Editorial, O GLOBO
Para melhor compreendermos as violentas manifestações de rua
desta última semana, tendo como roupagem todo um falso vocabulário democrata,
torna-se necessário melhor avaliarmos a questão do Estado e da democracia.
Quando o presidente Temer se viu confrontado com a violência
instaurada em Brasília, foi levado a fazer uma escolha, tendo como foco o
restabelecimento da autoridade estatal, que estava sendo minada. Tomou para si,
enquanto presidente da República, a difícil decisão de chamar o Exército para a
defesa da ordem pública, abalada. Deixou claro para a sociedade brasileira que
seu objetivo consistiu em defender o Estado e o regime democrático.
Se não o fizesse, não estaria exercendo a autoridade que lhe
confere a Constituição. Se não o fizesse, estaria abdicando de sua função de
governar, dando livre curso à violência. Se não o fizesse, estaria dando o
exemplo de que o caminho da desordem pública estaria aberto para novas
manifestações por todo o país. Se não o fizesse, estaria renunciando a
sustentar o Estado. Um sim seria dado à generalização da violência.
Vivemos uma situação única, e particularmente explosiva,
pois, após a captura do Estado pelo aparelho lulopetista e aliados, com a
corrupção tendo se infiltrando decisivamente no sistema político-partidário, as
regras democráticas começaram a servir aos mais distintos propósitos. Por
exemplo, as manifestações são apresentadas como “pacíficas”, próprias a um
regime democrático, quando visam, na verdade, a enfraquecer ainda mais a
democracia por intermédio da violência.
Que não se venha repetir a patranha de sempre, a saber, que
as manifestações são pacíficas, porém “infiltradas” pelos black blocs. Todas as
manifestações da esquerda são acompanhadas pela violência, o que não acontece
com as organizadas pelo MBL, Vem Para a Rua e outros movimentos, que levaram ao
impeachment da ex-presidente Dilma. Tanto são os vândalos acobertados que,
mascarados e com bombas caseiras, são defendidos pelos mesmos grupos de
esquerda que organizam estas manifestações.
São, também, defendidos por advogados da mesma esquerda, que
se autointitulam “democratas” e defensores dos “direitos humanos”. Na Câmara
dos Deputados e no Senado, são apoiados por parlamentares que, nestas Casas,
têm introduzido a baderna enquanto meio de paralisação dos trabalhos
parlamentares. Reproduzem o mesmo estilo de atuação, que toma a democracia para
subvertê-la.
A anomia caracteriza-se pelo fato de as regras democráticas
começarem a funcionar no vazio, como se fossem independentes do Estado. Dados a
herança lulopetista e os seus desdobramentos posteriores, os cidadãos não se
sentem mais representados, o que faz com que as instituições sejam
enfraquecidas e, mesmo, corroídas por dentro. Segue-se a falar de democracia em
um quadro de desmoronamento institucional.
Pode ocorrer que o uso que se faça das regras democráticas
tenha o intuito de enfraquecer o próprio Estado. Defende-se uma forma de
democracia que começa a perder sua substância, uma vez que o aparelho estatal
se desarticula, vítima que veio a ser de uma apropriação “privada e partidária”
e criminosa. O Estado foi tomado de assalto e os invasores apresentam-se como
democratas.
Quando o presidente Temer assinou o decreto de Garantia da
Lei e da Ordem, ele nada mais fez do que seguir a Constituição, em seu artigo
142, que lhe atribui esta função na defesa do estado democrático de direito.
Deixou claro que não compactuaria com a desordem, nem com a subversão da
democracia. Deixou igualmente claro que, uma vez restabelecida a ordem,
revogaria o referido decreto, o que foi feito no dia seguinte, quando os
manifestantes saíram em seus ônibus de Brasília.
Note-se que a atitude do Exército, como foi expresso pelos
ministros do GSI, general Sergio Etchegoyen, e da Defesa, Raul Jungmann, foi
nitidamente defensiva, visando a resguardar a vida dos funcionários nos
ministérios depredados e incendiados e o patrimônio dos prédios públicos federais.
Imaginem a angústia e o medo de funcionários em ministérios
que estão sendo incendiados, devendo fugir das chamas, da fumaça e da asfixia.
Imaginem a angústia e o medo de pessoas trabalhando em seus escritórios, sob o
impacto de pedras e outros artefatos que destroem as paredes de vidro de suas
instalações. O que poderia ter acontecido se a violência não tivesse sido
contida?
Os esquerdistas de sempre, PT, PSOL, PCdo B e Rede, logo
passaram a falar de “repressão militar”, violação da democracia e assim por
diante, em um festival de besteiras sem igual. Alguém viu o Exército reprimindo
alguém? Há um único vídeo ou foto a este respeito?
Repito: teve uma atitude defensiva, de contenção da
violência que se espalhava por toda a Esplanada dos Ministérios. Simbolicamente,
sustentou as instituições e a democracia. Os falsos democratas são os que se
insurgem contra essa atitude constitucional e compactuam com a violência.
Para quem esteve em Brasília neste dia, a capital federal
mais parecia uma praça de guerra. Fumaça em vários lugares, bombas sendo
lançadas por manifestantes, vândalos atacando a polícia, em vez dela fugirem,
incêndios em ministérios e nas ruas, pontos de ônibus destruídos e banheiros
químicos queimados.
A Polícia Militar do Distrito Federal tinha sido
transbordada, não sendo mais capaz de exercer a sua missão. A Força Nacional
existente naquele momento em Brasília era constituída de um pouco mais de cem
policiais, número nitidamente insuficiente para conter a violência que se
alastrava.
O presidente Temer fez o que deveria ter feito,
restabelecendo a ordem, com o auxílio do Exército, no estrito cumprimento de
suas responsabilidades constitucionais. Protegeu o patrimônio nacional e a vida
das pessoas, transmitindo à nação a mensagem de que a violência não é opção
para a democracia. Não há democracia sem autoridade estatal.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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