Da ISTOÉ
O ano de 2016 abrigou a tensão entre as instituições
permanentemente em sua atmosfera e também quando o princípio fundamental da
separação entre os Poderes, consagrado por Montesquieu, foi colocado à prova
diversas vezes, agravado por uma investigação criminal que avança sobre os
principais políticos do País. A começar pelo afastamento da então presidente
Dilma Rousseff pelo Legislativo, em um processo de impeachment que cumpriu
todas as regras constitucionais, passando pelos afastamentos do então
presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), que, neste último caso, culminou no momento mais crítico: o
desrespeito a uma ordem do Supremo Tribunal Federal, que quase provocou um
colapso na República.
Os principais líderes dessas instituições, ouvidos pela
ISTOÉ, concordam em apontar que o caminho para 2017 é a reconstrução das pontes
de diálogo entre os Poderes, mantendo também atenção às demandas e anseios da
sociedade. “Cumprir a Constituição é sempre a melhor via. Se no próximo ano
voltarmos a fazer isso, teremos um caminho mais tranquilo pela frente”,
diagnosticou o decano da Câmara, deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que está em
seu 11º mandato. O Parlamento, porém, virou suas costas para a sociedade neste
ano e precisa voltar a ouvi-la. A destruição do pacote das Dez Medidas contra a
Corrupção foi o sintoma mais significativo dessa postura e causou forte reação
contrária da população, que levantou sua voz para defender a Operação Lava
Jato.
Entre Executivo e Legislativo, a relação melhorou
significativamente após a saída de Dilma Rousseff. Em sua gestão, Temer e seus
ministros têm conversado com frequência com os parlamentares para expor,
debater e pedir apoio às medidas propostas pelo governo. “Nunca tivemos um
presidente que tivesse um diálogo tão próximo com o Parlamento. É um diálogo
acima de tudo respeitoso. Quando vai encaminhar projetos importantes ele reúne
a base, conversa, orienta, discute, debate, faz as correções. Então o
relacionamento hoje do Executivo com o Legislativo é muito bom”, afirmou o
deputado André Moura (PSC-SE), líder do governo na Câmara. Reflexo disso é o
resultado nas votações mais importantes para o governo, como a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) do Teto dos Gastos Públicos, aprovada rapidamente
em primeiro e segundo turnos tanto na Câmara quanto no Senado. O desafio para
2017 será a Reforma da Previdência, tema sempre espinhoso e que já encontrou
resistência da sociedade por endurecer os critérios para a aposentadoria. No
Congresso, porém, a matéria começou a tramitar com tranquilidade: já foi
aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara no último dia 15 e
agora vai ser discutida e apreciada em uma comissão especial sobre o tema.
O principal risco para a instabilidade em 2017, entretanto,
tem apenas um nome: Odebrecht. A delação de seus 77 executivos já começou a
atingir tanto a cúpula do governo Michel Temer (PMDB) como os principais
líderes do Congresso Nacional, o que pode voltar a elevar a tensão entre os
Poderes. Neste ano, parlamentares atingidos pelas investigações da Lava Jato
elegeram o Ministério Público Federal como o principal inimigo, chegando
inclusive a se unir para derrubar o pacote de medidas contra corrupção e
aprovar um projeto para punir magistrados e procuradores por supostos abusos de
autoridade em suas atuações profissionais.
Para esfriar os ânimos e tentar reconstruir esse diálogo, o
procurador-geral da República Rodrigo Janot terminou o ano se reunindo com
diversos líderes políticos do Executivo e do Legislativo. Janot esteve com o
ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, no último dia 12, e com o presidente
da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na última semana. Em entrevista, o
procurador-geral da República disse que sua visita foi uma “cortesia” para
manter o “diálogo aberto” com a instituição. Para o presidente da Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, o
fator originário dessa tensão, que é a Operação Lava Jato, vai continuar, mas
Janot tomou a iniciativa de dialogar para já baixar a temperatura para o
próximo ano. “Há uma tensão permanente, mas é necessário ter uma visão de longo
prazo. Questões pessoais não podem ser transformadas em crise institucional”,
analisou Robalinho.
Para os procuradores, um dos fatos mais graves do ano foi o
desrespeito de Renan Calheiros à decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello
que o afastou liminarmente da Presidência do Senado. Em uma postura desafiadora
contra o Supremo, a Mesa Diretora do Senado respondeu que não cumpriria a
decisão judicial antes que fosse apreciada no plenário do STF. “Uma ordem
judicial tem que ser cumprida. No Estado democrático de direito, depois da
judicialização de um assunto, não existe mais nenhuma solução, é apenas a
guerra”, comentou o vice-presidente da ANPR, Humberto Jacques de Medeiros.
Judicialização
Além das investigações da Lava Jato, o ano de 2016 foi
marcado por uma excessiva judicialização da política, que trouxe o Supremo
Tribunal Federal para o centro de decisões importantes do país. Na avaliação do
ex-secretário de Reforma do Judiciário e professor de direito penal da USP,
Pierpaolo Cruz Bottini, esse é um fenômeno mundial que também se inseriu no
Brasil. “Na Coréia do Sul, o Tribunal Constitucional anulou um impeachment do
Presidente da República. O Tribunal Constitucional Turco dissolveu partidos
islâmicos. Os Tribunais superiores da Alemanha e Grã-Bretanha foram palco
central dos debates sobre o uso de véus em escolas públicas. Em Israel, a
Suprema Corte foi chamada, algumas vezes, a definir a natureza do Estado judeu
e os dilemas da identidade coletiva naquela país. No Brasil, a Suprema Corte
decide sobre medicamentos, reforma agrária, ritos parlamentares e até afasta
presidentes de outros Poderes”, analisou. Para Bottini, o Judiciário não é o
local adequado para elaboração de políticas públicas, por não ter sido eleito,
mas tem ganhado espaço quando o Legislativo se ausenta de sua competência. Em
sua avaliação, 2017 “será rico em conflitos similares”. “Esperemos que as
pessoas e instituições estejam maduras o suficiente para compreender que
fricções são oportunidades para acomodações e ajustes, para o aprimoramento do
sistema”, afirmou.
Em meio a esse cenário, a voz das ruas precisa ser o fiel da
balança para equilibrar os conflitos entre os Três Poderes. O parágrafo único
do primeiro artigo da Carta Magna não pode ser esquecido: “Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”. Um dos mais antigos observadores das instituições
em Brasília, o advogado criminalista Eduardo Ferrão vê um saldo positivo dos
conflitos em 2016: “Bem ou mal, as instituições conseguiram resultados que
permitiram que o país continuasse funcionando normalmente em todos os seus
aspectos”. Para o decano Miro Teixeira, os profundos avanços contra a corrupção
transformaram 2016 em um ano “dourado”: “A impunidade era o fator de maior
insegurança da população. A partir do momento em que há uma perspectiva do fim
da impunidade, você abre caminhos para soluções e recupera a esperança. Foi um
ano promissor e que garante um 2017 muito melhor”.
As Tensões de 2016
Impeachment
O Legislativo, em um processo respaldado pelo Supremo
Tribunal Federal, obedecendo ao trâmite constitucional e com apoio da sociedade
nas ruas, afastou a então presidente Dilma Rousseff em maio e, no fim de
agosto, confirmou a cassação de seu mandato
Eduardo Cunha
Em maio, o ministro do STF Teori Zavascki determinou o
afastamento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de seu
mandato de deputado federal, sob argumento de que estaria interferindo na Lava
Jato. O plenário do Supremo respaldou a decisão. Depois, a Câmara cassou Cunha
e, em outubro, o juiz Sérgio Moro determinou sua prisão preventiva
Dez Medidas
O plenário da Câmara desfigurou o projeto das Dez Medidas
contra a Corrupção, idealizado pela força-tarefa da Lava Jato, com apoio de 2,4
milhões de assinaturas da sociedade civil, e impôs forte derrota contra o
Judiciário ao aprovar abuso de autoridade para magistrados e procuradores. Em
reação, os integrantes da Lava Jato ameaçaram abandonar seus cargos na
investigação. O presidente do Senado, Renan Calheiros, (PMDB-AL) tentou manter
o texto da Câmara em votação-relâmpago mas foi derrotado e os ânimos esfriaram
Renan
A última crise do ano se agravou quando o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), recusou-se a cumprir ordem do ministro do
STF Marco Aurélio Mello determinando seu afastamento do comando da Casa. Nos
bastidores, circulou a informação de que o Supremo poderia prender Renan para
cumprir a ordem. Entretanto, ministros do STF costuraram um acordão e
decidiram, em plenário, que Renan poderia ficar no cargo mas não poderia ocupar
a linha sucessória da Presidência da República.
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