Cristovam Buarque, O Globo
O Brasil já teve nomes antes de República Federativa do
Brasil, mas nenhum se ajustaria melhor à realidade política atual do que o nome
de “República Corporativa dos Brasis”. Somos um país dividido em uma parcela
moderna e outra excluída da educação, da saúde, da renda, da participação
política; e a parcela moderna é dívida em corporações, sem um interesse
nacional comum e sem uma perspectiva de longo prazo que beneficie as futuras
gerações.
Não há um sentimento de nação federativa, cada grupo deseja
se apropriar da maior parcela possível dos recursos públicos e da maneira mais
imediata. Aliam-se entre eles para forçarem os governos a atenderem a todas as
reivindicações e gastarem mais do que os limites possíveis e provocam
endividamento, juros altos e inflação. Mas as corporações ganham com isto: a
dos bancos, com os juros; dos sindicatos, porque passam a se justificar como o
promotores dos periódicos reajustes de salários; os empresários, porque
remarcam os preços.
Os empresários não querem abrir mão dos fartos subsídios que
recebem; com o argumento de manter os empregos; os sindicatos dos trabalhadores
se aliam aos patrões para exigirem mais recursos dos governos, tirando dinheiro
inclusive da Educação e da Saúde para investimentos de interesse de empresas.
As classes médias reclamam dos impostos elevados, mas não reclamam da má
qualidade dos serviços públicos, porque desejam melhorar apenas os serviços
privados financiados com subsídios públicos. Magistrados já conseguem recursos
públicos para pagar a escola privada de seus filhos; parlamentares dispõem de
serviço médico especial. Na República Corporativa, procura-se aumentar os
ganhos de cada grupo, não como beneficiar a todos e ao país.
Querendo atender à corporação a qual pertence e da qual
depende na sua reeleição, cada parlamentar faz acordos concedendo tudo o que as
corporações pedem, pressionando nos corredores do Congresso. Por isso, no
Brasil, a inflação não é apenas um fenômeno econômico e monetário, é um
fenômeno cultural e moral, devido à formação política de uma República
Corporativa, sem controle, nem prioridades.
Os Brasis não aceitam a ideia de um limite para os gastos
públicos porque isso exigiria que alguma corporação perdesse para outras — ou
para os que não têm corporação. Elas fogem da disputa, se oferecem mutuamente
benefícios, preferindo a ilusão do aumento ilimitado de recursos com o
falsificado dinheiro da inflação.
A proposta de emenda à Constituição que define um limite nos
gastos traria o realismo na política, forçaria uma disputa entre grupos com o
sentimento mínimo de nação. Entretanto, por mais necessária que seja para frear
a voracidade corporativa dentro da democracia, a PEC poderá fracassar por falta
de uma liderança que consiga convencer os brasileiros corporativizados a
fundarem uma República Federativa de um só Brasil. Condição básica para o
realismo fiscal.
Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Nenhum comentário:
Postar um comentário