Artigo de Fernando Gabeira
A realidade e os românticos de Cuba 'libre'
A revolução cubana, Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e
Sierra Maestra sempre incendiaram o romantismo revolucionário no Brasil. O auge
dessa paixão foi a tentativa de reproduzir a experiência cubana aqui. Ela nos
chegou no livro de Regis Debray “Revolução na revolução’’. A experiência foi um
fracasso, mas não se pode atribui-lo apenas às teses de Debray.
Muitos grupos revolucionários brasileiros passaram por Cuba,
tentando aprender in loco os segredos daquele êxito. O romantismo
revolucionário continuou sendo a lente preferencial para o enfoque da
experiência cubana. O próprio Sartre olhou por essa lente em “Furacão sobre
Cuba’’.
Os intelectuais europeus já tinham vivido experiência
semelhante ao mitificar Stalin e demorar a reconhecer seus crimes. Talvez por
isso, o romantismo revolucionário lá tenha sido mais brando. No Brasil, nos
privou de ver em detalhes o que se passava em Cuba. “Antes que anoiteça’’, do
poeta Reinaldo Arenas, nos deu uma ideia de como uma geração de intelectuais
foi destruída pela repressão.
O papel histórico de Fidel era mais amplo do que o
julgamento de intelectuais. A Revolução Cubana equacionou os problemas de saúde
e educação de uma forma que impressionava os visitantes. Além disso, com sua
resiliência à pressão americana, sobrevivente de centenas de tentativas de
assassinato, vitorioso ao repelir a invasão da Baía dos Porcos, Fidel tornou-se
um ator planetário ao trazer a Guerra Fria para poucas milhas dos Estados
Unidos.
E disso me lembro também: a Crise dos Mísseis de 1962. Ali
estava em jogo a História da Humanidade, uma possível terceira guerra mundial.
A crise num pequeno país do Caribe poderia mandar para o espaço todo o planeta
— momento em que o mundo esteva fixado em Cuba. Rússia e os EUA resolveram, mas
a ilha foi o cenário de um quase apocalipse.
Fidel era um excelente orador. Falava horas e ouvi alguns
dos seus discursos. No fundo da plateia, as pessoas dançavam e cantavam. Ele
apresentava a conjuntura internacional, descrevia o estado do país, definia as
tarefas prioritárias, combatia os Estados Unidos, fazia uma digressão
histórica, enfim, dizia o que realizar e como resistir.
Tantas mortes, tanto exílio, tanta tortura, os fuzilamentos
inaugurais da revolução, tudo isso valeu a pena? Olhando para o lado, para a
Costa Rica, os românticos teriam um tema para refletir.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 27/11/2016
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