Luiz Alberto Weber, Época
Nos momentos mais tensos em seu gabinete, o presidente do
Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, inclina a caixa de
clipes sobre um dos vértices e a faz rodopiar como pião sobre a mesa. Se essa
não está à mão, acerta com petelecos a espátula de abrir cartas para que gire
como uma hélice. Contido, diplomático, avesso a palavrões mesmo na intimidade,
o presidente do Supremo não somatiza as pressões externas – à exceção dessas
pequenas demonstrações de transtornos obsessivos compulsivos, ou TOCs. Durante
o julgamento do mensalão, como um mantra, Lewandowski repetia aos assessores
criminais que se postavam diante do quadro branco onde assinalava os
pontos-chave de suas decisões polêmicas no caso: “Juiz não pode ter medo da
opinião pública”. E rodava a caixinha de clipes.
Poucos magistrados da Corte acompanham com tanta atenção a
opinião publicada. Consumidor voraz dos blogs de esquerda, alimentados no
governo do PT por crescente verba oficial, Lewandowski suspeita dos veículos
privados de jornalismo profissional, que não se enquadram na situação anterior.
Lewandowski sente-se contemplado pela cobertura da blogosfera. Acha-se, no
entanto, perseguido pela imprensa, a ponto de desconfiar que hackers invadiram
seu computador durante o julgamento do mensalão para vazar conversas suas. Na
realidade, um fotógrafo do jornal O Globo, durante uma
sessão aberta no STF, havia registrado à distância imagens de suas trocas de
mensagem pelo então popular aplicativo de chat MSN com outros ministros. Outro
episódio o deixou em alerta. Flagrado por uma repórter da Folha de S.Paulo no
início da Ação Penal 470, o mensalão, em um restaurante conversando ao telefone
em voz alta, onde confidenciava que os petistas haviam se tornado réus porque
os ministros votaram com a “faca no pescoço” (leia-se pressão da opinião
pública), pensou que fora grampeado.
Sem seus apetrechos antiestresse à mão, Lewandowski comandou
nesta semana a sessão de julgamento de Dilma Rousseff que concedeu à
ex-presidente uma boia política mediante uma interpretação heterodoxa da
Constituição, urdida pelo ex-presidente Lula e seus aliados, com ajuda do
presidente do Senado, Renan Calheiros. Lewandowski foi indicado por Lula para o
STF. Políticos que o conhecem desde o tempo de São Bernardo do Campo, berço do
PT e residência oficial de Lula, espalham a maledicência segundo a qual
Lewandowski é um leal companheiro. Na região, em um sítio local, o presidente
do STF cria cães da raça rhodesian ridgeback, o leão da Rodésia, de matriz
africana, conhecido pela afabilidade e fidelidade. Os movimentos de rua
anti-Dilma chegaram a criar um boneco inflável com o debochado acrônimo
Petrolowski – uma junção de PT, petrolão e o sobrenome do ministro. (Lewandowski
solicitou à Polícia Federal que investigasse a autoria do boneco.) Os
movimentos aludiam ao fato de que Lewandowski se encontrara com a então
presidente Dilma Rousseff em Lisboa, quando o carrossel do impeachment já
rodava – um encontro do qual o ministro Teori Zavascki, que estava no mesmo
hotel, se recusou a participar. Em sua sabatina no Congresso, John Roberts, o
presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos,
equivalente ao STF brasileiro, afirmou que o papel de um ministro de
Corte Constitucional é semelhante ao de um árbitro de beisebol que apenas anota
“balls and strikes”, como registra Richard Posner em seu livro How judges think
(em português, Como os juízes pensam). Nesta semana, talvez Lewandowski tenha
feito mais que apenas apitar a regra.
Como juiz do processo de impeachment, Lewandowski deixou o
jogo rolar solto no Senado até os 45 minutos do segundo tempo. Metáforas
futebolísticas, tanto ao gosto do ex-presidente Lula, são cansativas. Mas esta
é inescapável: Lewandowski marcou um pênalti em favor de Dilma Rousseff, que
ninguém esperava, já na prorrogação. O ministro, que ao longo do julgamento
impusera um tom solene, respeitoso, que rejeitara chicanas da defesa de Dilma,
cortou som dos mais estridentes e ameaçou usar o poder de polícia, tomou uma
decisão polêmica. Lewandowski fez uma leitura criativa do Artigo 52 da
Constituição, que é límpido em seu parágrafo único: “Nos casos previstos nos
incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal,
limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos
do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o
exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Pelo texto, aonde a perda de mandato vai, a inabilitação vai junto. Lewandowski
permitiu a separação de uma da outra, algo inédito e objeto de crítica de dois
colegas, os juízes do Supremo Gilmar Mendes e Celso de Mello.
O árbitro brasileiro que comandou a final da Copa do Mundo
de 1986, Romualdo Arppi Filho, dizia que juiz inteligente “não apita o que viu:
apita só o que o estádio enxergou”. Lewandowski não teve medo das arquibancadas
ao chancelar essa decisão, mas apitou o que os cartolas da política – Lula e o
presidente do Senado, Renan Calheiros – haviam combinado antes. Colecionador de
comendas, Lewandowski acomoda em seu gabinete uma coleção de 71 medalhas,
algumas como a de Honra ao Mérito O Semeador – Homem do Campo e a Medalha do
Mérito do Setentrião, concedida pelo governo do Amapá.
Lewandowski continuará a escrever sua biografia no STF. No
dia 10 de setembro, concluirá seu mandato como presidente e transmitirá o cargo
à ministra Cármen Lúcia. Lewandowski defendeu auxílios e apetrechos nos salários
dos magistrados – mas foi o redator da súmula que proíbe o nepotismo no serviço
público e, à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi um dínamo na
aprovação da Lei da Ficha Limpa. Foi um revisor competente do relatório do
mensalão, redigido pelo então ministro Joaquim Barbosa. Impôs freios à
dosimetria das penas impostas a alguns réus – e foi seguido pelo plenário
algumas vezes. Em seu gabinete, implantou o ISO 9000, um padrão de trabalho
para evitar a praga dos processos acumulados. Ele agora passará à Segunda
Turma, responsável pelo julgamento dos processos da Lava Jato. O julgamento dos
réus do petrolão continuará. As provas da Lava Jato gritam, as arquibancadas
estão atentas. Parlamentares recorreram do fatiamento da pena de Dilma. Assim,
no plenário, Lewandowski terá de decidir, com os demais ministros, sobre o
pênalti que apitou na final do impeachment.


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