Da ISTOÉ
8 ministros 12 governadores 24 senadores 37 deputados 5
ex-presidentes
A República acordou, na manhã de terça-feira 11, do seu
estupor catatônico. O meio político, paralisado há semanas à espera do teor das
delações, tomava conhecimento de trechos do bombástico depoimento do empresário
Marcelo Odebrecht ao juiz Sergio Moro em que ele escancarava, com uma
naturalidade espantosa, o funcionamento da engrenagem da propina montada pela
empresa destinada a turbinar seus negócios durante os governos do PT. Era
apenas um aperitivo da hecatombe política que ainda estava por vir. No final
daquele dia, o ministro-relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF),
Edson Fachin, levantou o sigilo dos pedidos de inquéritos e dos relatos de 77
executivos da Odebrecht envolvendo políticos de todos os matizes, siglas e
esferas de poder. Quase ninguém sobreviveu ileso aos estilhaços da bomba
atômica que implodiu todo um modelo político. Integrantes do governo de Michel
Temer, quatro ex-presidentes, 24 senadores, 42 deputados, oito governadores e
diversos políticos sem mandato, mas ainda com muito poder, foram os alvos dos
mais de 900 depoimentos que, de uma só vez, ganharam as praças, os botequins e
as redes sociais.
Os vídeos, disponibilizados na quarta-feira 12, contendo as
revelações escabrosas de dirigentes da maior empreiteira do País, constituem
uma espécie de longa metragem da corrupção. Para o brasileiro que amarga o
desemprego, os altos impostos e os serviços públicos precários, trata-se de um
filme de terror, com doses cavalares de crueldade. Os delatores se referem ao
caixa dois e as propinas como se fosse algo corriqueiro e até banal. Só a Odebrecht
calcula que gastou com os políticos R$ 451 milhões. Do total, R$ 224,6 milhões
vieram de obras e contratos com governos. “Sempre entendi, e entendo, que,
infelizmente, se deteriorou muito. É uma questão de nivelamento por baixo. (…)
Gostaria de dar ênfase. (…) Pelo que eles brigavam? Por cargos? Não, todo mundo
sabia que não era. Era por orçamentos gordos. Os partidos colocavam seus
mandatários com a finalidade de arrecadar recursos para o partido, para os
políticos”, reconheceu o patriarca da Odebrecht, Emílio Odebrecht.
A corrupção não escolhe partido
Indícios de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, caixa
2, falsidade ideológica recaíram sobre próceres do PMDB, PT, PSDB, DEM, PP,
PSD, PSB, SD, PR, PRB, PPS, PCdoB, PTC, PTB. Com base nas delações, e atendendo
a um pedido do procurador geral da República, Rodrigo Janot, Fachin abriu 74
inquéritos contra mais de 100 políticos. O ministro enviou ainda 201
investigações contra quem não possui foro privilegiado para instâncias
inferiores. Os estados vão ser abarrotados de processos nos próximos anos.
Serão necessários no mínimo mais três anos apenas para as apurações regionais.
Mas foi no topo do sistema que os depoimentos provocaram
mais estragos. Além de Michel Temer, os ex-presidentes Lula, Fernando Henrique
Cardoso, Dilma Rousseff e Fernando Collor tiveram suas imagens tisnadas pelas
delações. De acordo com Marcelo Odebrecht e o ex-diretor de relações
Institucionais da empreiteira, Cláudio Melo Filho, a campanha de Temer teria
recebido entre R$ 4 milhões e R$ 10 milhões da empreiteira. Já o executivo
Márcio Faria disse que tratou com o atual presidente do pagamento de US$ 40
milhões a partir de contrato com a Petrobras em 2010. Temer refuta as
acusações. Afirmou que foi o ex-deputado Eduardo Cunha quem levou Faria até
ele, mas que o tema não foi tratado: “Temer jamais tratou de valores com o
senhor Márcio Faria. A narrativa divulgada não corresponde aos fatos e está
baseada em uma mentira absoluta”, disse a assessoria do presidente.
Como a Constituição proíbe que presidentes sejam
investigados por fatos estranhos ao mandato atual, Temer não responderá a
inquérito no STF. Seu governo, no entanto, sofreu abalos incontestáveis. Nada
menos do que oito ministros viraram alvo de investigações: Eliseu Padilha (Casa
Civil), Moreira Franco (Secretaria Geral), Gilberto Kassab (Ciência e
Tecnologia), Helder Barbalho (Integração Nacional), Aloysio Nunes (Relações
Exteriores), Blairo Maggi (Agricultura), Bruno Araújo (Cidades), Marcos Pereira
(Indústria, Comércio Exterior e Serviços). No caso específico do ministro da
Cultura, Roberto Freire (PPS), Fachin ordenou que o pedido de investigações
fosse enviado de volta à PGR para analisar possível prescrição do crime
noticiado. Um dos homens fortes do governo, Padilha é alvo de dois inquéritos,
um deles em companhia de Moreira Franco. Segundo a Procuradoria Geral da
República, depoimentos de seis delatores, entre eles Marcelo Odebrecht e
Benedicto Júnior, “indicam forte elementos que indicam a presença de crimes
graves”. A petição que abre o inquérito 4462, de 69 páginas, menciona repasses
em troca de favores nas concessões da Secretaria de Aviação Civil.
A elite política do Congresso, fortemente atingida pelos
depoimentos, agora junta os cacos para saber o que sobra e quem permanece no
jogo para 2018. Na lista de Fachin, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), com dois inquéritos, e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), estão
ao lado de políticos de proa como os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), com
quatro inquéritos, e Aécio Neves (PSDB-MG), com cinco. Em relação ao tucano,
Marcelo Odebrecht confirma que foram feitas doações de campanha, por dentro e
por fora. Mas não houve contrapartidas.
Como não poderia deixar de ser, a devastação de toda uma
classe política em conseqüência das delações da Odebrecht repercutiu na
imprensa internacional. Para a rede BBC, de Londres, “novas e dramáticas
denúncias de corrupção” fizeram “sacudir” o País. Para o cientista e
pesquisador do Insper, Carlos Melo, “a lista revela situação sistêmica, e a
deterioração da relação das empresas com o Estado, que passa pelo clientelismo
e pela corrupção.” Para ele, o cinismo com que as cúpulas partidárias reagiram
às revelações que devastaram a República pode reforçar um contundente contra-ataque
às necessárias mudanças na cultura política. O deputado Paulinho da Força
(SD-SP), com dois inquéritos nas costas, foi um dos que desdenhou:“Quem tem de
se preocupar é quem não está na lista. Isso é um desprestígio”. Para Melo, pode
ser a senha para um grande acordão. Em sua avaliação, a solução passa por ir
além de sair às ruas e protestar. É preciso mudar o sistema, com medidas duras
como a redução da quantidade de mandatos e de cargos à disposição. Mas, para
isso, pondera, é necessária uma reforma na Constituição com pessoas de fora do
atual Congresso.
No clima de salve-se quem puder, políticos de todas as
colorações partidárias farão qualquer coisa para se proteger, inclusive
rejeitar reformas que possam fazê-los perder votos. O que não pode ocorrer é a
paralisação das mudanças estruturais propostas pelo atual governo, como a
reforma da Previdência, o que prejudicaria a recuperação da economia.
É evidente também que a atmosfera apocalíptica, ao colocar
todos no mesmo patamar ético e moral, como se isso fosse possível, serve aos
interesses daqueles que reconhecidamente foram os mentores e arquitetos do
maior esquema de corrupção da história recente brasileira. Por isso, é
fundamental separar o joio do trigo. Distinguir os políticos que foram
agraciados com doações eleitorais legais daqueles que receberam propina para
favorecer empresas, partidos ou mesmo para enriquecimento próprio. Não há
dúvidas de que todos os crimes são crimes e quem os comete merece ser julgado
e, se for o caso, condenado, à luz das leis vigentes e do estado democrático de
direito. Ocorre que os que querem colocar todos no mesmo barco não estão em
sintonia com os brasileiros que vão às ruas para clamar pela continuidade da
Lava Jato e pela punição dos corruptos. Os interessados em igualar a todos,
como se caixa dois, propina em benefício pessoal e um esquema na Petrobras
montado por um governo, fossem faces da mesma moeda, não querem a punição de
políticos sem distinção. Desejam na verdade, com esse argumento, um salvo
conduto para voltarem faceiros ao poder em 2018. Muita atenção, eleitor!
Delação Emílio Odebrecht – sobre a relação com políticos
“A corrupção está institucionalizada”
“Sempre entendi, e entendo, que, infelizmente, se deteriorou
muito. É uma questão de nivelamento por baixo.
O que nós temos no Brasil não é negócio de cinco anos, dez
anos. Estamos falando de trinta anos. Tudo o que está acontecendo era um
negócio institucionalizado. Era uma coisa normal. Em função do número de
partidos. Pelo que eles brigavam? Por cargos? Não, todo mundo sabia que não
era. Era por orçamentos gordos.
Os partidos colocavam seus mandatários com a finalidade de
arrecadar recursos para o partido, para os políticos.
Isso é feito há trinta anos”
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