Artigo de Fernando Gabeira
Deve haver muitas formas de paranoia. Conheço pelo menos
duas. A que usa os fatos, deformando-os para parecerem uma grande ameaça. E a
que tem um tal dinamismo interno que chega a dispensar os próprios fatos. Não
considero que nenhuma dessas formas está presente quando se afirma que a
Operação Lava-Jato está ameaçada. Não é preciso estar muito longe de Brasília
para perceber isso. Por acaso, estou, relativamente perto, no Brasil central.
Mas de qualquer ponto do país, a sucessão de projetos de anistia e blindagem é
impressionante.
Para mim, tudo ficou muito claro quando escolheram Lobão
para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Não tenho mais idade para
duvidar: seus braços são tão longos, vovozinha; seus olhos são tão grandes; sua
boca é tão grande vovozinha. É o Lobão, ponto.
A mais nova tentativa é de Romero Jucá. Um projeto para
blindar presidentes da Câmara e do Senado. Segundo ele, não podem responder por
crimes anteriores à sua posse no cargo. Na verdade, estende para os dois a
mesma prerrogativa do presidente da República.
Se analisamos o conteúdo de todos os projetos mencionados —
anistia, proibição de o TSE punir partidos com contas irregulares — tudo vai na
mesma direção: legislar para se safar.
Leio que a Lava-Jato em Curitiba ficou satisfeita com a
escolha de Alexandre de Moraes para o STF. Inclusive acredita que ele vota pela
prisão de acusados julgados em segunda instância: algo que realmente evita que
as pessoas recorram em liberdade por anos a fio.
No entanto, um ministro do supremo não julga apenas a Lava-Jato.
Ele continua no seu posto por anos. Lewandowski e Dias Toffoli julgaram o
mensalão e seguem firmes tratando de muitos casos. Recentemente, Toffoli soltou
o ex-ministro Paulo Bernardo numa decisão polêmica.
Temer parece ter sentido a reação em defesa da Lava-Jato. E
anunciou esta semana as regras que deveria ter anunciado no primeiro dia de
governo. A partir de agora ministros denunciados se afastam e, caso se tornem
réus, deixam o governo.
Não acredito que essa permanente tentativa de blindagem dos
políticos será atenuada. Nem vejo dinamismo no STF para julgar todos os casos
com alguma rapidez. Isso não significa que muitos não possam ser condenados no
futuro. Mas deixa para 2018 uma única ferramenta de transformação: o voto.
Apesar de a sociedade brasileira ter amadurecido, não creio
que apenas o voto poderia fazer com que o Congresso passasse, de alguma forma,
a considerar as aspirações do país de uma forma prioritária.Ele pode realizar
reforma econômicas, evitar a quebradeira e ajudar o Brasil a reencontrar seu
caminho. Mas não abre mão dos privilégios e do velho esquema de corrupção que o
domina há tanto tempo.
Na juventude, costumava ironizar o lema de um partido
brasileiro, chamado UDN: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Vivíamos
num tempo de Guerra Fria, mas ainda assim perguntava: se não não temos um
segundo para relaxar, que tipo de liberdade é essa?
Hoje, não mais num contexto de luta ideológica como no
passado, combatemos ladrões em todos os pontos do espectro político. Não é
possível baixar a guarda. Diria até que uma ponta de paranoia é necessária,
porque mesmo quando não parecem estar tramando algo, estão em plena atividade.
As ligações telefônicas entre a cúpula do PMDB, reveladas por Sérgio Machado,
eram uma clara tentativa de sabotar a Lava-Jato, algo que agora fazem
abertamente.
Renan Calheiros encarna como ninguém essa tentativa. Ele é
investigado em 12 processos, alguns antigos, e agora passa a ser investigado
por obstrução à Lava-Jato, junto com a cúpula do PMDB. Quanto tempo levará para
ser julgado nos casos investigados? Quanto tempo levará para ser julgado por
obstruir as investigações?
Eles não param nunca. Quando não estão roubando, estão
obstruindo a investigação, ou, em certas horas, fazendo as duas coisas
simultaneamente. E o ritmo do STF é feito para que se movam em paz, seduzindo
os que aspiram à reforma econômica, mobilizando os que descobriram direitos
legais de acusados, depois que a elite começou a ser presa, enfim vão formar um
grande caldeirão destinado a cozinhar a sopa da mesmice brasileira.
Não creio que seja paranoia observá-los constantemente e
denunciá-los nas ruas. Diria até que não devemos nos preocupar tanto por estar
batendo neles: eles sempre sabem porque estão apanhando.
Por mais ridícula e despreparada que pareça, a classe
política brasileira é mestre universal na arte de sobreviver às denúncias. Eu
mesmo me equivoquei. Sempre denunciei o Sérgio Cabral como se fosse um simples
corrupto que comprava mansões e se divertia em viagens no exterior. Jamais imaginei
que estava lidando com o maior ladrão da História do Brasil e que todas aquelas
viagens eram também viagens de negócios para administrar sua fortuna.
A resistência no Brasil não pode ser acusada de paranoia.
Diante dos adversários calejados ela às vezes se parece com a ingenuidade do
Chapeuzinho Vermelho.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 19/02/2017
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