Da ISTOÉ
Familiarizado com os segredos mais recônditos de políticos
dos mais diversos matizes, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) estremece o
poder. Desde que foi preso na última quarta-feira 19, ele tornou-se o novo
homem-bomba da República, capaz de acelerar os batimentos cardíacos de pelo
menos sete em cada 10 parlamentares do Congresso. Não por acaso, sua prisão foi
comparada a uma espécie de “toque de recolher” no Legislativo. Minutos depois
de sua detenção, não havia viva alma na Câmara e Senado para contar história.
Pudera. Uma delação daquele que pode ser considerado o presidente da Câmara
mais poderoso desde a redemocratização tem potencial explosivo só comparável ao
atribuído ao depoimento de Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do País
– que mantém negociações avançadas para homologar a colaboração premiada com a
força-tarefa da Lava Jato. As revelações de Cunha podem atingir não apenas o
PMDB, seu partido, do qual por muitos anos foi uma espécie de caixa responsável
por arrecadar recursos com empresas e repassá-los a candidatos do partido País
a fora. Mas incriminar também aliados de um amplo leque de legendas. Sobretudo
políticos com os quais conviveu intimamente, do atual e de governos anteriores.
Ou seja, ele sabe demais e é por saber demais que ele impõe medo e dissemina o
pânico em Brasília.
O peemedebista é uma espécie de caixa-preta do submundo da
capital federal. Conforme apurou ISTOÉ, suas contribuições devem ir além de
simples relatos. Cunha guarda consigo um extenso acervo, com áudios, vídeos e
documentos, de negociatas que envolvem integrantes da cúpula de PT e PMDB e
cerca de 200 deputados de sua base de apoio. O material – considerado
nitroglicerina pura por quem já o manuseou – contém detalhes da distribuição de
recursos do Petrolão e poderá, entre outros fatos, elucidar casos de corrupção
no Porto de Santos, que atinge o coração do PMDB, e no projeto do Porto
Maravilha. Parte robusta desse dossiê foi armazenada graças a tecnologias
instaladas nos escritórios do ex-presidente da Câmara. Segundo ISTOÉ apurou,
Cunha contava com um arsenal antiespionagem. Além de câmeras e escutas
ambientais para gravar reuniões, ele dispunha de um dispositivo que, quando
acionado, emitia ondas eletromagnéticas capazes de cortar sinais de celulares
no ambiente e impediam que o interlocutor gravasse as conversas.
Embora sempre tenha negado publicamente a possibilidade de
fechar um acordo com a Justiça, há tempos Cunha discute o assunto com seus
advogados. Recentemente, adicionou o defensor Marlus Arns, responsável por uma
série de acordos na Operação Lava Jato, ao seu grupo de defensores. Metódico,
Cunha, nos últimos meses, passou a fazer um inventário de tudo o que ouviu e
acumulou.
EFEITO ORLOFF
Por tudo o que pode vir a revelar, o novo homem-bomba da
República produz um cenário considerado inimaginável para as circunstâncias
políticas recentes. É capaz de unir por conveniência próceres de PT e PMDB –
solidários na dor profunda que Cunha poderá impingir a ambas as siglas. Caso se
mantenha firme no propósito de implodir o status quo político para livrar
mulher e filhos da cadeia, o peemedebista poderá narrar com detalhes o quanto
Lula e Dilma Rousseff sabiam e se beneficiaram dos desvios da Petrobras e quais
negociatas patrocinaram, direta e indiretamente. Pelo menos, um petardo no
atual governo é certo. Cunha já acusou o secretário do Programa de Parcerias de
Investimento do atual governo, Moreira Franco, de estar por trás de
irregularidades na operação para financiar as obras do Porto Maravilha, no Rio
de Janeiro. Neste caso, o próprio ex-presidente da Câmara é acusado de receber
R$ 52 milhões em propina. Se Cunha tiver disposto a fornecer novos detalhes das
tramóias feitas durante as liberações de crédito pela Caixa, os investigadores
acreditam que podem chegar a mais um ministro: Geddel Vieira Lima (PMDB-BA).
Nas últimas semanas, ao mesmo tempo em que pedia ajuda,
Cunha fazia questão de avisar ao governo e a antigos aliados que já estava
preparado para as conseqüências da prisão. Durante um dos discursos de defesa
do seu mandato na Câmara, ameaçou. “Hoje sou eu. É o efeito Orloff. Vocês,
amanhã”, afirmou. Um recado digno de causar arrepio a deputados que ajudou a
eleger. Um dos inquéritos abertos contra Cunha e que envolve aliados seus dá a
medida do alcance de sua teia. Os atuais deputados André Moura (PSC-SE), líder
do governo na Câmara, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Altineu Côrtes (PMDB-RJ) e
Manoel Junior (PMDB-PB) se tornaram investigados sob suspeita de, comandados
por Cunha, terem atuado na Câmara para achacar a empresa Schahin, por conta de
uma disputa comercial que ela mantinha com o corretor de valores Lúcio Bolonha
Funaro, amigo do ex-presidente da Câmara que atualmente se encontra preso por
determinação do Supremo Tribunal Federal. Um dos fundamentos de sua prisão é
que ele agia “subrepticiamente” por meio de terceiros para cometer crimes,
dentre eles parlamentares aliados.
A relação que Cunha mantinha com Funaro abre outro flanco
contra Geddel. Mensagens apreendidas pela Polícia Federal mostraram Funaro
afirmando que Geddel tem “boca de jacaré para receber” e que tentava prejudicar
negócios dos quais não participava, na época em que o ministro era
vice-presidente da Caixa Econômica Federal. O material está nas mãos da
Procuradoria-Geral da República. Cunha mantinha influência na Caixa por meio de
seu apadrinhado Fábio Cleto, que também ocupava uma vice-presidência do banco
público e revelou, em delação premiada, achacar empresas a pedido de Cunha em
troca de propina.
O mundo empresarial também reúne motivos de sobra para se
preocupar com uma eventual delação. O ex-deputado agia como verdadeiro lobista
de grandes empresas na Câmara. Um dos grupos beneficiados pelo ex-parlamentar
foi o das operadoras de planos de saúde. Elas seriam diretamente beneficiadas
por uma articulação que perdoaria R$ 2 bilhões em multas do setor. Por meio de
uma emenda “jabuti” à Medida Provisória 627, que tratava da tributação de
empresas no exterior, o então líder do PMDB tentou agradar planos de saúde que
financiaram sua campanha e a de aliados. Com sua influência, Cunha conseguiu
costurar a aprovação do perdão às dívidas na Câmara e no Senado. O texto só não
vigorou porque recebeu o veto da presidente Dilma Rousseff.
Outra beneficiada por uma emenda de Cunha foi o Grupo Libra.
Detentor de uma dívida milionária com o governo federal, o conglomerado de
logística obteve autorização para administrar uma área do Porto de Santos (SP).
A brecha na lei criada por uma decisão do ex-presidente permitia a empresas em
dívida com a União renovarem contratos de concessão de terminais portuários,
beneficiando a empresa que doou para o PMDB em 2014.
Durante a tramitação do Marco Civil da Internet na Câmara,
Cunha foi um dos principais opositores a pontos da matéria que contrariavam
interesses do setor de telecomunicações. Uma das empresas da área, a Telemont,
fez doação de R$ 900 mil ao peemedebista. O Ministério Público Federal revelou
também a existência de pagamentos feitos por empresas da família Constantino,
dona da Gol Linhas Aéreas e de companhias de ônibus, para a C3 Atividades de
Internet, empresa de Cunha e sua mulher. Houve ainda repasses de uma agência de
publicidade para a C3 e para a GDAV, empresa em nome dos filhos de Cunha. A
agência informou aos procuradores que realizou as transferências a pedido da
Gol. O total das transferências ultrapassa R$ 3 milhões. “Não há indício de que
as empresas Jesus.com (da C3) e GDAV tenham prestado algum serviço efetivo de
publicidade compatível com os valores depositados. Ao analisar possíveis
favorecimentos de Eduardo Cunha para empresas de ônibus, consta que em
30/3/2015, o ex-deputado federal, na qualidade de presidente da Câmara dos
Deputados, criou uma comissão especial para analisar a isenção de CIDE para as
empresas de transporte coletivo urbano municipal e transporte coletivo urbano
“alternativo”, escreveram os procuradores da força-tarefa no pedido de prisão.
O que pesa contra o ex-presidente da câmara
Propina na Suíça
Foi denunciado pelo recebimento de R$ 5 milhões em contas
secretas na Suíça, que pagaram despesas no exterior
Navios-sonda
O MPF o acusa de receber propina em um contrato de
navios-sonda da Petrobras
FGTS
Cunha é acusado de receber de empresas interessadas na
liberação de recursos do FI-FGTS, da Caixa
Schahin
Inquérito apura se Cunha e aliados usaram mandatos para
pressionar a Schahin a pagar uma dívida com Lúcio Funaro, aliado do
peemedebista
Banco
Inquérito apura se Cunha aprovou MPs para beneficiar o banco
BTG Pactual, de André Esteves, em troca de propina
Crimes em série
Cunha sabia, desde que teve o mandato cassado em setembro,
que a qualquer momento o juiz Sergio Moro expediria sua prisão preventiva.
Quando os agentes da Polícia Federal chegaram ao apartamento funcional ocupado
irregularmente por Cunha em Brasília na quarta-feira 19, o ex-presidente da
Câmara já estava com as malas prontas para o período indeterminado atrás das
grades em Curitiba. Motivos não faltavam. O peemedebista acumula acusações de
envolvimento no Petrolão e em outros desvios. Responde a três ações penais, sob
acusação de receber propinas da Petrobras e do fundo de investimentos do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Sofre ainda outras investigações, como
a que apura se ele usou o mandato parlamentar para achacar e favorecer grupos
empresariais.
A extensa ficha corrida de Cunha lhe valeu a classificação
de “criminoso em série” no despacho de Moro. O ex-presidente da Câmara solto,
para o magistrado, ofereceria perigo aos trabalhos da Operação Lava Jato com
ameaças a testemunhas. Poderia se valer ainda de dupla cidadania italiana e de
contas no exterior desconhecidas pelas autoridades para escapar. Seu patrimônio
ilegal seria até 53 vezes maior do que o informado à Receita Federal.
Apesar de já ter precificado o próprio infortúnio, ao
desembarcar do jato da Polícia Federal no Paraná, Cunha visivelmente abatido
nem de longe lembrava o impávido colosso de tempos atrás. Em fevereiro de 2015,
ele foi eleito presidente da Câmara ainda no primeiro turno. Sagrou-se o número
1 da Casa com uma vitória acachapante contra o petista Arlindo Chinaglia,
patrocinado pelo governo Dilma. Nos bastidores, cálculos mostravam que até 200
dos 513 parlamentares integravam sua tropa de choque. Com esta força, ele se
firmava como um dos homens mais poderosos da política brasileira. Montava a
pauta do Legislativo como queria, colocava aliados nas comissões chave e
aplicava derrotas constantes à gestão petista. Deu o tiro certeiro para a
cassação de Dilma Rousseff ao aceitar o processo de impeachment. Mas seu
prestigio ficou abalado quando foram reveladas as contas secretas na Suíça.
Perdeu apoio dos aliados para comandar a Casa e passou a ser chamado de
gangster no plenário. Agora, preso, um gangster de altíssima periculosidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário