“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se
publique. Todo o resto é publicidade.” A frase de George Orwell parece não
envelhecer nunca e deveria se tornar um mantra para os jornalistas culturais
brasileiros. A escravidão da agenda cultural tomou conta de todos os grandes
veículos de imprensa. Basta fazer uma ronda para se constatar não só matérias
culturais muito semelhantes, como quase todas pautadas por algum press-release
recebido das centenas de assessorias de imprensa existentes.
Tome-se como exemplo um jornal, uma revista e um grande
portal visitados no mesmo dia. Na Folha, por exemplo, o destaque é um filme da
40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, seguido por uma resenha sobre
uma peça inspirada em Tchékhov, duas críticas de outros filmes da Mostra, a
coluna social e algumas notas de agenda. Nenhuma reportagem. Na Veja, três páginas
para a nova temporada de Black Mirror, uma crítica para Nada Será como Antes
(TV Globo), uma crítica para o novo filme de Ben Affleck e outro hollywoodiano
de menor peso e a biografia de Rogéria. Nenhuma reportagem. No G1, os destaques
eram os ingressos à venda do Rock in Rio, o novo membro da Academia Brasileira
de Letras, a nova séria da Disney e o novo show do The Kooks. Nenhuma
reportagem.
Lembro-me do colega Fabio Cypriano me dizer como foi
criticado pela curadoria da 28ª Bienal de São Paulo por ter focado sua
cobertura nos bastidores do evento, que à época eram mais notícia do que as
obras. “O trabalho da Folha não foi por desmerecer o trabalho da curadoria, mas
para exercer jornalismo. Se funcionários e artista não são pagos, isso é um
fato jornalístico. A Fundação Bienal de São Paulo é uma instituição pública e
muitos dos escândalos que envolveram são só conhecidos porque o jornalismo foi
de fato exercido”, disse-me Cypriano.
A tecnologia atual oferece uma facilidade imensa de acesso a
obras de arte do mundo inteiro, trechos de filmes do outro lado do planeta,
histórico teatral do dramaturgo em cartaz ou todas as músicas do cantor que
agora lança o novo disco. No entanto, uma parte dos novos jornalistas culturais
acha que isso é o suficiente para exercer jornalismo cultural, acomodando-se
dentro da redação, debaixo do ar condicionado, à mercê das centenas de
sugestões de pautas recebidas por e-mail.
Coberturas fora da agenda das assessorias
Que fundamental seria lermos semanalmente assuntos que
“alguém não quer que se publique”. Uma reportagem de fôlego sobre a produção de
filmes e séries brasileiras para o Netflix e seu necessário processo de
regulamentação, como ocorreu com a TV paga. Uma reportagem sobre a situação das
casas de teatro fora das capitais e seus meios de subsistência. Uma reportagem
sobre os novos artistas plásticos brasileiros e as estratégias dos marchands
para internacionalizá-los. Uma reportagem sobre a necessidade de agenda cheia
de shows após o fim da era dos CD’s. Uma reportagem sobre quanto se paga para
seu livro ter o espaço nobre de uma livraria de shopping center. Enfim, apenas
alguns exemplos de assuntos que fogem da agenda, que certamente incomodariam
alguns agentes culturais ou assessorias, mas que, certamente, seriam um serviço
jornalístico de maior qualidade para o leitor, sem falar na reflexão cultural
que os mesmos proporcionam.
O problema é que reportagem custa caro. Exige carro, viagens
(que não sejam jabás), tempo de execução etc. E com a crise financeira do
jornalismo tradicional e a pressa de leitura do jornalismo online, fica mais
cômodo ficar na agenda cultural recebida no conforto do e-mail. Pois ele também
é serviço, e pode ser feito dignamente, mas que não seja a totalidade do
jornalismo cultural disponível.
É preciso, portanto, termos leitores culturais mais
exigentes. Por que os leitores esperam uma investigação jornalística de peso
sobre o novo alvo da Lava Jato, ou detalhes aprofundados sobre o novo pacote de
estímulos econômicos e se contenta com tão pouco quando o assunto é jornalismo
cultural? Não percebem que estão consumindo jornalismo político, jornalismo
econômico, mas, em vez de jornalismo cultural, consomem publicidade em forma de
jornalismo de serviço?
Subir o nível das reflexões culturais nas páginas de jornais
e revistas, bem como nos grandes portais, é tirar a cultura do mero utensílio
de consumo para um agente intelectual transformador do dia a dia, elevando
também, pouco a pouco, nossas exigências de consumo de arte e entretenimento. É
preciso publicar o que não querem que publiquemos.
Franthiesco Ballerini é jornalista, autor dos livros ‘Diário
de Bollywood’, ‘Cinema Brasileiro no Século 21’ e ‘Jornalismo Cultural no
Século 21’.
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