Este período conturbado em que se somam crises econômica e
política tem servido para expor várias das mazelas brasileiras, enquanto
partidos, corporações de diversos tipos e organizações variadas se mobilizam na
defesa de respectivos interesses.
Já a maioria desorganizada, de renda baixa, apenas lembrada
em discursos políticos em favor do “povo”, observa. Ela é que costuma pagar o
preço dos acertos feitos entre poder político e categorias influentes no
Congresso — servidores públicos, sindicatos fortes do setor privado —, para a
criação e aumento de vantagens pecuniárias.
A própria característica desta crise econômica, sem inflação
elevada, rara no Brasil, aumenta muito a percepção pela sociedade da proporção
da renda que pode ganhar ou perder, em função do imprescindível ajuste fiscal a
ser feito. De forma benigna, por reformas justas aprovadas no Congresso; ou por
mal, via hiperinflação e recessão, caso nada seja feito. Novamente, a maioria
desorganizada pagará a conta.
A capacidade de corporações agirem em interesse próprio sob
o disfarce de paladinos da sociedade tem ficado muito visível, por exemplo, em
manifestações de rua e depredações criminosas, contra a democracia. Não é o
povo que participa desses ataques.
Nas negociações em torno da proposta de reforma da
Previdência, tudo fica muito claro. Corporações sindicais e de servidores
públicos se movimentam, pressionam, para manter privilégios.
Os do funcionalismo público federal são gritantes: manter o
último salário como aposentadoria, sendo reajustada na mesma proporção dos
aumentos dados ao servidor na ativa. Ao lado disso, a grande maioria dos
trabalhadores, segurados junto ao INSS, tem como teto de benefício cinco
salários mínimos (R$ 5.531). Reforma iniciada na gestão de Lula e concluída por
Dilma Rousseff estabeleceu, ao menos, que servidor com a carreira iniciada a
partir de 2003 está limitado ao mesmo teto do INSS, e, se quiser complementar a
aposentadoria, deve contribuir para um fundo de pensão.
Muito justo. Mas quem é servidor desde antes continua com a
mesma vantagem, e ainda luta para não ter de seguir uma regra de transição
razoável proposta pela reforma atual para se subordinar à regra do limite de 65
anos de idade.
Porque o Tesouro foi subjugado por fortes grupos de
interesse, a distribuição de renda brasileira é das mais injustas. Em artigo
publicado no GLOBO, os economistas José Márcio Camargo, André Gamerman e
Rodrigo Adão calculam em R$ 1,3 trilhão, em valores não atualizados, a
transferência feita pelo Tesouro para cobrir o déficit do sistema de
previdência do servidor federal, entre 2001 e 2015. Ou seja, R$ 1,3 milhão para
cada servidor aposentado ou R$ 86 mil anuais.
Esta dinheirama do contribuinte, destinada a pouco menos de
um milhão de servidores inativos, equivale a três vezes a despesa com os 4,5
milhões de idosos e deficientes enquadrados no Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e cinco vezes o orçamento do Bolsa Família, de que dependem
13,5 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas ao todo. Parte desses
recursos poderia ir para saúde e educação, por exemplo.
Está explicado por que os servidores federais aposentados
incluem-se entre os 2% mais ricos do país. A situação fica mais disparatada
quando se inclui o aposentado do Judiciário, do Ministério Público e do
Legislativo. O mesmo padrão se repete no funcionalismo estadual e municipal.
A reforma da Previdência, portanto, também precisa servir
para reduzir as desigualdades sociais. Conhecer esses números ajuda a saber
quem de fato está nas ruas contra as mudanças, em nome de quem protesta.
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