O PSDB ficou, como se dizia antigamente, tiririca com a
articulação liderada pelo peemedebista Renan Calheiros para que o Senado
preservasse os direitos políticos de Dilma Rousseff. Seus caciques sentiram-se
traídos ao perceber, em plenário, que boa parte da bancada do PMDB que havia
votado pelo impeachment foi favorável ou se absteve na apreciação do destaque
que manteve Dilma, mesmo cassada, habilitada a ocupar funções públicas. Para
quem conhece essa turma, não há novidade nenhuma. O velho PMDB de guerra é
assim mesmo, estilo moleque de morro, que dá rasteira, navalhada, chute na
canela e dedo no olho quando menos se espera para dominar o adversário - ou o
parceiro. Os tucanos, moços engomadinhos e cheirosos, educados em colégios de
freiras, tinham se esquecido disso porque fazia muito tempo que não partilhavam
o poder.
O choro, que os tucanos não hesitaram em expressar nos
primeiros microfones e holofotes que encontraram, ameçando inclusive deixar o
governo, foi uma pequena amostra do que será o dia-a-dia da política no governo
Michel Temer, agora efetivo. O senador Aloysio Nunes Ferreira, num telefonema,
teria chegado a insinuar entregar o cargo de líder do Governo a Michel - que
obviamente não quis nem ouvir falar e ficou de conversar na volta da viagem à
China. No primeiro dia, já pensou?! O
senador Aécio Neves, presidente do partido, correu a botar panos quentes na
disposição para a debandada irrefletida, mas fez questão de dizer na TV, para
todo mundo ouvir, que seu compromisso é com as propostas para o país, e não com
o projeto de poder do PMDB. Ou seja, se as reformas não saírem, começarão a
costear o alambrado, como diria o saudoso Leonel Brizola.
Com a crise provocada pela inesperada segunda votação, um
dia que seria de vitória e comemorações para os neogovernistas acabou sendo
mais um dia de apagar incêndios políticos. Talvez um, sinal de que o fim da
interinidade não vai, por si só, resolver os problemas que colocam em risco a
coesão da base que precisa aprovar o mais rapidamente possível as reformas.
Projetos como a PEC que estabelece o teto para os gastos
públicos e a reforma da Previdência já são de difícil aprovação mesmo em tempos
de paz, e com presidentes eleitos e fortes. O que dirá em meio a essas
turbulências todas.
O mapeamento das forças que promoveram o impeachment e agora
apóiam o governo Temer trouxe ontem à luz a ação do grupo ligado ao senador
Renan Calheiros - que, curiosamente, ontem saudou o presidente na posse no
Congresso com um "tamos juntos". Mas o senador nunca foi próximo do
companheiro Temer, de quem se aproximou quando viu que a queda de Dilma era
irreversível. A principal agenda do PMDB do Senado - no qual Michel Temer tem
aliados fiéis como Romero Jucá - é hoje escapar à Lava Jato, o que pode
explicar um pouco a decisão de fatiar a cassação e a inabilitação.
Mas, nas prioridades desse segmento do PMDB, o resto vem
depois. É um grupo pode ajudar muito na aprovação de algumas reformas do ajuste
fiscal, mas não é chegado a medidas duras que sacrifiquem os estados e o
funcionalismo, por exemplo. Em ano de eleição, menos ainda. Vai criar
problemas, sobretudo no plenário do Senado, onde deverá se confrontar com os
tucanos, fiscalistas, contra aumentos e defensores do ajuste duro - talvez para
que não tenham que fazê-lo se, como querem, chegarem ao poder em 2018.
Outro incêndio a ser apagado por Michel Temer para votar as
reformas é a desenvoltura do chamado Centrão, grupo que ficou órfão de Eduardo
Cunha mas continua aglutinando mais de cem deputados, decisivos para reformas
que precisam de três quintos dos votos para serem aprovadas. E aí as coisas se
complicam, pois esse pessoal sabe jogar pesado e continua falando a linguagem
de Cunha. A próxima crise pode ser quando o Centrão entrar em confronto com os
tucanos, desta vez tendo como cenário a Câmara, cuja presidência vão disputar
em janeiro próximo. Isso deve ocorrer no auge das negociações das emendas do
teto e da Previdência. Vai ficar caro.
Sem falar da neo-oposição do PT e seus movimentos sociais. O
ex-presidente Lula e seu partido saem enfraquecidos do impeachment e ainda
podem perder mais com a pancadaria da Lava Jato - que, pelo menos em cima
deles, parece que vai continuar. Mas sabem fazer oposição, ainda mais contra um
governo impopular que precisa impor reformas mais impopulares ainda ao país. A
oposição vai transformar o discurso das reformas em ameaça de corte de direitos
sociais. O duro discurso de despedida de Dilma não deixou margem de dúvida em
relação a isso.
Michel Temer, que tem grande quilometragem nas articulações
políticas, vai precisar de toda a sua habilidade para acomodar esses diferentes
grupos com seus múltiplos projetos de poder. Ajudará muito se não tiver um para
chamar de seu e se posicionar como árbitro, disposto a ir para casa em 2018.
Mas não basta isso. Para aprovar medidas duras, muitas vezes é preciso que,
acima da conciliação, esteja a autoridade, a disposição de dar um soco na mesa
e partir para o enfrentamento, doa a quem doer. Esse Michel ninguém conheceu
ainda, mas não se pode garantir que não exista.
Helena Chagas é jornalista, formada na Universidade de
Brasília em 1982. De lá para cá, trabalhou como repórter, colunista,
comentarista, coordenadora, chefe de redação ou diretora de sucursal em
diversos veículos, como O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil (EBC). Foi
ministra chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República de
janeiro de 2011 a janeiro de 2014.


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