segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O PROPINODUTO DA GESTÃO TUCANA

Da Época
Acostumado às rodas de negociação que cercam as delações, o empreiteiro José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, uma das empresas do cartel do petrolão, subiu à sala de reuniões do Ministério da Transparência, em Brasília, na terça-feira, dia 11, para discutir algo diferente. Diante de quatro procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) e outros quatro integrantes da cúpula do ministério, Antunes acelerou o passo para firmar um acordo de leniência – espécie de colaboração premiada para empresas, que implica o pagamento de multa e confissão dos delitos cometidos pela companhia. A  recompensa, valiosa, é a possibilidade de voltar a ter contratos com o poder público, dos quais a Engevix está afastada desde que foi flagrada no petrolão.
Na conversa, Antunes detalhou uma enxuta lista de negociatas que apresentara semanas antes aos técnicos e atiçara a curiosidade do governo Michel Temer. Constam relatos de pagamento de propinas para obtenção de contratos em quatro órgãos públicos. ÉPOCA teve acesso ao conteúdo, que revela uma peculiaridade: a existência de duas empresas sob comando tucano no estado de São Paulo, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), a estatal que constrói moradias populares, e a Dersa Desenvolvimento Rodoviário, estatal das rodovias paulistas, responsável pela obra ícone dos governos tucanos em São Paulo, o Rodoanel Mário Covas. Antunes também falou sobre propinas pagas em contratos com a estatal federal de ferrovias Valec e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), ligado ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação.
Na proposta, Antunes aponta condutas ilegais cometidas por executivos da empresa durante a gestão do PSDB em São Paulo, nos governos de Geraldo Alckmin e José Serra. Ainda não consignados na proposta, os valores da propina, segundo fontes oficiais envolvidas na negociação, ultrapassam os R$ 20 milhões. Além da Engevix, a Odebrecht relata pagamento do mesmo tipo aos governos tucanos – e no mesmo período. Nas planilhas da Odebrecht apreendidas pela Polícia Federal há referências a pagamentos por contratos da Linha 2 do metrô de São Paulo, feitos em 2004 e em 2016, mesmo período em que a Engevix relata repasses por negócios na CDHU.
A oferta de Antunes chama a atenção pelas novidades paulistas, mas também pelas ausências. Em abril, ÉPOCA revelou os anexos da proposta de delação que o empreiteiro fizera à Lava Jato. Os documentos continham revelações sobre negócios para lá de suspeitos de um amigo do presidente Michel Temer com a Eletronuclear; sobre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); e sobre o ex-marido da ex-presidente Dilma Rousseff, além de outros políticos com foro. Como não lhe foi pedido em Brasília que falasse disso, Antunes calou-se. No documento que apresentou ao Ministério da Transparência, Antunes conta que os cinco contratos celebrados pela Engevix com a CDHU, que começaram em 2002 e perduraram por mais de uma década, foram intermediados pelos lobistas João Adolfo e Milton Pascowitch, donos da Jamp. Trata-se da mesma empresa de fachada usada como lavanderia de dinheiro para os contratos firmados pela consultoria do ex-ministro José Dirceu. Foi por meio dessa empresa que a Engevix entregou R$ 10 milhões de propina ao PT por contratos com a Petrobras.
A história da Engevix com a Jamp em São Paulo começou antes de a empreiteira cair nas graças do PT.
No ano passado, a Polícia Federal encontrou mais de 30 contratos de gaveta firmados entre a Engevix e a Jamp para a prestação de serviços de fiscalização em projetos da CDHU nas residências e escritórios dos irmãos Pascowitch. Para cada contrato, havia pagamentos que variavam de R$ 30 mil a R$ 1 milhão à Jamp. Os irmãos Pascowitch, apesar de engenheiros, jamais tiveram uma obra registrada. No entanto, tornaram-se responsáveis por cada consórcio firmado entre a Jamp e a Engevix. Entre 2007 e 2010, a Engevix levou dois contratos da CDHU por R$ 33 milhões. Nesse mesmo período, a Jamp recebeu R$ 4,9 milhões para prestar serviços à companhia estadual em nome da empreiteira. O serviço para o qual a Engevix foi
contratada e atribuiu competência à Jamp era o de verificar problemas técnicos em casas de lotes CDHU. Mas a Jamp nunca teve sequer 10 funcionários. Em 2013, ano em que recebeu mais de R$ 2 milhões da Engevix, a Jamp não tinha nenhum vínculo empregatício. Era fachada para propina.
A parceria entre Engevix e Jamp no governo de São Paulo já havia sido mencionada por Antunes e por seu sócio Gerson Almada e pelo próprio Milton Pascowitch em depoimentos ao juiz Sergio Moro em 2015. “O relacionamento com o senhor Milton Pascowitch realmente começou por meio do irmão dele, José Adolfo Pascowitch. Ele foi, durante muitos anos, funcionário da Comgás e posteriormente da Sabesp. Aí desenvolvemos um relacionamento profissional”, disse Almada. Questionado por Moro sobre o início de seus negócios com a Engevix, Milton Pascowitch contou história parecida. “Nós disputamos uma licitação na qual minha empresa, junto com meu irmão, não tinha a capacitação financeira nem os atestados técnicos. Nós propusemos à Engevix e entramos juntos com ela para disputar um lote de gerenciamento de habitações populares da CDHU”, afirmou o lobista também em 2015. As investigações mostram que a Jamp era uma empresa de fachada, pela qual os irmãos recebiam e repassavam pagamentos ilegais.
Até serem pegos pela Lava Jato, os irmãos Pascowitch integravam um grupo restrito da alta sociedade paulistana. O pai, Paulo, fez fortuna em São Paulo e fundou o Banco Áurea, nos anos 1970, guardião de um dos maiores acervos de arte moderna brasileira à época. A família tinha proximidade com os governos estaduais desde os tempos de Adhemar de Barros, na década de 1950. Já a Engevix, até cair nas graças do PT, era próxima do PSDB. Quando o trio José Antunes Sobrinho, Gerson Almada e Cristiano Kok assumiu a empresa e tentou aproximação com o governo federal para abocanhar contratos com a Petrobras, teve dificuldades, pois a Engevix era considerada pelos petistas uma “empresa amiga do PSDB”, diz um antigo executivo. Essa é uma das razões pelas quais a Engevix demorou algum tempo até conseguir fazer parte do cartel do petrolão, diferentemente de UTC e OAS. Um dos responsáveis por quebrar a resistência foi o ex-senador Delcídio do Amaral.
No caso da Dersa, Antunes afirmou ao Ministério da Transparência dispor de informações sobre pagamentos em dinheiro feitos à empresa estadual desde 2005, na gestão de Dario Rais Lopes. Ao todo, foram dez contratos. Com o avanço da Lava Jato em 2014, a Engevix teria suspendido os repasses em dinheiro e sofrido retaliações, segundo o empreiteiro. Os principais contratos firmados pela Engevix com a estatal são os que envolvem o trecho norte do Rodoanel Mário Covas, e que são alvo de investigação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE). Como os repasses à Dersa não foram feitos por meio do lobista Milton Pascowitch ou da Jamp, as informações sobre o caso não foram coletadas pela força-tarefa.
Os outros dois órgãos citados por Antunes, Valec e Dnit, são antigos conhecidos da Engevix, desde a época de fundação da empresa, nos anos 1960. No caso da Valec, porém, Antunes propôs detalhar apenas os repasses feitos durante a gestão de José Francisco das Neves, o Juquinha, como presidente da empresa, entre 2006 e 2011. Segundo o empreiteiro, pagava-se pedágio de 5% para levar contratos com a estatal de ferrovias. Patrocinado pelo PMDB de Goiás, Juquinha foi afastado da Valec após denúncias de irregularidades e chegou a ser preso em 2012, acusado de lavagem de dinheiro. Antunes também se dispôs a relatar, no acordo de leniência, os pagamentos feitos ao lobista Sérgio Sá, preso em 2007 durante a Operação Navalha, acusado de fazer tráfico de influência para beneficiar empreiteiras em obras do Dnit. À época, grampos mostraram Sá negociando benefícios em favor da Engevix. O então presidente, Cristiano Kok, negou que a empreiteira tivesse pago propina para conseguir o contrato da BR 020. Em 2007, a Engevix escapou. Agora, Antunes está disposto a contar o que o Ministério Público não descobriu.
Milton Pascowitch afirmou, por meio de seu advogado, Theo Dias, que não comentaria nada sobre o caso. A CDHU disse que “qualquer irregularidade, se houver, será apurada com rigor”. A Dersa diz que “desconhece qualquer irregularidade envolvendo serviços contratados junto à Engevix” e que “as obras foram licitadas rigorosamente dentro dos princípios determinados pela lei e o objeto dos contratos foi ou vem sendo executado”. Antonio Figueiredo Basto, advogado de José Antunes Sobrinho, disse desconhecer qualquer negociação de acordo de leniência. Já o Ministério da Transparência afirmou que negocia acordos de leniência com 12 empreiteiras, mas não pode se manifestar sobre nenhum deles, em razão do sigilo imposto pela Lei Anticorrupção.
Desde que assumiu o comando do Ministério da Transparência, o ministro Torquato Jardim concentra as negociações da leniência nas mãos de um grupo reduzido de servidores da Pasta e da Advocacia-Geral da União (AGU). Jardim trocou, logo nos primeiros dias de gestão, o comando da área responsável por conversar com as empreiteiras e exonerou insatisfeitos com o governo Temer. Para o ministro, o movimento era estratégico para evitar “contaminações políticas”. O diretor da área de infraestrutura, Wagner Rosa, vem ganhando mais espaço na Pasta. Há discordâncias internas, por exemplo, sobre a participação da AGU nos acordos. Mas tem prevalecido a decisão de Rosa. Caberá a ele, portanto, definir se as informações prestadas por Antunes sobre o governo tucano interessarão ao ministério e se serão suficientes para que a empreiteira consiga seu perdão e possa voltar a receber aquele dinheiro público que deseja.
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