sábado, 3 de setembro de 2016

TAMOS JUNTOS, MAS NEM TANTO

Helena Chagas, Os Divergentes
O PSDB ficou, como se dizia antigamente, tiririca com a articulação liderada pelo peemedebista Renan Calheiros para que o Senado preservasse os direitos políticos de Dilma Rousseff. Seus caciques sentiram-se traídos ao perceber, em plenário, que boa parte da bancada do PMDB que havia votado pelo impeachment foi favorável ou se absteve na apreciação do destaque que manteve Dilma, mesmo cassada, habilitada a ocupar funções públicas. Para quem conhece essa turma, não há novidade nenhuma. O velho PMDB de guerra é assim mesmo, estilo moleque de morro, que dá rasteira, navalhada, chute na canela e dedo no olho quando menos se espera para dominar o adversário - ou o parceiro. Os tucanos, moços engomadinhos e cheirosos, educados em colégios de freiras, tinham se esquecido disso porque fazia muito tempo que não partilhavam o poder.
O choro, que os tucanos não hesitaram em expressar nos primeiros microfones e holofotes que encontraram, ameçando inclusive deixar o governo, foi uma pequena amostra do que será o dia-a-dia da política no governo Michel Temer, agora efetivo. O senador Aloysio Nunes Ferreira, num telefonema, teria chegado a insinuar entregar o cargo de líder do Governo a Michel - que obviamente não quis nem ouvir falar e ficou de conversar na volta da viagem à China. No primeiro dia, já pensou?!  O senador Aécio Neves, presidente do partido, correu a botar panos quentes na disposição para a debandada irrefletida, mas fez questão de dizer na TV, para todo mundo ouvir, que seu compromisso é com as propostas para o país, e não com o projeto de poder do PMDB. Ou seja, se as reformas não saírem, começarão a costear o alambrado, como diria o saudoso Leonel Brizola.
Com a crise provocada pela inesperada segunda votação, um dia que seria de vitória e comemorações para os neogovernistas acabou sendo mais um dia de apagar incêndios políticos. Talvez um, sinal de que o fim da interinidade não vai, por si só, resolver os problemas que colocam em risco a coesão da base que precisa aprovar o mais rapidamente possível as reformas.
Projetos como a PEC que estabelece o teto para os gastos públicos e a reforma da Previdência já são de difícil aprovação mesmo em tempos de paz, e com presidentes eleitos e fortes. O que dirá em meio a essas turbulências todas.
O mapeamento das forças que promoveram o impeachment e agora apóiam o governo Temer trouxe ontem à luz a ação do grupo ligado ao senador Renan Calheiros - que, curiosamente, ontem saudou o presidente na posse no Congresso com um "tamos juntos". Mas o senador nunca foi próximo do companheiro Temer, de quem se aproximou quando viu que a queda de Dilma era irreversível. A principal agenda do PMDB do Senado - no qual Michel Temer tem aliados fiéis como Romero Jucá - é hoje escapar à Lava Jato, o que pode explicar um pouco a decisão de fatiar a cassação e a inabilitação.
Mas, nas prioridades desse segmento do PMDB, o resto vem depois. É um grupo pode ajudar muito na aprovação de algumas reformas do ajuste fiscal, mas não é chegado a medidas duras que sacrifiquem os estados e o funcionalismo, por exemplo. Em ano de eleição, menos ainda. Vai criar problemas, sobretudo no plenário do Senado, onde deverá se confrontar com os tucanos, fiscalistas, contra aumentos e defensores do ajuste duro - talvez para que não tenham que fazê-lo se, como querem, chegarem ao poder em 2018.
Outro incêndio a ser apagado por Michel Temer para votar as reformas é a desenvoltura do chamado Centrão, grupo que ficou órfão de Eduardo Cunha mas continua aglutinando mais de cem deputados, decisivos para reformas que precisam de três quintos dos votos para serem aprovadas. E aí as coisas se complicam, pois esse pessoal sabe jogar pesado e continua falando a linguagem de Cunha. A próxima crise pode ser quando o Centrão entrar em confronto com os tucanos, desta vez tendo como cenário a Câmara, cuja presidência vão disputar em janeiro próximo. Isso deve ocorrer no auge das negociações das emendas do teto e da Previdência. Vai ficar caro.
Sem falar da neo-oposição do PT e seus movimentos sociais. O ex-presidente Lula e seu partido saem enfraquecidos do impeachment e ainda podem perder mais com a pancadaria da Lava Jato - que, pelo menos em cima deles, parece que vai continuar. Mas sabem fazer oposição, ainda mais contra um governo impopular que precisa impor reformas mais impopulares ainda ao país. A oposição vai transformar o discurso das reformas em ameaça de corte de direitos sociais. O duro discurso de despedida de Dilma não deixou margem de dúvida em relação a isso.
Michel Temer, que tem grande quilometragem nas articulações políticas, vai precisar de toda a sua habilidade para acomodar esses diferentes grupos com seus múltiplos projetos de poder. Ajudará muito se não tiver um para chamar de seu e se posicionar como árbitro, disposto a ir para casa em 2018. Mas não basta isso. Para aprovar medidas duras, muitas vezes é preciso que, acima da conciliação, esteja a autoridade, a disposição de dar um soco na mesa e partir para o enfrentamento, doa a quem doer. Esse Michel ninguém conheceu ainda, mas não se pode garantir que não exista.

Helena Chagas é jornalista, formada na Universidade de Brasília em 1982. De lá para cá, trabalhou como repórter, colunista, comentarista, coordenadora, chefe de redação ou diretora de sucursal em diversos veículos, como O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil (EBC). Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República de janeiro de 2011 a janeiro de 2014.
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