de emenda à Constituição de autoria do senador Ricardo
Ferraço (PSDB-ES). Um dos aspectos positivos da PEC é ser minimalista. Não faz
qualquer revolução na legislação — até porque não é preciso mesmo nada
revolucionário —, nem amplas alterações, para se atacar o ponto nevrálgico da
baixa representatividade de partidos e políticos, com todas as consequências
malignas do problema.
No pano de fundo da perda de prestígio do Legislativo,
trágica para a democracia representativa, está uma desbragada proliferação de
legendas nanicas, quase sempre criadas para permitir negociatas. Por exemplo,
na comercialização de tempo no horário dito gratuito. E para ganhar o dinheiro
fácil do Fundo Partidário, bancado pelo contribuinte.
Mesmo sem qualquer parlamentar, partidos repartem 5% do
fundo, hoje em R$ 800 milhões. A PEC de Ferraço cria mecanismo conhecido em
democracias fortes e longevas: a cláusula de desempenho, um mínimo de eleitores
que a legenda tem de atrair para conseguir acesso pleno ao fundo, participar do
programa eleitoral e ser representado, com todos os direitos, no Legislativo. E
ainda acaba com a coligação em eleições proporcionais, pela qual votos elegem
deputados sem o conhecimento do eleitor, um absurdo.
Aprovada a proposta, partido para ter representação plena
necessitará de pelo menos 2% dos votos dados a todos os deputados federais, e
atingir este índice no mínimo em 14 estados. Nas eleições de 2022, o índice
subirá para 3%. No pleito de 2006, entraria em vigor uma cláusula idêntica à da
Alemanha, com a exigência de 5% dos votos nacionais. Partidos pequenos
recorreram ao STF e sustaram a medida.
Por um conceito até ingênuo de representatividade — pois ela
não existe sem votos —, chegou-se à situação atual: 38 partidos oficializados,
muitos ainda na fila para serem criados, e, no Congresso, 28 legendas. A
maioria cevada também em outro mecanismo de distorção, a coligação em eleições
proporcionais. No atual Supremo, é bastante provável que aquela reclamação de
legendas menores não fosse aceita, tamanhas as distorções que se acumulam no
quadro partidário à frente de todos.
Como ficou mais difícil negociar alianças de forma séria
nesta pulverização partidária, o PT partiu para o caminho fácil da corrupção
via o toma lá dá cá do fisiologismo. A prisão de líderes e Lula e Dilma sob
investigação resumem o drama do partido pelo erro cometido. Uma prova da grave
perda de importância dos partidos está em estatísticas publicadas pelo GLOBO
sobre filiações partidárias, distribuídas por faixas etárias, de 2008 até hoje.
Quanto mais jovem a parcela da população, menor a adesão a
partidos. Que cai ano a ano neste período. Entre 18 e 24 anos, retrocede de
5,13% para 2,62%. A tendência é a mesma até a faixa de 35 a 44 anos. E o
envelhecimento da população não explica toda esta queda. Os partidos não se
renovam, tendem a ficar nas mãos de espertalhões, e assim a política e a de-
mocracia perdem substância. A PEC de Ferraço é uma resposta a esta hecatombe.
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