Artigo de Fernando Gabeira
Renan Calheiros, no passado, perdia cabelos mas não perdia a
cabeça. Agora, ele ganhou cabelos mas perde a cabeça, com frequência.
Recentemente, disse que o Senado parecia um hospício e afirmou que ajudou a
senadora Gleisi Hoffman no seu embate com a Lava-Jato. Hoje, sabemos que
ordenou varreduras em vários pontos estratégicos ligados aos senadores
investigados pela roubalheira na Petrobras.
E Renan perdeu a cabeça de novo, chamando um juiz federal de
juizeco e o ministro da Justiça de chefete de polícia. Sua polícia legislativa
funciona como uma espécie de jagunços de terno escuro e gravata, a serviço de
alguns coronéis instalados no Senado. Quando combatemos Renan e o obrigamos a
deixar o cargo de presidente, os jagunços já estavam lá. Como o Brasil vivia
num estado meio letárgico, tivemos de enfrentar a braço os jagunços de Renan
para garantir a transparência de uma reunião sobre seu destino.
O sono brasileiro não é mais tão profundo como na época.
Ainda assim, Renan sequer foi julgado pelos crimes de que era acusado na época.
São as doçuras do foro privilegiado. Agora, ele quer que o foro privilegiado,
que já era uma excrescência para deputados e senadores, estenda-se também aos
seus jagunços. E que o espaço do Senado seja um santuário para qualquer
quadrilha que tenha, pelo menos, um parlamentar como membro.
Talvez Renan esteja desesperado. Mas essa hipótese ainda
precisa ser confirmada. Há sempre alguém que se acha o verdadeiro guardião das
leis e se dispõe a defender Renan e o Senado, independentemente desse contexto
bárbaro que presenciamos há anos. O próprio Gilmar Mendes, cujas posições são
respeitáveis, saiu em defesa de Renan, sugerindo que a polícia não deveria
entrar ali. Mas o que fazer quando a própria polícia do Senado comete uma
delinquência? A resposta das pessoas que não foram atingidas pela Lava-Jato,
mas se incomodam com o sucesso da operação, é sempre esta: falem com o Supremo.
No caso do Renan, sob investigação em 12 processos diferentes, e sempre na
presidência do Senado, o que significa falar com o Supremo?
Estamos falando com o Supremo há anos. Ele manda grampear
senadores adversários, como fez com Marconi Perillo, orienta a agressividade e
a truculência de seus jagunços contra deputados. Até hoje, para ele, o Supremo
é apenas o cemitério de seus processos.
Renan, Gilmar Mendes e todos os defensores desse absurdo não
conseguem me convencer que é preciso pedir licença ao Supremo para punir
jagunços que usam equipamentos do Estado, diárias pagas pelo governo, para
fazer varreduras na campanha de Lobão Filho, no Maranhão. Varreduras inclusive
sob supervisão do genro de Lobão Filho, um homem chamado Marcos Regadas Filho,
acusado de sequestro e mencionado no assassinato do blogueiro Décio Sá.
A diversão desse personagem para qual os jagunços
trabalharam é usar o helicóptero para dar voos rasantes no Rio Preguiça em
Barreirinhas, aterrorizando banhistas e pescadores.
— Foge, meu preto, que isso é vendaval — ouvia-se o grito
dos pescadores
O halo protetor do Supremo não se limita aos bandidos do
Congresso, mas aos seus jagunços e cúmplices regionais. A Lava-Jato não é
infalível. Está sujeita a críticas como todas as atividades de governo. Não se
deve usar o êxito da Lava-Jato com intenções corporativas, inclusive num
momento de crise econômica como a nossa. Até aí, tudo bem. Mas negar à PF o
direito de entrar no Senado quando o crime está sendo cometido pela própria
polícia parlamentar, isso me parece um absurdo. O foro privilegiado tem sido
uma espécie de escudo para os bandidos eleitos. Se o espaço onde atuam torna-se
também um santuário para todos os que trabalham lá, teremos não só a impunidade
de indivíduos mas a liberação de espaços especiais para o crime.
Nas campanhas que fiz contra Renan, desenhamos um cartaz
dizendo: “se entrega, Corisco”. Isso foi há muito tempo. Seus crimes não foram
punidos na época. Ainda me lembro das imagens das boiadas se deslocando no
sertão para fingir Renan que era um grande criador. Os crimes não apenas
deixaram de ser punidos. Aumentaram exponencialmente ao longo dos anos,
ancorando-se inclusive na pilhagem da Petrobras.
Eduardo Cunha foi preso. Não tinha mais mandato. Se Renan
continuar solto, é apenas porque tem um. É justo cometer crimes em série, sob o
escudo de um mandato parlamentar? Renan está nervoso porque percebe o
crepúsculo de um sistema de impunidade tecido pela audácia dos coronéis e a
inoperância do Supremo. A evolução do país o levou a perder a cabeça, algo raro
no passado. Espero que não chegue a arrancar os cabelos e ouça o meu conselho
de anos atrás: se entrega, Corisco.
Artigo publicado em 30/10/2016 no Segundo Caderno do Globo
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