Chico Alencar, Blog do Noblat
Operação Calicute: o nome da ação judicial-policial que
levou o ex-governador Sérgio Cabral à cadeia estimulou o velho professor de
História aqui. Lembrei da expansão marítima europeia nos séculos XV e XVI, que
deu origem à sociedade de nativos surpresos e desterrados amedrontados – quase
todos acorrentados - que hoje chamamos de Brasil.
As expedições ibéricas eram, quase sempre, empreendimentos
público-privados, parceria dos estados absolutistas de então com os grandes
mercadores. O ideal cruzadista, “dilatando a fé e o Império” (Camões), trazia a
inspiração religiosa para as duas epopeias. Essa época de acumulação primitiva
do capital era de ousadia, violência e brutalidade. De “heróis” violentos e
milhares de vítimas. Tudo em nome de Deus... e da riqueza.
A conquista do poder político no Brasil republicano do
século XXI não difere muito das expedições exploradoras - e não apenas por ter
um Cabral no meio. É que, na democracia formal de eleições bienais e banais que
temos, o esquema se assemelha: para a vitória, parceria público-privada; para
convencer a “plebe ignara”, a imposição da fé (hoje pela espada sutil da
demagogia, dos “chequinhos” e do populismo); para a glória dos conquistadores e
a perpetuação no trono, o enriquecimento ilícito, o saque, o butim. Humilhados,
espoliados e ofendidos continuam sendo “os de baixo”, os pobres, a massa de
manobra e mão de obra. Nosso povo afrotupi, eurojudárabe. Brava e enganada
gente brasileira!
Compreensível que a sede de vingança provoque regozijo e
troça com os ex-todo-poderosos em situação vexatória e indesejável: ao invés da
coluna social, a ficha como presidiário. Excessos de um momento agudo, em que
caem “reis” de ouro, de espada, de copas superfaturadas, todos caras de pau.
Outros, de alta plumagem, ainda virão. A tripulação da esquadra dos corruptos é
grande.
Cabral Filho, com todo respeito pela dor de seus pais e
filhos, simboliza o paradoxo do Rio de Janeiro. Chegou uma expedição que só
deixou ruína e falência, exceto para os que estavam na cabine de comando.
Alguns ainda estão, tentando impor saídas para o naufrágio. Deviam renunciar,
envergonhados.
O Cabral de 1500 aportou na Bahia. Levou índios ao convés da
Nau Capitânia para “ponderar” sobre a existência de ouro na terra nova. Lá ele
também tem seus continuadores. O caso patético mais recente está sendo
protagonizado por Geddel Vieira Lima, homem forte do governo Temer, que usa o
cargo de Ministro da Secretaria de Governo para liberar a construção de andares
interditados pelo Patrimônio Histórico. Com o que diz serem “ponderações” -
tráfico de influência, indução à corrupção, abuso de poder, Geddel revela bem a “cultura” do PMDB. Ainda
bem que Marcelo Calero desceu para o escaler da vida comum e abandonou esse
barco de réus, investigados, fisiológicos e privatistas. O porto nada seguro
das “caras velhas” insensatas deve ser a cadeia.
Chico Alencar, é professor de História (UFRJ), escritor e
deputado federal (PSOL/RJ).
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