O impeachment representa oficialmente o fim de uma experiência
de 13 anos da esquerda no governo. Em 1964, após o golpe do militar, ela
denunciou a ditadura, mas mergulhou num processo de autocrítica, destacando o
populismo como um dos seus grandes erros. Infelizmente, para uma parte
importante dela, o caminho escolhido foi a luta armada com todas as suas
consequências. Esse processo foi alvo de intensa autocrítica que nos levaria,
se a análise fosse completa, a uma marcha pelas instituições.
O chamado socialismo do século XXI, que teve suas
consequências mais graves na Venezuela, lançou na América do Sul um modelo que
não era a marcha pelas instituições, e sim a captura das instituições. Primeiro
o Executivo, depois o Legislativo, o Judiciário e, finalmente, a imprensa.
Nesse modelo, a democracia é só uma tática não o objetivo
estratégico. O populismo, no fundo, partilha dessa escolha. A diferença da
experiência democrática de agora é a ausência de autocrítica. A narrativa do PT
é que ele foi afastado do poder por suas qualidades e o bem que fez ao país.
Compartilhei das críticas no pós-64 e das críticas à luta
armada que decorreu da análise equivocada do fracasso do populismo. Por que
agora a autocrítica é tão difícil?
Quando deixei o PT e o governo, em 2003, disse que estava
deixando pelo conjunto da obra. Vejo essa expressão retornar nos debates sobre
o impeachment. Em 2003, não tinha ocorrido o mensalão e o que se passou até o
processo que arruinou a Petrobras.
Todos esses fatos não produziriam ainda um impeachment pela
lentidão das investigações e julgamento. Os decretos suplementares, o uso
ilegal do Banco do Brasil revelam a ilusão de que o dinheiro cai do céu e
podemos gastá-lo à vontade. O populismo orçamentário. De novo, o populismo
derruba a esquerda.
Quando vejo jovens gritando “golpe” e outros slogans da
esquerda, sinto ternura pelo passado, mas também inquietação. É possível que
acreditem que o mal triunfou. A eles está sendo negada uma saudável crítica. No
seu lugar, a visão monolítica. Num tempo de reconstrução política e econômica,
revolução digital e aquecimento planetário, que papel terá uma esquerda se
insistir no papel de vítima?
Artigo publicado no Jornal O Globo em 01/09/2016
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