Da ISTOÉ
Nos últimos meses, o ex-presidente Lula foi emparedado pela
Lava Jato. Virou réu três vezes por práticas nada republicanas: obstrução de
Justiça, ocultação de patrimônio — ao omitir um tríplex no Guarujá —, lavagem
de dinheiro, corrupção passiva, organização criminosa e tráfico de influência
no BNDES, em razão do esquema envolvendo a contratação de seu sobrinho Taiguara
Rodrigues dos Santos. Ou seja, já há uma fartura de provas contra o petista, ao
contrário do que costuma alardear sua defesa. Nada, no entanto, pode ser mais
categórico e definitivo como conceito de corrupção, na acepção da palavra, do
que o recebimento de pagamentos de propina em dinheiro vivo. Por isso, o que
ISTOÉ revela agora acrescenta um ingrediente potencialmente devastador para o
ex-presidente.
Num dos 300 anexos da delação da Odebrecht, considerada a
mais robusta colaboração premiada do mundo, o herdeiro e ex-presidente da
empresa, Marcelo Odebrecht, diz ter entregue a Lula dinheiro em espécie. Nunca
uma figura pública que chegou a ocupar a presidência da República demonstrou
tanta intimidade com a corrupção. Os repasses foram efetuados, em sua maioria,
quando Lula não mais ocupava o Palácio do Planalto. O maior fluxo ocorreu entre
2012 e 2013. Foram milhões de reais originários do setor de Operações
Estruturadas da Odebrecht – o já conhecido departamento da propina da empresa.
Segundo já revelado pela Polícia Federal, aproximadamente R$ 8 milhões foram
transferidos ao petista. Conforme apurou ISTOÉ junto a fontes que tiveram
acesso à delação, o dinheiro repassado a Lula em espécie derivou desse
montante.
Os pagamentos em dinheiro vivo fazem parte do que
investigadores costumam classificar de “método clássico” da prática corrupta.
Em geral, é uma maneira de evitar registros de entrada, para quem recebe, e de
saída, para quem paga, de dinheiro ilegal. E Lula, como se nota, nunca se
recusou a participar dessas operações nada ortodoxas. O depoimento agora
revelado por ISTOÉ é a prova de que, sim, o petista não só esteve presente
durante as negociatas envolvendo dinheiro sujo como aceitou receber em espécie,
talvez acreditando piamente na impunidade. Se os repasses representavam meras
contrapartidas a “palestras”, como a defesa do ex-presidente costuma repetir
como ladainha em procissão, e se havia lastro e sustentação legal, por que os
pagamentos em dinheiro vivo?
Na Odebrecht, as entregas de recursos a Lula sempre foram
tratadas sob o mais absoluto sigilo. Não por acaso, segundo apurou ISTOÉ, logo
que Marcelo Odebrecht foi preso, em junho de 2015, a empreiteira presidida por
ele, naquele momento vulnerável a buscas e apreensões da Polícia Federal,
acionou um esquema interno de emergência chamado de Operação Panamá. Consistia
em promover uma varredura nos computadores, identificar os arquivos mais
sensíveis e enviá-los para a filial da empresa no país caribenho. O objetivo
não era outro, senão desaparecer com digitais e quaisquer informações capazes
de comprovar transferências de recursos financeiros da Odebrecht ao
ex-presidente Lula. Àquela altura, a empreiteira ainda resistia a entregar o
petista, topo da hierarquia do esquema do Petrolão. Mudou de planos premida
pelo instinto de sobrevivência.
Investigadores da Lava Jato vão querer saber, num próximo
momento da investigação, se os repasses em dinheiro vivo ao ex-presidente
guardam conexão com a operação desencadeada na última semana pela PF, sob o
epíteto de Dragão. Na quinta-feira 10, foram presos os operadores Adir Assad e
Rodrigo Tacla Duran, cujo papel era justamente oferecer dinheiro em espécie
para o sistema de corrupção. Pelo esquema, as empreiteiras contratavam serviços
jamais prestados, efetuavam o pagamento a Duran e, ato contínuo, recebiam o
dinheiro para pagar agentes públicos. A trama só foi desbaratado graças à
colaboração de um delator da Odebrecht: Vinícius Veiga Borin. Ele contou à PF e
procuradores como funcionava a engrenagem da lavagem de dinheiro criada pelas
empreiteiras: as contas no exterior sob a batuta de Marcos Grillo, outro
executivo da Odebrecht, alimentavam o Departamento de Propina da empreiteira.
Quando havia necessidade de entregar valores em espécie no Brasil, eles
recorriam a offshores, controladas por Duran. A Lava Jato suspeita que o
dinheiro repassado a Lula possa ter integrado esse esquema.
Além de Marcelo Odebrecht, no corpo da delação da
empreiteira Lula é citado por Emílio Odebrecht, Alexandrino Alencar,
ex-executivo da empresa, e o diretor de América Latina e Angola, Luiz Antônio
Mameri. Faz parte do pacote de depoimentos relatos sobre uma troca de mensagens
eletrônicas entre Mameri e Marcelo Odebrecht. Nessas conversas fica clara a
participação de Lula para a aprovação de projetos da empreiteira no BNDES. Em
seu depoimento, o diretor confirmou as mensagens e disse que as influências de
Lula e do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, hoje preso, foram decisivas
para a aprovação de projetos definidos exatamente como foram concebidos nas
salas da Odebrecht, sem que fossem submetidos a nenhum tipo de checagem. Mameri
citou obras em Angola e Cuba.
Nos últimos dias, a Procuradoria-Geral da República iniciou
o estágio da validação dos depoimentos, em que os 50 delatores e 32
colaboradores lenientes da Odebrecht passaram a ler e confirmar o que já
escreveram. Tudo será gravado. A checagem de informações pode durar até o final
deste mês, uma vez que nem todos os executivos foram informados sobre a data do
encontro com os procuradores.
O ALCANCE DA DELAÇÃO
No total, a empreiteira vai reconhecer que pagou algo em
torno de R$ 7 bilhões em propinas no Brasil e no exterior. Marcelo Odebrecht,
presidente da maior construtora do País, com 200 mil funcionários e um
faturamento anual de R$ 135 bilhões, só decidiu fazer delação premiada depois
de março desde ano, após ter sido condenado pelo juiz Sergio Moro a 19 anos e 4
meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Aos
48 anos, Marcelo se deu conta de que poderia envelhecer na cadeia. Como o
empreiteiro ainda é réu em várias outras ações, seus advogados calcularam que ele
poderia ser condenado a no mínimo 50 anos. Com o acordo, suas penas reduzirão a
dez anos de reclusão. Como já cumpriu 1 ano e cinco meses, ficará detido até
dezembro do ano que vem. Depois, passará mais dois anos e meio em prisão
domiciliar e outros cinco anos em regime semi-aberto. As outras condenações que
vierem estarão englobadas no acerto.
As negociações se arrastaram por seis longos meses. A
Procuradoria-Geral da República só concordou com a delação para efeito de
abatimento de pena com a condição de que ele e os 80 executivos da empresa
relatassem crimes os quais a Justiça ainda não tinha comprovado. Além da
resistência inicial em implicar Lula, os executivos impuseram outro
dificultador: não admitiam que os repasses eram pagamentos de propina. Queriam
limitar tudo a caixa dois, mesmo diante de provas inquívocas. A questão, no
entanto, foi vencida depois que procuradores e agentes federais endureceram o
jogo. Sem as confissões de propina o acordo voltaria à estaca zero, advertiram.
Foi o suficiente para imprimir velocidade às tratativas.
Todas as pessoas envolvidas no acordo ouvidas por ISTOÉ são
unânimes em afirmar que Lula é a estrela principal da delação. Recentemente, a
Polícia Federal associou os codinomes “amigo”, “amigo de meu pai” e “amigo de
EO” (Emílio Odebrecht) – que aparecem em planilhas de pagamentos ilícitos
apreendidas durante a Operação Lava Jato – ao ex-presidente. Foi assim que a PF
conseguiu rastrear o repasse de aproximadamente R$ 8 milhões a Lula. Os
pagamentos foram coordenados por Marcelo Odebrecht e por Antonio Palocci. De
acordo com o delegado Filipe Pace, o dinheiro saía de uma conta corrente
mantida pela Odebrecht para pagamento de vantagens indevidas. O que Pace não
sabia, e a delação de Odebrecht conseguiu elucidar, era sobre os pagamentos em
espécie ao petista.
Evidentemente que os depoimentos dos executivos da
empreiteira não vão abarcar apenas os crimes praticados pelo ex-presidente
Lula. Envolverá também Dilma Rousseff (leia mais na pág. 36), integrantes do
governo do presidente Michel Temer, mais de 100 parlamentares e 20 governadores
e ex-governadores. Os principais partidos atingidos pelas delações da Odebrecht
serão o PT e PMDB. É certo, no entanto, que integrantes do PSDB também serão
implicados pelos executivos da empreiteira.
Para viabilizar os depoimentos, a Odebrecht utilizou
serviços de 50 escritórios de advocacia de Brasília, São Paulo, Rio e Salvador,
onde depôs o empreiteiro Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. Ao todo 400
advogados acompanharam os depoimentos. Como envolve políticos com foro
privilegiado, o acordo será assinado pelo ministro do STF, Teori Zavascki. A
expectativa é de que a homologação saia até o dia 21. Paralelamente às delações
premiadas, a Odebrecht fará um acordo de leniência com a Controladoria-Geral da
União (CGU), que deverá ser o maior do mundo. O campeão até aqui era o da
Siemens, celebrado com autoridades dos Estados Unidos e vários países europeus
em 2008. A empresa alemã pagou US$ 1,6 bilhão em multas. Já no acordo de
leniência da Odebrecht com o governo brasileiro, a empreiteira poderá pagar uma
multa de R$ 6 bilhões. Com isso, a empreiteira poderá voltar a realizar obras
para o governo federal, hoje proibidas.
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