Da ISTOÉ
Na última semana, Marcelo Odebrecht deu início aos tão
aguardados depoimentos à Procuradoria-Geral da República. Acompanhados dos
advogados do empresário, homem-chave da chamada mãe de todas as delações, três
procuradores tomaram as confissões detalhadas do empreiteiro na sede da
Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde ele está preso há um ano
e seis meses. Lá, Marcelo começou a esmiuçar as histórias que se comprometeu a
contar nos anexos assinados com a PGR, na sexta-feira 2. Dentre elas, a
denúncia, antecipada por ISTOÉ com exclusividade em 11 de novembro com base nos
preâmbulos da delação de Marcelo, de que o ex-presidente Lula recebeu propina
da Odebrecht em dinheiro vivo. Nos próximos dias, em mais uma de suas inúmeras
revelações bombásticas, muitas delas capazes de colocar a República de ponta
cabeça, o empresário irá envolver a ex-ministra da Casa Civil, senadora Gleisi
Hoffmann (PT), numa trama nada republicana. Nas preliminares do depoimento,
Marcelo Odebrecht já informou aos procuradores que detalhará como repassou a
Gleisi mais de R$ 4 milhões não declarados para saldar dívidas de sua campanha
ao governo do Paraná em 2014. O dinheiro saiu do setor de Operações
Estruturadas da Odebrecht, conhecido como o “departamento de propina”. Conforme
apurou ISTOÉ junto aos investigadores, a transferência do montante ocorreu a
mando da então presidente da República, Dilma Rousseff.
Endividada, Gleisi havia pedido socorro a Dilma, depois de
amargar a derrota nas urnas, quando ficou em terceiro lugar com apenas 14,87%
dos votos válidos atrás do senador Roberto Requião (PMDB) e do governador Beto
Richa (PSDB). O PT negou-lhe ajuda. A prioridade da legenda era investir em
candidatos competitivos, que ainda precisavam de apoio financeiro para seguir
na disputa pelo segundo turno. Àquela altura, Dilma tentava se reeleger
presidente da República e, para isso, contava com vultosos recursos à
disposição. Tanto pelo caixa oficial como por fora, conforme apontam as
investigações em curso. Gleisi, então, lhe contou que precisava de mais de R$ 4
milhões a fim de saldar pagamentos pendentes. Dentre eles, a fatura com o
marqueteiro responsável por sua campanha, Oliveiros Domingos Marques Neto, dono
da Sotaque Brasil Propaganda. Dilma ouviu a história e se compadeceu. Em
retribuição à fidelidade incondicional devotada pela paranaense durante os anos
de trabalho no Executivo e depois também no Legislativo, como senadora, Dilma,
então, resolveu ajudar Gleisi.
O enredo foi confirmado à ISTOÉ por pessoas ligadas ao PT e
Dilma. O primeiro passo da presidente foi procurar o intermediador da
negociação: o tesoureiro de campanha, Edinho Silva (PT), hoje prefeito eleito
de Araraquara (SP), e homem forte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no
seio da campanha presidencial. Na conversa com Edinho, Dilma explicou a
situação de Gleisi e disse que não haveria outra saída senão procurar a
Odebrecht. E que caberia a ele a tarefa. Edinho cumpriu as ordens da chefe sem
titubear, como era de costume.
Negócio fechado
Dias depois de ter relatado a história aos executivos da
empreiteira, a mando de Dilma, Edinho recebeu a visita de Fernando Migliaccio
Silva. Ali, tudo ficou resolvido. A aparição de Fernando era sempre sinônimo de
repasse de dinheiro graúdo. Ele era um dos executivos responsáveis por comandar
o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, alcunha pomposa para denominar
o metodicamente organizado departamento de distribuição de propina da
empreiteira, responsável por irrigar as arcas de ao menos 300 políticos
brasileiros. Com autorização da chefia, leia-se Marcelo Odebrecht, Fernando
Migliaccio entrou em contato com a turma de Gleisi e do publicitário de sua
campanha, a fim de agendar uma reunião.
O encontro foi marcado no escritório da Odebrecht em São
Paulo. O publicitário Oliveiros não quis ir pessoalmente ao compromisso.
Preferiu enviar em seu lugar um dos seus sócios Bruno Martins Gonçalves
Ferreira. Mas Bruno não iria só. Antes de comparecer à sede da empresa, foi
orientado pelo marqueteiro a ir buscar no aeroporto de Congonhas (SP) Leones
Dall’Agnol, que fora chefe de gabinete de Gleisi Hoffmann na Casa Civil e
também serviu, na mesma função, o marido dela, o ex-ministro das Comunicações
Paulo Bernardo. Ao entrar no carro de Bruno, da Sotaque Brasil Propaganda,
Leones orientou o motorista a tocar para o escritório da Odebrecht. Ao chegar
lá, os dois selaram o acerto com Fernando Migliaccio, qual seja, o repasse de
R$ 4 milhões não declarados para a campanha de Gleisi. São esses os pormenores
que Marcelo Odebrecht se comprometeu a revelar no complemento de sua delação.
Bruno Martins Gonçalves Ferreira apareceu pela primeira vez
aos investigadores da força-tarefa da Lava Jato em uma planilha confeccionada
pela Odebrecht. Nela, constava o nome, endereço e telefone do publicitário,
ladeados por uma anotação indicando repasse de R$ 500 mil, com a referência ao
codinome Coxa e a senha Marron. Os procuradores têm a convicção de que Coxa
seja a senadora Gleisi Hoffmann. Para apurar esse repasse, a PF conduziu
coercitivamente Bruno Ferreira, durante a operação Xepa, para prestar
depoimento no dia 22 de março de 2016 na superintendência regional da Polícia
Federal em São Paulo. ISTOÉ teve acesso à íntegra do depoimento. De acordo com
o texto, o depoente disse “que apenas acompanhou o que estava sendo conversado
(durante a reunião na Odebrecht), asseverando que estavam falando sobre verbas
de campanha da senadora Gleisi Hoffmann, a qual disputava o governo do Paraná”.
O depoimento indica ainda que ele não recebeu e nem viu a entrega de dinheiro,
mas que, sim, na conversa eles tratavam de valores: “Que não se recorda da
monta discutida, mas pode dizer que se tratava de muito dinheiro; que o
declarante assevera que não viu o sr. Leones recebendo nenhum valor em
dinheiro, nem mesmo nenhuma mala a qual poderia ter dinheiro em seu interior”.
O depoimento faz parte de um inquérito sigiloso que começou
a correr em primeira instância, mas devido à aparição de Gleisi no caso, que
tem a prerrogativa de foro por ser senadora, a investigação foi enviada na
primeira semana de novembro para o Supremo Tribunal Federal. Está nas mãos do
ministro relator da Lava Jato, Teori Zavascki. A expectativa, no entanto, é de
que o inquérito tenha desdobramentos a partir da explicação de Marcelo
Odebrecht sobre como esses R$ 500 mil e pelo menos mais R$ 3,5 milhões foram
repassados por fora a Gleisi. De acordo com a prestação de contas da então
candidata ao governo do Paraná, esse montante não foi declarado, o que
caracteriza o recebimento de recursos eleitorais por meio de caixa dois. Também
pode configurar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, a depender do
desenrolar das investigações. Mais uma vez, os fatos apontam que a
ex-presidente Dilma Rousseff faltava com a verdade quando bradava que nunca se
envolveu diretamente com as negociatas de sua campanha eleitoral. Sabe-se de
novo que se tratava de mais um de seus malabarismos retóricos destinados a
afastá-la do dinheiro sujo que, sabia bem ela, circulou durante suas duas
campanhas ao Planalto.
OUTRAS SUSPEITAS
Integrante da comissão de frente da tropa de choque dilmista
no Senado, Gleisi também está encalacrada. A senadora já é ré em uma ação penal
da Operação Lava Jato no Supremo, sob suspeita de ter recebido ilegalmente R$ 1
milhão para sua campanha ao Senado em 2010. Os recursos, segundo a acusação da
Procuradoria Geral da República, tiveram origem no esquema de corrupção da
Petrobras e foram operacionalizados pelo doleiro Alberto Youssef. Em setembro,
a Segunda Turma do STF, composta por cinco ministros, decidiu, por unanimidade,
receber a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tornando a
petista ré na Lava Jato. Seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, também
figura como réu nesta mesma denúncia e ainda enfrenta outros problemas: foi denunciado
em uma outra ação, esta na Justiça Federal de São Paulo, sob acusação de ter
comandando um esquema de desvio de recursos de crédito consignado do Ministério
do Planejamento. Tudo indica que agora, com a delação da Odebrecht, os
problemas do casal vão se agravar.
O depoente disse que acompanhou o que foi discutido na
reunião na Odebrecht “asseverando que estavam falando sobre verbas para
campanha de Gleisi e que se tratava de muito dinheiro”
Nenhum comentário:
Postar um comentário