Elio Gaspari, Folha de S.Paulo
Nas próximas semanas chegará às livrarias "Tancredo
Neves, O Príncipe Civil", do repórter Plínio Fraga. Uma biografia daquele
mineiro miúdo, culto e conciliador é sempre algo mais do que uma visita ao
passado. É também uma iluminação para o presente. Tancredo Neves (1910-1985)
foi eleito presidente da República, adoeceu e só entrou no Planalto morto.
Arquiteto da grande conciliação de 1984, a única que partiu
da oposição, Tancredo, um civil, foi a maior figura política do período em que
o Brasil era governado por generais. Olhando-se para o enrosco da política de
hoje, sente-se a falta que faz um Tancredo. O que ele faria? Sabe-se lá, mas
ele saberia.
Plínio Fraga reconstruiu a figura do político conservador
que viveu numa oposição legal que abrigava a esquerda, o democrata
intransigente, conciliador com lances de inesperada inflexibilidade. Depois da
grande campanha pelas eleições diretas, ele se elegeu presidente pelo sistema
indireto. O livro de Fraga mostra, aos poucos, como ele operava essa mistura. O
menino Tancredo teve um pajem, o negro Custódio, neto da cozinheira dos Neves,
que continuou com a família depois da Abolição. Custódio ficou com os Neves até
morrer, aos 90 anos, anexando o sobrenome dos velhos senhores. Sabendo-se
disso, conhece-se a alma patriarcal de Tancredo.
Fraga revirou arquivos da família, do Departamento de Estado
e do Serviço Nacional de Informações, entrevistou dezenas de pessoas e produziu
um cartapácio de 648 páginas, dividido em capítulos curtos. Um trabalho desse
tamanho carrega sempre imprecisões, felizmente pouco relevantes. Juarez Távora
não combateu com a Força Expedicionária Brasileira e na fotografia da posse de
Tancredo como ministro da Justiça, em 1953, o chefe da Casa Civil Lourival
Fontes está na legenda, mas não está na cena.
"O Príncipe Civil" faz revelações relevantes de
fatos que sempre circularam à boca pequena no andar de cima, desde que não
fossem contados à turma de baixo. Segredos que os Polichinelos administraram
por mais de 30 anos.
Fraga expôs a caixa da campanha de Tancredo. Maluf, seu
adversário, era acusado de ser "o candidato do milhão". A caixa de
Tancredo foi gorda, abastecida por dezenas de endinheirados, entre eles o
empreiteiro Sebastião Camargo e o industrial Jorge Gerdau. Na equipe de
coletores estiveram os empresários Sergio Quintella e João Pedro Gouvea Vieira,
mais Tancredo Augusto, filho do próprio candidato, e José Hugo Castello Branco,
que viria a ser chefe da Casa Civil do novo governo. Lá estava também o
banqueiro Ronaldo Cezar Coelho, que hoje é freguês da Lava Jato.
Estima-se que a caixa de Tancredo tenha amealhado o
equivalente a US$ 45 milhões em dinheiro de hoje. A maior parte desse dinheiro
foi gasta. Talvez tenham sobrado uns US$ 10 milhões. Cadê? Teriam ido para
instituições de caridade ou para Risoleta, viúva de Tancredo.
"Conversa fiada", disse Tancredo Augusto a Plínio
Fraga. Ele acrescenta, referindo-se a um depositário das "sobras":
"Filho da puta".
Uma pessoa devolveu um cheque dessa caixa. Foi Antônia
Gonçalves de Araújo, a poderosa secretária de Tancredo. Essa é a segunda
exposição de Fraga. "Dona Antônia", uma bonita morena, era
funcionária do Congresso e conheceu Tancredo em 1971. Ela tinha 38 anos, ele
61. A relação dos dois durou até 1985. Foi um romance diferente daqueles que
Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso tiveram fora
de seus casamentos. "Dona Antônia" era também a chefe de gabinete do
"Doutor Tancredo" e por alguns meses foi a mulher mais poderosa da
República. Mencionar seu nome demonstrava prestígio, revelar sua condição,
suicídio.
Fraga entrevistou "Dona Antônia". Aos 84 anos, ela
tem na parede de sua sala o ato de Tancredo nomeando-a secretária do presidente
da República. Antônia fala ao longo de sete páginas emocionantes, sobretudo
quando conta como conseguiu entrar no hospital, à sorrelfa, para se despedir de
Tancredo.
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