Apesar do título acima, o texto não vai abordar a natureza,
o meio ambiente ou correlatos. Tampouco pretende detonar os faiscantes
pinheiros de plástico natalinos, uma vez que hoje é 25 de dezembro. Feliz Natal
para quem tem algo a festejar, portanto.
O assunto é mais pesado. "Aos que vão nascer", o
célebre poema de Bertold Brecht escrito em 1939, procurou despertar da cegueira
nazista a sociedade alemã às vésperas da II Guerra. Basta citar as duas
primeiras estrofes da obra, em tradução de Paulo César de Souza, para
devolver-lhe atualidade num mundo inteiramente
diverso ao de 77 anos atrás:
"É verdade, eu vivo em
tempos negros.
Palavra inocente é tolice.
Uma testa sem rugas indica insensibilidade.
Aquele que ri, apenas não recebeu ainda a terrível notícia.
Que tempos são esses, em que falar de árvores é quase um
crime pois implica silenciar
sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranquilo.
Não está mais ao
alcance de seus amigos
Necessitados?"
Os países e sociedades que se despedem deste indigesto ano
de 2016 estão à deriva. Em gestação está uma nova (des)ordem mundial de
características inquietantes. A partir de
janeiro o calouro Donald Trump assume o comando da Casa Branca e do
maior arsenal nuclear do planeta, que ele pretende incrementar. "Que haja uma corrida
armamentista. Iremos superar a todos", trompeteou o futuro presidente esta
semana.
Trump admira líderes autoritários e acredita ser tão sagaz
quanto o veterano rapozão russo Vladimir Putin. Tem pretensões também
de mostrar à China de Xi Jinping que agora a "América voltará a ser
grande". Embora sejam radicalmente
diferentes no estilo, índole, agenda
política ou na sociedade que representam, os três líderes
têm em comum a exaltação da nação. Perigo à vista para 2017.
"Infeliz a terra que não tem heróis", proclama o
discípulo Andrea em "A vida de Galileo", de Brecht, escrito também
sob o Terceiro Reich, e que recebe do Cientista a devida resposta:
"Infeliz é a terra que precisa de heróis".
Como já escreveu o historiador briComo já escreveu o
historiador britânico Timothy Garton Ash, professor de História Europeia na
Universidade de Oxford, já virou truísmo afirmar que heróis costumam levar nações à guerra enquanto paz e
democracia são preservadas por uma cidadania bem informada e participante. Paz e democracia
exigem, sobretudo, líderes avessos a populismos, norteados primariamente pelo
respeito ao estado de direito, mesmo quando as
leis forem eleitoralmente inconvenientes.
A Europa tem há onze
anos um líder mundial de uma raça quase em extinção. Ou tinha, até a noite
da segunda-feira - a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Firme, poderosa a
bordo de economia nacional sempre robusta, e até agora blindada contra as
concessões eleitoreiras que derrubaram seus vizinhos no continente.
Mas a partir do momento em que o tunisiano Anis Amri embicou
seu caminhão da morte contra os festeiros na praça Breitscheidt, em Berlim, e
conseguiu escapulir por três dias cruzando duas fronteiras até ser morto em
Milão, a Europa democrática e liberal pode ter começado a perder seu principal
eixo. Muito dependerá do resultado das eleições gerais de setembro próximo na Alemanha.
Se Merkel vencer pela quarta vez, terá continuidade a
difícil construção de uma sociedade
que ambiciona uma forma de
viver "livre, unida e aberta", como propõe a chanceler.
A firmeza de Merkel
sob pressão é conhecida. Sua alergia a nacionalismos também, tanto quanto seu
inconfundível penteado capacete. Ela sabe que os serviços de inteligência do país escancararam falhas e
deficiências no atentado de Berlim e urge aparelhar-se. Também sabe que ao
abrir as fronteiras para mais de um milhão de refugiados em 2015, ela submeteu
a sociedade alemã a um teste forçado.
Em momento algum, contudo, a estadista cogitou pronunciar
a frase-chavão "Estamos em
guerra", à qual sucumbiram tantos líderes do Primeiro Mundo afetados por
atentados terroristas de grande porte, com as consequências que se conhece.
Declarar guerra ao terror é tão retórico quanto declarar
guerra à criminalidade ou proclamar "vitória" no "Dia D" da
tomada do Morro do Alemão pelas tropas de choque no Rio.
Merkel promete melhor combate aos terroristas e mais
proteção à população, sem flexibilizar
demais as liberdades individuais.
A chanceler sabe que a meta do terrorista, em sua essência,
é aterrorizar matando, e não tomar o poder. Merkel também sabe melhor do que seus pares europeus
e americanos que o inimigo à espreita de falhas da democracia liberal, pronto
para assumir o poder, é outro: algum líder xenófobo populista.
Candidatos não faltam.
E para concluir, um pouco mais de Brecht, em tom mais
otimista:
"General, o homem é útil.
Ele pode voar e ele pode matar.
Mas ele tem um defeito: ele pode pensar."
Dorrit Harazim é jornalista
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