Do UOL
O ex-presidente de Cuba Fidel Castro morreu aos 90 anos de idade, informou neste sábado (26) seu irmão, o atual mandatário do país, Raúl Castro, em um discurso transmitido pela televisão estatal.
O ex-presidente de Cuba Fidel Castro morreu aos 90 anos de idade, informou neste sábado (26) seu irmão, o atual mandatário do país, Raúl Castro, em um discurso transmitido pela televisão estatal.
O líder histórico da Revolução Cubana faleceu na noite de
sexta-feira (25), às 22h29 (hora local), e seu corpo será cremado
"atendendo sua vontade expressa", explicou Raúl Castro, visivelmente
emocionado.
O presidente cubano afirmou que, nas próximas horas, será
anunciado como acontecerá o funeral de Fidel Castro, que foi visto pela última
vez no último dia 15, quando recebeu em sua residência o presidente do Vietnã,
Tran Dai Quang.
90 anos de trajetória
Ao longo de seus 90 anos, Fidel Castro se transformou em
indiscutível e controverso protagonista do último século. Em 2011, o líder da
Revolução Cubana admitiu que nunca pensou que viveria "tantos anos" e
em abril deste ano pareceu se despedir: "Em breve serei como todos os
outros. A vez chega para todos".
Fidel tinha 32 anos quando entrou triunfante em Havana. Era
1959, usava barba e uniforme e vinha da derrota de um exército de 80.000 homens
contra uma guerrilha que em seu pior momento contou com 12 homens e sete fuzis.
Sem passado militar, Fidel Castro expulsou do poder o general e ditador
Fulgêncio Batista, na luta que começou com o fracasso da tomada do quartel
Moncada, em 1953.
Fidel aplicou uma "doutrina militar própria" e
conseguiu "transformar uma guerrilha em um poder paralelo, formado por
guerrilheiros, organizações clandestinas e populares", disse Alí
Rodríguez, ex-guerrilheiro e atual embaixador venezuelano em Cuba.
O líder cubano derrotou conspirações apoiadas pelos EUA e
enviou 386.000 concidadãos para lutar em Angola, Etiópia, Congo, Argélia e
Síria. Ao longo de 40 anos (1958-2000) escapou de 634 tentativas de
assassinato, escreveu Fabián Escalante, ex-chefe de inteligência cubano,
segundo o veículo de informação alternativa Cubadebate.
Ao jornalista Ignacio Ramonet, Fidel confessou que quase
sempre carregava uma pistola Browning de 15 tiros. "Oxalá todos
morrêssemos de morte natural, não queremos que se adiante nem um segundo a hora
da morte", declarou em 1991.
'Efeito Fidel'
"Fiquei tão impressionada! Não pude fazer mais que
olhar no rosto dele e dizer: te amo". Mercedes González, uma cubana de 59
anos, só viu de perto por duas vezes o líder cubano, mas não resistiu ao
"efeito" Fidel.
Seja pelo aspecto rude de guerrilheiro ou seus discursos
quilométricos - a maioria espontâneos porque ele gostava do "nascimento
das ideias", segundo Salomón Susi, autor do Dicionário de Pensamentos de
Fidel Castro -, Fidel fascinava também as massas, as mulheres, os políticos e
os artistas.
"Ele projeta uma imagem pública muito atraente",
um dom que também "faz parte de sua lenda", diz Susi. Já longe do
poder, Fidel publicou reflexões sobre diversos temas. Apesar disso, o grande
sedutor mantém a portas fechadas sua vida privada (dois casamentos e sete
filhos com três mulheres é a única coisa que se conhece).
"A vida privada, na minha opinião, não deve ser
instrumento da publicidade, nem da política", sentenciou em 1992.
Amado e odiado
"É o homem dos 'E's: ególatra, egoísta e
egocêntrico". Assim Fidel Castro é definido pela dissidente Martha Beatriz
Roque, 71. Quem se opôs, acrescenta, enfrentou uma tripla resposta: "a
prisão, os espancamentos e os protestos de repúdio".
Fidel desafiou dez presidentes dos Estados Unidos antes que
seu irmão Raúl, que o sucedeu no poder, decidisse restabelecer relações
diplomáticas com seu adversário da Guerra Fria no fim de 2014, o que Fidel
nunca se opôs que acontecesse.
Fidel Castro governou com mão de ferro, e durante anos (1990
e 2002) a ilha foi condenada internacionalmente pela situação de direitos
humanos a pedido da desaparecida Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Em 1959, o governo de fidel condenou a 20 anos de prisão o
comandante de Sierra Maestra, Huber Matos, por insurreição. Na "primavera
negra" de 2003 mandou prender 75 dissidentes, incluindo Martha Beatriz
Roque, e nesse mesmo ano foram fuzilados três cubanos que roubaram uma lancha
para fugir dos Estados Unidos.
Fidel sempre negou os pedidos internacionais para uma
abertura política e considerou os opositores "mercenários". "Eu
vou lembrar dele como um ditador", diz Roque.
Homem que virou mito
Enquanto proclamava o triunfo da revolução em 1959, várias
pombas voaram a seu redor e uma delas pousou docemente em seu ombro. As pessoas
entenderam como um sinal sobrenatural. O mito marcou a vida de Fidel.
Em um país onde o cristianismo se mistura aos cultos
africanos, os cubanos atribuíram a Fidel a proteção do orixá Obatalá, o deus
pai, o mais poderoso. Viam-no como um homem inabalável, que tinha solução para
tudo, era considerado quase imortal até adoecer em 2006.
A figura paternal do "comandante", tão respeitada
como temida, é onipresente. Era visto tanto no meio de um furacão, quanto
ensinando a preparar uma pizza. Se acreditou até que se protegia com um colete
à prova de balas. "Tenho um colete moral, é forte. Esse tem me protegido
sempre", disse aos jornalistas enquanto mostrava o peito durante uma
viagem aos Estados Unidos em 1979.
Fidel dizia não apreciar o culto à personalidade. Não há
estátuas, mas sua imagem se multiplica na ilha.
Líder contagiante
Em 2001 Fidel Castro prometeu que traria de volta seus cinco
agentes presos pelos Estados Unidos três anos antes. "Quando Fidel disse
'voltarão', disse ao povo cubano: vocês os trarão", disse René González,
um dos cinco cubanos libertados por Washington entre 2011 e 2014. González
ilustra assim o poder do ex-mandatário de contagiar com suas ideias, por mais
incríveis que parecessem.
Mas nem sempre o Quixote caribenho venceu. Após um esforço
titânico, não conseguiu, como tinha proposto, produzir 10 milhões de toneladas
de açúcar em 1970. Mas conseguiu que Cuba derrotasse o analfabetismo em apenas
um ano (1961).
Também se propôs a fazer de Cuba uma "potência
médica", quando tinha somente 3.000 médicos no país. Hoje tem cerca de
88.000 especialistas, um para cada 640 habitantes.
Na ilha, proliferaram os "planos Fidel",
experimentos sem sucesso para criar búfalos, gansos ou transformar Cuba em
produtora de queijos de qualidade, quando ainda tinha um déficit de vacas.
Também não conseguiu que os Estados Unidos devolvessem o
território de Guantánamo, cedido há um século, mas conseguiu trazer de volta o
menino Elián González, levado clandestinamente em uma embarcação por sua mãe,
que morreu na tentativa de chegar a Miami e cuja custódia provocou uma queda de
braço entre Havana e Washington.
Dez anos longe do poder
Em julho, Fidel Castro completou 10 anos afastado do poder.
No dia 31 de julho de 2006, a emissora oficial cubana de televisão anunciou que
o líder da Revolução delegava provisoriamente a chefia de Estado a seu irmão,
Raúl Castro, após ter passado por uma complicada cirurgia.
Após dois anos de rumores e especulações nos quais a saúde
de Fidel foi um segredo de governo, Raúl foi nomeado formalmente presidente do
Conselho de Estado em fevereiro de 2008. Um mês depois de ter chegado ao poder,
iniciou as primeiras reformas econômicas.
Foi uma substituição suave e sem traumas que terminou de se
consolidar em 2011, com a escolha do menor dos Castro como primeiro-secretário
do Partido Comunista. Ao longo dessa década, Cuba deu um giro substancial: sem
perder seus ideais revolucionários e estrutura comunista, o país embarcou em
uma série de reformas econômicas ambiciosas e se reconciliou com seu histórico
inimigo, os Estados Unidos.
Raúl, o artífice da "atualização socialista",
empreendeu uma série de ambiciosas reformas - lentas demais, para muitos -,
como abertura de setores à iniciativa privada, maiores facilidades ao
investimento estrangeiro e o fim de restrições que afetaram os cubanos por
décadas, como as viagens ao exterior ou a compra e venda de carros e casas.
Na Cuba de hoje, cerca de 500 mil pessoas são
"cuentapropistas", uma nova classe de empreendedores,
microempresários e trabalhadores autônomos que mudaram o panorama econômico do
país com milhares de pequenos negócios, como restaurantes, cafeterias, hotéis,
ginásios e salões de beleza.
A vida do cubano no período experimentou uma importante
mudança com a reforma migratória de 2013, que permitiu que milhares de
moradores da ilha saíssem do país e, em muitos casos, reconstruíssem famílias
até então fragmentadas durante anos pelo exílio.
A possibilidade de adquirir um carro, uma casa, entrar em
hotéis que antes só admitiam estrangeiros ou conectar-se à internet - ainda
proibido nas casas - também aliviou parte da pressão no dia a dia.
Contudo, devido aos baixos salários e às dificuldades vividas
por muitas famílias, as reformas não frearam o êxodo de cubanos, especialmente
em direção aos EUA, motivados pelos benefícios migratórios, como ficou em
evidência com a crise provocada no ano passado pelos emigrantes cubanos que
lotaram a América Central.
Sem deixar sua fidelidade às causas do mundo em
desenvolvimento, à esquerda e aos parceiros "bolivarianos", Raúl
Castro construiu uma política externa mais pragmática e aberta que o aproximou,
entre outros, da União Europeia, bloco com o qual Cuba assinou no ano passado o
primeiro acordo de diálogo político e cooperação.
No entanto, não há dúvida que a mudança mais radical na Cuba
"raulista" foi o descongelamento das relações diplomáticas com os EUA
depois de mais de cinco décadas de tensões e atritos.
No dia 17 de dezembro de 2014, os presidentes Raúl Castro e
Barack Obama anunciaram que Cuba e EUA restabeleceriam as relações, um giro
diplomático que surpreendeu tanto a comunidade internacional como os próprios
cubanos, que receberam a notícia com otimismo e alegria, apesar de um pouco de
cautela.
Desde a data fatídica, o povo cubano, que espera com
ansiedade o fim do embargo que asfixia a econômica do país, viveu eventos
impensáveis quando Fidel deixou o poder: a reabertura da embaixada americana em
Havana e uma visita de um presidente do país inimigo à ilha em março, algo que
não ocorria há 88 anos.
Atraídos por essa imagem de "ilha proibida",
milhares de americanos visitaram Cuba, que em 2015 bateu o recorde de 3,5
milhões de turistas, um "boom" que está fortalecendo a economia com
receitas vitais em moeda estrangeira, mas que também evidência a frágil
infraestrutura do país.
Também chegaram a Cuba empresários e investidores de todo o
mundo para explorar opções de negócios e se adiantar em relação a seus
concorrentes americanos diante de um eventual fim do embargo, apesar de a
entrada de capital estrangeiro na ilha ainda enfrentar obstáculos.
A "nova" Cuba foi, além disso, palco de eventos
impensáveis na época de Fidel, como o histórico show do The Rolling Stones em
março de 2016 ou o desfile da marca Chanel em uma avenida central de Havana
dois meses depois.
Do UOL, com agências internacionais
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