Tânia Fusco, Blog do Noblat
Desde que o Brasil é Brasil, nas periferias mais pobres e
nas comunidades que, no século passado, eram chamadas de favelas, a polícia
entra com o pé na porta, sem mandado. Prende primeiro e, na de porrada, prova
(?) depois. Ou mata primeiro e pergunta depois.
Essa violência – sabida, fotografada, filmada e descrita –
tem apoio, se não explícito, mas no silêncio, de grande parte população. A
turma do “bandido bom é bandido morto” acha que, por lá, a polícia faz o que
deve ser feito. Se não era bandido, convivia com a bandidagem. Crime
inafiançável, sujeito a pena de morte, no entender desses.
Nos dias de hoje, o pé na porta chegou ao andar de cima da
hierarquia social. Não vem fardado de PM, mas com os emblemáticos coletes
pretos à prova de balas da PF. Não mete o pé (ainda). Nem chega na tal calada
da noite habitual da PM. Vem cedinho, toca a campainha e, se não prontamente
atendida, pula portão, entra pela janela. Porta mandados judiciais, leva sem
porrada, mas não dispensa o estardalhaço.
Chega chegando e com muitos - policiais, viaturas e imprensa.
Com japonês de tornozeleira (por estripulias anteriores) ou
hyspiter, o pé na porta, mais suave, da PF tem aprovação nada silenciosa e, se
não majoritária, quase. Afinal, pega, leva e prende gente de uma das nobrezas
brasileiras – news e olds lordes da classe política, hoje posta na categoria de
demônio nacional.
Para eles, como para os vizinhos da bandidagem, vale o vale
tudo em favor da purificação do Brasil. E tá lascado quem ousa dizer: não é bem
assim, não pode ser assim. Lei tem que ser respeitada até para casos dos que
concentram o ódio do momento. O tal, da vez, que encarna o criminoso chefe de
feitos de alguma outra vez.
Tema esse “peraí”. Veja bem como fala, onde fala, com quem
fala porque pode render execração pública. Denota rabo preso, petezice aguda,
indignidade de quem ta defendendo o seu, foi - e é - conivente com toda essa
lambança. Seguro, deve ser um desses parceiros dos corruptos desgraçados, que
mais dia, menos dia terá – bem feito! e se Deus quiser! – a PF na sua porta, o
xadrez como paisagem. De preferência, sem nem precisar de mandado e em cadeia
nacional. É pé na porta mesmo!
Como tenho menos de 100 anos, é a primeira fez que sinto,
vejo, ouço e leio o ódio nacional assim ululante e pululante, em turbas reais e
virtuais, de punhos fechados, dentes cerrados, olhos injetados, bocas cuspindo
fogo, a pedir e permitir tudo – e sem qualquer limite, particularmente os
legais - contra os seus odiados.
Debaixo da minha insignificância e munida da minha assim não
tão vasta leitura, temo o destemor desse ódio. “Médo” com os climas de Roma
incendiada, de fogueiras para queimar bruxas, da guilhotinagem ampla, geral e
irrestrita do período de terror da Revolução Francesa, de Hitler a caçar e
assar judeus, ciganos e gays, de Stalin a prender e matar contrários –
verdadeiros ou supostos. Sem tribunais. Ou com tribunais servis e obedientes.
Todos com apoio, aplausos - e até delírios – populares e a
conivência do que hoje seria denominado meios de comunicação que, panfletários,
ajudavam a incendiar as massas.
Com poucos onde ainda é possível, sem suspeição ou ameaça de
linchamento, manifestar absoluta perplexidade com, por exemplo, chantagens
explícitas de um Poder sobre o outro – até com forças-tarefas especialmente
nomeadas para a pressão –, além do tradicional a que ponto chegamos, ousamos
ainda indagar:como e onde geramos essa sociedade espetaculosa e odienta no vice
e no versa?
Qual das nossas nobrezas, saberá puxar a turba para vencer o
embate e exercer o comando? (Desde Cabral, uma das nossas nobrezas costuma
comer e outra e por aqui ficar até virar rango de novo). Onde isso – de agora -
vai parar?
PS 1:Como não se solidarizar com as famílias dos quatro PMs
mortos na queda do helicóptero, durante ataque à Cidade de Deus, no Rio? Por
que não se solidarizar também com as famílias dos (mais) sete jovens daquela
comunidade executados, no mesmo evento?
PS 2: Aos parceiros na perplexidade e no medo com o volume e
a qualidade dos acontecimentos deste 2016, recomendo a leitura dos editoriais
de ontem, segunda, 21 de novembro, de O Globo e do Valor – “Supersalários” e
“Momento exige humildade e serenidade dos Poderes”. Quem sabe nem tudo está
assim tão perdido. Quem sabe cai a ficha.
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