A intrincada e vasta trama de relações entre o PT, o Estado
e as empreiteiras, revelada pela Lava Jato, mostra uma face do capitalismo
brasileiro que só com muita dificuldade pode ser considerada expressão de uma
economia de mercado. O partido sempre se caracterizou doutrinariamente por ser
socialista, contra o lucro e a economia de mercado, que, segundo ele, deveriam
ser controlados estritamente. Resultado disto foi, por exemplo, o fracasso do
programa de concessões, por causa, principalmente, das tentativas de controle
do lucro, considerado um mal.
Da mesma maneira, as privatizações foram objeto de opróbrio,
pois o Estado deveria ser onipresente. Tudo o que cheirava a “privado” deveria
ser simplesmente descartado. Aliás, além de ser um ativo interventor na
economia, o Estado deveria também ter protagonismo econômico. Dentre suas
tarefas, deveria promover empresas estatais e privadas, que seriam as campeãs
nacionais.
Do ponto de vista das relações internacionais, tivemos uma
escolha igualmente socialista, privilegiando parceiros como os países
bolivarianos e africanos. Lá também as empresas obedecem aos ditames do
Estado-partido, algo que certamente aparecerá com os desdobramentos da Lava Jato.
Ora, essa ideologia, esboçada aqui em alguns de seus traços,
teve como instrumento empresas que se prestaram a esse serviço de olho em
lucros volumosos, possíveis somente pelas escolhas partidárias feitas.
Denominemos essas empresas de “vermelhas”.
Em que consistia a sua função, do ponto de vista partidário?
Em financiar o projeto socialista. Ou seja, empresas símbolos do capitalismo
brasileiro voltaram-se para a implementação de um projeto que, em tudo,
contraria os princípios de uma economia de mercado, da concorrência e do
respeito aos contratos. Lucro, para elas, só servia se fosse astronômico e
baseado numa escolha política. Não seria o resultado do menor preço de seus
produtos num mercado concorrencial.
Enfim, o PT abominava o lucro, mas produzia lucros
exorbitantes para as empresas que o financiavam. E quem pagava a conta,
evidentemente, eram os cidadãos e as empresas – não vermelhas, claro – por meio
do pagamento de seus impostos.
Não deixa de ser interessante o paradoxo: empresas vermelhas
financiavam um projeto socialista, que por definição seria contra os princípios
que regem uma economia de mercado e, em tese, deveriam nortear a atuação de
qualquer empresa.
As empresas “selecionadas”, contudo, não precisariam
obedecer aos princípios do capitalismo. Elas se situariam fora dessa órbita,
devendo minar seus próprios critérios e valores. O discurso anticapitalista
petista concordava unicamente com os “princípios” dessas empresas, as
vermelhas. A “coerência” seria preservada! A cor e a estrela continuariam a
brilhar.
O preço de tal distorção ideológica foi a subversão completa
dos princípios da economia de mercado. Listemos alguns.
A intervenção estatal, no segundo mandato de Lula e nos dois
de Dilma Rousseff, foi erigida em dogma, não admitia nenhuma contestação.
Caberia ao Estado determinar margens de lucro em concorrências públicas e
atender, de forma privilegiada, às empresas que se prestassem aos seus
desígnios socialistas e estatizantes. Chegou-se ao extremo de determinar as
tarifas de energia elétrica, produzindo um déficit que até hoje prejudica as
empresas do setor. Mas o Estado petista tudo sabia... Deu no que deu!
O lucro, conforme observado, foi considerado algo a ser
evitado, uma espécie de chaga que não deveria ser tocada. Entretanto, as
empresas vermelhas, as que financiavam o projeto socialista, ditavam os seus
preços, em conluio entre si, onerando o cidadão brasileiro e tratando Estado
como objeto de seu butim. Tudo isso seguindo as orientações estatais e
partidárias.
A livre-iniciativa foi outro princípio completamente
pervertido, pois livre era apenas o intervencionismo estatal. As empresas eram
previamente escolhidas tanto para participar das concorrências públicas quanto
na seleção das que deveriam ser declaradas vitoriosas nessa curiosa expressão
do “capitalismo” brasileiro.
Observe-se que não se trata simplesmente de um capitalismo
de compadrio, aquele que favorece determinados grupos que não pretendem seguir
as regras da livre concorrência; mas de um projeto político que procurava
subverter de dentro os princípios e valores de qualquer economia de mercado. Ou
seja, empresas vermelhas deveriam pôr-se a serviço da instauração gradativa de
uma sociedade socialista.
Para essas empresas e para o projeto estatizante petista não
valeriam as regras de uma economia concorrencial, aquela em que as empresas
vencedoras, as que se afirmam no mercado, são as que se destacam pelo mérito,
pela competitividade e pela inovação.
Um dos princípios sagrados de uma economia de mercado
consiste no respeito aos contratos e na segurança jurídica. Ora, o projeto
petista desembocou na mais completa insegurança, em que apenas as empresas
vermelhas tinham a segurança de investir, visto que seus contratos eram
sistematicamente alterados para auferirem maiores lucros. As demais ficavam à
mercê do arbítrio.
Há, ainda, todo um novo capítulo do que está por vir, quando
a Lava Jato passar a investigar mais sistematicamente as conexões dessas
empresas com certos países africanos e bolivarianos. A operação passará a
revelar como os governos petistas serviram para o enriquecimento ilícito de seu
partido e de seus integrantes, alguns até ficaram milionários.
Será a “Operação Angola”, que projetará uma nova luz sobre
as empresas vermelhas e o modo de atuação do PT, corrompendo governos
estrangeiros e fazendo lá o que fizeram aqui. Desnudar-se-á, então, toda uma
trama de relações em que os discursos de solidariedade se mostrarão como mera
encenação, um disfarce do vermelho que a tantos encantou.
Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na UFRGS
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