sábado, 26 de novembro de 2016

UM DESASTRE CHAMADO DONALD J.TRUMP

Fábio de Biazzi, O Estado de S.Paulo
Já se passaram uns bons dias, mas toda vez que deparamos com uma foto de Donald Trump a primeira palavra que nos vem à mente ainda é “inacreditável”. Indagamos a nós mesmos: como foi possível a Presidência americana ter parado nas mãos de um populista digno de uma república de bananas, um inconsequente com falas racistas e misóginas e um bufão reconhecido por seu comportamento histriônico num programa bizarro em que destrata os participantes?
Quem teve a curiosidade e a paciência de ouvir algumas de suas entrevistas e os três debates presidenciais pôde observar que, na sua ignorância e em análises simplistas sobre os mais variados temas, a palavra preferencial de Trump era “desastre”. Para ele, o Obamacare é um “desastre”, a atuação de Hillary Clinton como secretária de Estado foi um “desastre” e a situação econômica da América é um “desastre”. Embora possa receber críticas ou ressalvas, nada disso se tem mostrado um desastre. O “desastre”, na verdade, foi a eleição de Donald John Trump, a qual deve estar fazendo Thomas Jefferson, Franklin Roosevelt e Martin Luther King se revirarem no túmulo.
Entre as consequências mais imediatas de sua vitória estão a instabilidade dos mercados, antecipando eventuais medidas protecionistas, a certeza de uma Suprema Corte com viés extremamente conservador, o assanhamento da extrema direita na Europa, o muito provável rompimento dos EUA com o Acordo de Paris sobre meio ambiente e as dúvidas quanto ao futuro do papel ímpar da democracia americana como potência econômica e militar no mundo. No médio prazo, ainda veremos se ele realmente vai abrir uma guerra comercial com a China, erguer um muro – ou uma cerca – na divisa com o México, deportar 3 milhões de imigrantes e processar Hillary Clinton, todas promessas de campanha, usualmente seguidas do bordão “let’s make America great again”.
Ele foi eleito apesar de ter chamado os imigrantes mexicanos de estupradores e assassinos, ter desrespeitado combatentes filhos de imigrantes, ter feito pouco-caso de um herói de guerra, John McCain, por ter sido feito prisioneiro no Vietnã, ter insultado diversas minorias étnicas e sexuais, insinuar que gostaria de namorar sua filha Ivanka e ter sido flagrado se vangloriando de assediar e agredir sexualmente inúmeras mulheres, julgando que elas nunca reagiriam por ele ser pretensamente rico e famoso. Como disse o comediante John Oliver, nada disso é normal.
Apesar desses disparates e de nunca ter ocupado nenhum cargo na administração pública, Trump foi eleito. Algumas das análises mais interessantes sobre esse fato defendem a ideia de que tal ocorreu apesar de suas posições preconceituosas e de seu comportamento deplorável, e não por conta disso. Tanto a revista The Economist quanto a New Yorker destacam o papel central desempenhado pela preocupação dos americanos com a economia e os empregos. Ambas as publicações concordam que a recuperação econômica dos últimos anos foi alcançada com o aumento da concentração de renda e que a insegurança econômica e social, a queda no nível de emprego e de qualidade de vida de boa parte da população foram fundamentais para que ele ganhasse a eleição. Reforçando essa tese, é interessante relembrar que ele só ganhou porque levou a maior parte dos votos de grandes Estados do outrora muito industrializado “cinturão da ferrugem”: Pennsylvania, Michigan, Ohio e Wisconsin.
Além disso, o “Hitler laranja” – como o denominou o também comediante Bill Maher – teria sido também favorecido pela imagem bastante difundida de Hillary ser alguém “não confiável” e pela inconsequente, para dizer o mínimo, atitude do diretor do FBI, James Comey, de dizer que o Bureau iria analisar milhares de e-mails de um ex-parlamentar, pervertido sexual e marido de uma assistente de Hillary, insinuando que eles poderiam incriminá-la, apenas três semanas antes da eleição. O fato de Comey vir a público dois dias antes do pleito dizer que nada fora encontrado só serviu para realimentar o clima de desconfiança sobre ela.
Um último fator pode ter contribuído para o desastre: a crescente relevância das mídias sociais. O próprio Trump diz ter ganho a eleição pelo Twitter, disparando as mais grosseiras inverdades madrugadas adentro ao longo dos últimos meses. O Twitter, o Facebook, os blogs e o WhatsApp são formidáveis canais que ligam as pessoas ao redor do planeta, mas carregam em seu DNA a incapacidade de se verificar a veracidade e confiabilidade dos dados e das informações que são por eles transmitidos. Nesses meios, praticamente inexiste a possibilidade de exercer a verificação dos fatos, sua relativização e priorização. Neles, análises fundamentadas convivem com os absurdos mais disparatados. As mídias sociais agravam nossa tendência a escutar apenas os canais ou as pessoas que refletem o que já sabemos ou pensamos, criando tribos que não conversam e tendem a reforçar seus preconceitos, paranoias e visões distorcidas do mundo. Esse fenômeno se torna muito relevante e preocupante quando cerca de 60% dos americanos dizem saber das notícias por meio das mídias sociais e mais de 40% dos adultos usam só o Facebook para se informar. Quando esses números são combinados com um candidato à Presidência que profere mentiras ou fatos distorcidos em três de cada quatro afirmativas, o resultado pode ser – e foi – um enorme desastre.
Será nesse contexto e com todas essas complicações que a democracia americana passará pelo maior teste de sua história. Infelizmente, agora é preciso aceitar que o inacreditável aconteceu e enxergar que seria perigosamente contraproducente exibir algum otimismo neste momento, dado ser bastante duvidoso esperar decisões sábias ou um comportamento exemplar de quem viveu 70 anos sem dar mostras disso.
Fábio de BiazziEngenheiro de produção, doutor em engenharia pela Usp, diretor executivo e consultor de gestão, é professor de liderança e comportamento organizacional do MBA executivo do Insper.
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