Cristovam Buarque, Blog do Noblat
O que diria Dom Hélder Câmara se estivesse conosco nesses
momentos de alta e perigosa turbulência política, com falência fiscal do Estado
e profunda crise econômica? Propus essa reflexão durante a solenidade de
entrega da Comenda Dom Hélder Câmara, que aconteceu no Senado, na última
terça-feira.
Um dia que mostrou a gravidade do momento e os riscos de um
conflito institucional ameaçando a democracia; dia em que um dos ministros do
Supremo determinou o afastamento do presidente do Congresso, que, por decisão
da Mesa Diretora do Senado, recusou cumprir a ordem judicial.
Isto, em meio a uma profunda crise econômica, que exige
decisões rápidas, sem as quais a economia se deteriorará a ponto de provocar
ruptura no tecido social. O que se viu nesse dia foi a manifestação de um
imbróglio jurídico de proporção destruidora do equilíbrio institucional, em que
um lado parece acender o fósforo e o outro jogar a gasolina.
Isso acontecendo no mesmo dia em que tomamos, mais uma vez,
conhecimento de nossa maior tragédia, o atraso vergonhoso na educação de nossas
crianças. Em 2015, o Brasil regrediu na qualidade da educação, conforme
divulgado em respeitado relatório internacional. Dom Hélder significava
compromisso com os pobres e com a democracia.
Ele se assustaria com tantos retrocessos nas nossas
conquistas sociais passadas, ameaçando o futuro, e com os riscos institucionais
que hoje atravessamos. Mas, como democrata, ele se assustaria ainda mais do que
como humanista nas suas preocupações sociais, com a falta de sonhos utópicos,
com a divisão do Brasil em corporações sem espírito nacional; partidos sem
propostas, sem identidades, nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista
ideológico; e corrupção generalizada.
E se assustaria com o descrédito que os políticos, eleitos
democraticamente, recebem do povo, transformando a crise num impasse
institucional. Ele nos alertaria para o risco de a crise se transformar em uma
desagregação do tecido social, político e econômico brasileiro. Para enfrentar
o momento, ele proporia diálogo.
Diria que é hora de derrubar paredes e construir pontes, o
contrário do que estamos fazendo. Sugeriria sairmos dos sectarismos, de um lado
e do outro, das certezas plenas, que decorrem da falta de tolerância, sem
análises dos problemas. Ele pediria lucidez e responsabilidade. Lucidez para
entender os problemas sem os preconceitos que carregamos, e responsabilidade
para colocar o interesse do país na frente do interesse de cada um de nós,
colocarmos a preocupação com a próxima geração à frente da preocupação com a
próxima eleição.
Dom Hélder hoje nos diria: sejam brasileiros antes de serem
políticos; tenham compromisso com a verdade antes de terem compromisso com suas
interpretações e preconceitos. Sobretudo, que é pelo diálogo com paz que se
constrói o futuro; a paz, com lucidez e com responsabilidade.
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