Brian Winter, Americas Quarterly
Houve um breve momento durante a campanha presidencial
brasileira em 2014 em que Marina Silva parecia destinada a ganhar tudo. Ao
escapar notoriamente da pobreza, da malária, intoxicação por mercúrio e outros
horrores aos que se expôs crescendo na Amazônia, aprender a ler aos 16 anos, e
transformar-se de empregada doméstica em uma ambientalista de renome mundial,
ela parecia uma figura ideal para levar adiante o progresso social do Brasil e,
ao mesmo tempo, colocar um fim à podridão cada vez mais evidente que ruía o
governo da então presidente Dilma Rousseff.
Apenas cinco semanas antes da eleição, as pesquisas
mostravam Marina, como os brasileiros a chamam, com uma vantagem de 10 pontos
em um segundo turno hipotético contra Rousseff. Mas então a titular do cargo
disparou uma enxurrada de ataques, incluindo um comercial de TV memorável em
que apoiadores ricos fictícios de Marina riam enquanto a comida desaparecia das
mesas da classe trabalhadora. Ainda mais prejudicial, os seguidores de Rousseff
acusaram Marina de querer cortar programas sociais, incluindo o Bolsa Família,
que paga um salário para cerca de um quarto da população brasileira, a fim de
reestabelecer o equilíbrio orçamental.
Nesse tempo todo, os assessores de Marina pediam que ela
aliviasse sua mensagem, parasse de falar sobre a recessão, a corrupção e
catástrofes iminentes. Mas ela não lhes deu ouvidos. “Nós apresentamos um
programa dizendo que o Brasil estava à beira de uma crise económica”, recorda
Marina em uma entrevista com a AQ. “Quando eu disse que eu não ia dizer que as
coisas iam continuar do mesmo jeito ou melhor, certo, algumas pessoas ficaram
muito chateadas. Mas eu disse, ‘Eu não posso ganhar eleição com uma mentira.’
Porque logo em seguida tudo isso vai desmorunar e a sociedade não vai nós
perdonar.”
Marina pagou o preço: O apoio popular nas pesquisas
despencou, e ela terminou em terceiro lugar no dia da eleição, com apenas 21
por cento dos votos, ficando completamente fora do segundo turno. Mas em poucas
semanas, infelizmente, tornou-se óbvio o quão presciente ela era. O Brasil
acabou registrando a pior recessão de sua história e, apenas três meses após
Rousseff ter iniciado seu segundo mandato, dois terços dos brasileiros diziam
que queriam seu impeachment. E eles finalmente o conseguiram, em agosto de
2016. Mas a crise ainda não foi controlada sob a liderança do sucessor de
Rousseff e seu vice-presidente, Michel Temer, com o desemprego subindo para 11
por cento, novas revelações de corrupção surgindo, e pouca esperança de um
retorno iminente do Brasil aos dias de glória.
Hoje, a maioria dos brasileiros se arrepende de seu voto - e
eles ainda podem ter uma chance de corrigir o erro. As pesquisas sugerem que
Marina é a personagem política proeminente mais popular do país e a favorita,
por uma margem estreita, para a próxima eleição presidencial em 2018. Com uma
reputação de integridade, uma agenda econômica centrista e a virada ocorrida
após sua candidatura fracassada, a vez de Marina pode estar chegando. Ela não
confirma que participará da disputa, mas certamente fala como se fosse. “Nesse
momento o mais importante é resolver a crise política”, diz ela. “A maior parte
dos problemas que nós estamos enfrentando hoje no Brasil é em função da crise
política ... eu saí batendo muito na tecla de que o Brasil precisava um gente
mente fazer avanços políticos, uma reforma politica.”
Pode parecer muito cedo para pensar em 2018; afinal, o
Brasil não acabou de ganhar um novo presidente? Mas os defensores do próprio
presidente Temer tendem a concordar que ele é uma figura de transição, devido
ao mandato abreviado e a controvérsia em torno do impeachment de Dilma. O
trabalho pesado necessário para consertar o Brasil - reformas difíceis e
polêmicas, como a simplificação do código fiscal, uma revisão das leis de
financiamento de campanhas, e uma abertura ao comércio exterior - vai requerer
um líder forte, com um mandato popular, inquestionável. Então, de São Paulo à
Amazônia, Wall Street e além, qualquer um com planos de fazer uma aposta de
longo prazo no Brasil já está olhando para frente.
Essa é uma tarefa difícil - a vitória de Marina não é
certeira. A próxima eleição parece a mais imprevisível desde que a democracia
plena foi restabelecida no Brasil em 1989. A disputa pode contar com uma dúzia
de candidatos, cada um com seus próprios grupos fragmentados. Ao mesmo tempo,
Marina tem suas próprias falhas para corrigir. Porque a dura verdade é que, em
2014, não foram apenas os anúncios negativos que a tiraram da corrida. Havia
outros fatores, mais pessoais, também em operação.
Alguns se esqueceram disso, mas Marina nem deveria concorrer
à presidência em 2014.
Ela rejeitou uma oportunidade para ser a candidata de um
partido pequeno, aceitando, em vez disso, um convite de Eduardo Campos,
governador carismático, para ser sua companheira de chapa. A decisão causou
surpresa, já que Marina havia conseguido chegar com força como terceira
colocada na eleição presidencial de 2010, e tinha mais reconhecimento de nome
naquele momento que Campos. A percepção em Brasília, que ecoava na época entre
alguns dos próprios aliados de Marina, era que ela se sentia mais à vontade em
um papel figurativo no qual pudesse defender um ou dois tópicos próximos a ela,
como o meio ambiente, e deixar o dia a dia do governo para outra pessoa.
Campos morreu em um acidente de avião dois meses antes da
eleição, abruptamente levando o nome de Marina para o alto da cédula eleitoral.
Mas, mesmo assim, as dúvidas nunca cessaram. A história de vida de Marina fez
dela uma voz moral necessária e inspiradora, argumentavam muitos, mas nem todo
mundo tem as habilidades necessárias para ser presidente de um país tão grande
e tão propenso a crises como o Brasil.
Alguns defensores de Marina dizem que esse ponto de vista é
sexista, enquanto outros veem uma estirpe particularmente brasileira de
classismo - uma crença de que ninguém com essas raízes humildes teria como
enfrentar um trabalho tão grande. Marina, por sua vez, reconhece que sua figura
física relativamente frágil - que é produto de sua formação - pode ser a
verdadeira fonte das dúvidas sobre sua adequação para o cargo.
“Olha”, diz ela com um sorriso: “Acho que as pessoas muitas
vezes vêem até o meu biótipo, o meu histórico de vida, uma pessoa que teve
cinco malárias, três hepatites. Eu tenho uma saúde muito boa, graças à deus.
Mas eu não acredito na política como esses estereótipos que as pessoas têm, de
que você tem que mostrar que é um superpolítico, um superherói ... eu não
disputo na frequência da polítca tradicional e acho que esse é um momento que a
gente precisa talvez muito mais de força interior do que força física.”
Marina também é assombrada por sua associação até 2009 com o
Partido dos Trabalhadores, o partido da Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, que está agora no centro de várias investigações de corrupção.
Marina não só foi ministra do Meio Ambiente de Lula, mas também sua amiga, e
fotos íntimas dos dois se espalham pela internet. Buscando separar-se de seu
passado, Marina preferiu fazer campanha em 2014 como uma candidata de
centro-direita em questões econômicas, apoiando a independência do banco
central do país, por exemplo. Isso alienou alguns de seus seguidores antigos, o
que a forçou a ir atrás de uma nova base que não era leal a ela - e rapidamente
a abandonou quando começaram os ataques de Dilma.
Isso tudo levanta a questão: Será que Marina pode
representar uma pausa suficiente dos políticos tradicionais para ter sucesso em
2018? Especialmente se essa se tornar uma eleição de expurgo, como prevê a
maioria?
No dia da nossa entrevista, jornais locais publicaram novas
alegações de que sua campanha de 2010 havia sido financiada com dinheiro sujo.
Enquanto conversávamos à margem de uma conferência em São Paulo, uma horda de
repórteres a esperava do lado de fora para interrogá-la. “Eles estão tentando
me destruir”, sussurrou Marina, em uma aparente referência à elite política
brasileira, “porque eles veem que eu sou a única que nunca se envolveu”. As
acusações sobre as finanças da campanha nunca foram totalmente justificadas, e
Marina as negou. Mas sua reação pode prenunciar outros desafios que terá pela
frente.
Se ela conseguir superar esses obstáculos, o apelo de Marina
- aos eleitores e investidores - é claro. Ela tem uma visão convincente de que
o Brasil deu errado, colocando o foco não apenas na corrupção, mas também nas
políticas econômicas fracassadas da década passada. A maioria dos observadores
acredita agora que o Partido dos Trabalhadores confiou demais em estimular a
demanda doméstica, negligenciando áreas como escolas e infraestrutura. “Não
podemos dizer que uma clase se forma em função do consumo que essa clase tem”,
diz Marina. “(Em vez disso), é pelos bens e serviços que essa clase passa a ter
aceso, pelo nivel de educação que essa clase passa a ter aceso, até porque se
ela for apenas em função do consumo, logo ela vai desaparecer.”
Marina também tem dado apoio incondicional à operação Lava
Jato, que investiga a corrupção na Petrobras e muitos brasileiros veem como o
único aspecto positivo dos últimos dois anos de crise. “O Brasil tem a chance
de ser passado a limpo para melhorar a qualidade das instituações. O Brasil é
um país que infelizmente ainda não aprendeu a institucionalizar suas
conquistas”, diz ela.
Com uma forte equipe de consultores que inclui Neca Setubal,
célebre especialista em educação e membro de uma família de banqueiros
destacados, os temores de que Marina poderia levar a economia em uma direção
mais radical se for eleita, também diminuíram. Declarações que soavam fora da
realidade quando o Brasil ainda estava crescendo parecem visionárias no
contexto mais humilde e mais conturbado de hoje.
“O Brasil tem grande possibilidade de mudar o seu modelo de
desenvolvimento do modelo insustentável para o modelo sustentável”, diz ela.
“Mas isso so será possível se for capaz de ter lideranças políticas que estejam
comprometidos não em fazer mais do mesmo.”
Brian Winter é o editor-chefe da Americas Quarterly.
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