terça-feira, 30 de maio de 2017

CONVERSA COM MARINA

Os 3 principais partidos políticos brasileiros passaram a agir em conjunto para desmoralizar a Lava Jato. Assim opina a porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade, Marina Silva. Ela disse ainda não acreditar em abusos da parte dos investigadores e elogiou a ação de procuradores e juízes.
A presidenciável recebeu o Poder360 na tarde da última 6ª feira (26.mai.2017), na sede do partido comandado por ela, em Brasília.
É viável um “grande acordo nacional” para “estancar a sangria” e acabar com as investigações de corrupção? “Eles [os principais partidos] estão tentando”, diz Marina Silva.
“Exatamente aqueles que nunca se uniram em função de causas para o Brasil agora se unem em favor de detratar a Lava Jato. E de tomar medidas para enfraquecê-la”, diz ela.
Eis a transcrição integral da entrevista de Marina Silva:
Poder360 – Michel Temer deveria renunciar?
Marina Silva – Naquela oportunidade [em dezembro de 2016] era a chance que ele tinha de prestar um serviço ao Brasil. E obviamente que isso dependia da sua consciência. Mas diante da crise que nós temos, e do aprofundamento da crise depois da delação de Joesley Batista, e da manifestação dele de que não iria renunciar, eu acho que consciência é um produto escasso. Então o melhor caminho é aquele que eu sempre defendi, desde 2015: a cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE.
O TSE [ao cassar a chapa] cumpre com a legalidade do ponto de vista constitucional, pois está comprovado que houve um crime eleitoral grave, com o caixa 2 e o uso de dinheiro da corrupção. E ao mesmo tempo ajuda a alcançar a finalidade, que é devolver à sociedade a possibilidade de escolher aquele que irá fazer a transição para saírmos da crise.
A legislação diz que, em caso de cassação da chapa, a menos que seja a 6 meses do pleito, é possível uma nova eleição. E tanto é possível que está sendo aplicada para os governadores, no caso do governador [cassado] do Amazonas [José Melo, do Pros]. E poderá ser apreciado pelo TSE, pois já há inclusive um parecer pronto do ministro [do STF] Roberto Barroso.
Se houver eleições diretas agora, você será candidata? E no caso de eleições indiretas?
Esse é um momento no qual eu acho que é um desserviço falar em candidatura. Antes de a gente ter a decisão de que haverá novas eleições. Aliás, esse movimento por eleição direta deveria ser um movimento da sociedade, evitando o protagonismo exacerbado de figuras que potencialmente possam vir a ser candidatas e dos partidos políticos. Os partidos, a maioria deles, criou essa crise. Agora é preciso deixa a sociedade recuperar o seu direito legítimo, inscrito no artigo 1º da Constituição: “todo poder emana do povo, e por ele será exercido”. Para que ela possa repactuar as bases sobre as qual nós vamos legitimar esse programa de transição. A Rede defende as diretas entendendo que é o melhor caminho. Eu estou dizendo isso desde 2015: o impeachment [da ex-presidente Dilma] tinha legalidade, mas não ia alcançar a finalidade, pois [os 2 integrantes da] chapa Dilma-Temer são faces da mesma moeda. Eles praticaram os mesmos erros e os mesmos crimes juntos.
É preciso ser muito crédulo [para achar que] você poderia tirar uma parte e a outra seria a solução. Então neste momento nós estamos chegando no lugar onde nunca deveríamos ter saído, que é a cassação da chapa Dilma-Temer. Por uma razão muito simples: a Justiça criminal está fazendo o seu trabalho. Está punindo empresários, políticos, quem quer que seja. A Justiça Eleitoral tem dupla razão para fazer também o seu. A 1a é o fato de que, se são crimes, precisam ser julgados e punidos. E a 2a razão é que são crimes contra a democracia. E ela tem a obrigação de mostrar exemplarmente que o crime eleitoral, o crime contra a democracia, não compensa.
Você acha que alguns políticos estão exagerando nesse papel de pré-candidato, neste momento?
Se for a pré-candidatura para 2018, é legítimo. [Há] os que já estão com as suas pré-candidaturas na rua, porque aí é o calendário normal das eleições. Eu me refiro a este momento agora, em que ainda não temos uma decisão do TSE. Não temos ainda uma decisão de se haverá uma eleição direta, ainda que seja o melhor caminho. E eu sei que há base legal para que se possa fazer isso. Se colocar como candidato antes que haja a decisão constitucional de que é possível haver eleição seria, como diz a minha avó, colocar o carro adiante dos bois.
Alguns críticos dizem que a senhora só reaparece na época da eleição. Como você responde?
Primeiro, dizendo que isso não é verdade. Você mesmo acabou de dizer que eu escrevi 1 artigo [para o Poder360, em 22.dez.2016] dizendo que o presidente deveria renunciar quando existia uma parte que queria incensa-lo e outros que o estavam demonizando. Eu dizia que o caminho era o julgamento da chapa [no TSE] e que os atalhos só iriam levar a abismos. Porque é claro que as investigações, que estavam prosperando, iam chegar onde chegaram. Levando a uma crise da sustentação política e ética [de Michel Temer] para dirigir a nação.
Eu entendo isso muito mais como uma estratégia autoritária por parte de alguns. Como eu não faço parte de um dos campos que promovem a polarização, e tenho um posicionamento independente, as pessoas não conseguem imaginar que possa existir uma outra fala, ou que possa existir um outro lugar. Então, se você não é contra o Temer e à favor da Dilma, ou vice-versa, você não existe. Eu sempre dizia que o impeachment não era golpe. Mas que, além de não alcançar a legalidade, não ia alcançar a finalidade. Ninguém estava dizendo isso. Então as pessoas preferiam dizer que não é uma fala.
Eu dizia que o melhor caminho era o julgamento do TSE. As pessoas não estavam dizendo isso. Nem o PSDB, que entrou com a ação [contra a chapa Dilma-Temer]. Então, preferem dizer que eu estava calada. Eu dizia que era preciso dar todo apoio à Lava Jato, que ninguém está acima da lei. Que a Justiça está fazendo um trabalho histórico para o Brasil e que está ajudando a fazer a reforma política na prática. Ninguém estava dizendo isso, então preferem dizer que não era uma fala. É uma fala, só que de um outro lugar, de um outro campo.
E obviamente que tem um outro equívoco, [cometido por] alguns por má intenção e outro por desinformação. Durante o processo eleitoral você tem, por obrigação legal, um espaço em que você aparece todo dia praticamente [o horário eleitoral]. Aparece nos jornais, que têm que fazer uma cobertura minimamente equânime. Na exposição da grande mídia. Quando passa o período eleitoral você não terá mais esse espaço. E existe algumas pessoas que, até por desinformação, acham que você poderia manter esse espaço. Outros [dizem isso] por má-fé.
E há também o fato de eu não ter mandato. Eu sou uma cidadã que tenho que fazer o meu trabalho. Foi uma escolha minha não querer me recandidatar a um 3º mandato pro Senado ou pra qualquer outro cargo no Congresso. E obviamente que isso cria uma dificuldade. Quem está na tribuna vai criando fatos. Alguns fatos que, enfim, não são nem bons de aparecer. E obviamente que, não aparecendo na mídia também nesses fatos [denúncias] as pessoas preferem dizer que você não existem.
Ganha força no meio político e jurídico a avaliação de que a Lava Jato está cometendo abusos e arbitrariedades. Você concorda?
Não concordo. Acho que a operação Lava Jato está fazendo um grande trabalho para o Brasil. Eles estão fazendo, nesses poucos anos, aquilo que levaríamos um século para conseguir. Desmontando esse mecanismo perverso de corrupção que junta o poder econômico e o poder político para perpetuar um grupo no poder econômico e o outro grupo no poder político. O trabalho que está sendo feito tem base na Constituição e na legislação. Vivendo sob o fogo cruzado de uma série de acusações, o tempo todo. Mas em 95% dos casos, se confirma [nas instâncias superiores] que de fato estava havendo um problema grave de corrupção.
E claro, a Justiça tem os seus mecanismos [para apurar o que foi levantado] no expediente da colaboração premiada, sem considerar que aquilo é a verdade em si mesma. O fato de alguém estar sendo investigado não o coloca a priori como culpado, mas também não pode colocar como inocente. Senão não haveria como a Justiça e a polícia fazerem o seu trabalho.
Estão fazendo um trabalho de grande relevância para o país e sofrem hoje a oposição dos principais partidos da polarização, que estão sendo investigados. PT, PSDB, PMDB e seus satélites. Exatamente aqueles que nunca se uniram em função de causas para o Brasil agora se unem em favor de detratar a Lava Jato. E de tomar medidas para enfraquece-la. É o caso da proposta do senador Renan [Calheiros, do PMDB-AL], em relação ao abuso de autoridade, o projeto de anistia para o caixa 2. E também a desconstituição das 10 medidas que foram apresentadas pelo Ministério Público.
A sra. acha que é possível esse desmonte da Lava Jato?
Eles [PT, PSDB, PMDB] estão tentando. A possibilidade de que a imprensa vá colocando os fatos sobre o que está acontecendo tem ajudado a sustentar. Mas o que está sustentando a Lava Jato é a capacidade técnica que os juízes e os procuradores e os investigadores têm. E obviamente que o expediente da delação premiada tem dado uma contribuição para que se tenha as pistas para a investigação. O apoio da sociedade para que o Brasil seja passado a limpo é imprescindível. Isso não é apoio ao juiz. O juiz é apenas um juiz, ele vai ter que se ater aos autos, não importa quem seja [o réu]. Se for inocente é inocente, se for culpado é culpado. O que eu tenho dito é que ninguém pode ser visto como poderoso demais, importante demais, popular demais para se sentir acima da lei. A lei deve ser igual para todos. É isso que a Lava Jato está trazendo de novo, fazendo uma espécie de reforma política na prática. Tornando a política desinteressante para quem quer fazer negócios espúrios com a política e deixando a política para quem quer prestar um serviço.
O INPE estima que o desmatamento na Amazônia cresceu 29% em 2016, em relação ao ano anterior. O que deu errado?
O que está acontecendo é que nós temos o maior retrocesso da história do nosso país na agenda ambiental. Isso começou com o governo da presidente Dilma. Agora estão sendo aprofundados os retrocessos que ela já vinha praticando. E [há] as consequências da mudança do Código Florestal. O Código foi mudado. Inclusive a lei que regularizou uma área enorme de mais de 41 milhões de hectares de terra grilada. Isso passou a ser um incentivo para a ocupação de novas áreas, principalmente de terras públicas. Para que depois se faça pressão sobre os governantes para regularizar essas áreas, como foi feito anteriormente com o código florestal.
Aliás um dos argumentos que eles utilizavam era o de que isso deveria ser feito em função dos pequenos [produtores rurais]. Agora, o estudo que foi apresentado, me parece que pelo Imazon, dá conta de que cerca de 60% das áreas que foram regularizadas pertencem a 6% dos proprietários. 6% dos proprietários ficaram com 60% das áreas que foram regularizadas, de terra ocupada em espaços públicos que eram áreas de floresta da União, da sociedade brasileira.
E ainda temos os outros retrocessos que estão em curso. Em relação à mineração, do licenciamento ambiental, que agora querem que seja um licenciamento expedito [mais rápido]. E o feito inédito de um governo que não cria uma unidade de conservação [reserva ambiental] e ainda reduz as que já existiam, como foi agora o caso da Floresta Nacional do Jamanxin [no Pará] e mais uma floresta no Paraná. Foram reduzidos 600 mil hectares de floresta nacional por esse governo. É o primeiro caso de crescimento negativo. Não cria e ainda revoga as que foram criadas por governos anteriores. Aliás, essa prática começou com o governo da presidente Dilma, que foi quem menos assentou trabalhadores rurais, quem menos demarcou terra indígena e quem menos criou unidades de conservação. O governo Temer não criou uma terra indígena, não criou uma unidade de conservação e ainda diminuiu as que existem.
Em balanço, a sra. acha que Temer consegue ser ainda pior que Dilma, ou fica empatado?
Eles são faces da mesma moeda. Ele está aprofundando os retrocessos que já vinham acontecendo. A presidente teve um dos piores desempenhos. E obviamente que como eles ganharam o governo sem um programa,  ele só dá continuidade ao que já vinha sendo feito. Só que agora nós temos o aprofundamento da crise. E, no governo da presidente Dilma, quando ela começou a ficar mais fragilizada, a primeira agenda que entrou como moeda de troca foi a agenda ambiental e agenda indígena.
No governo Temer, ela [a agenda ruralista] está a pleno andamento no Congresso Nacional, diminuindo unidades de conservação, mudando a legislação do licenciamento ambiental, impedindo o trabalho que deveria ser feito pela Funai. E tendo no Ministério da Justiça um ministro [o então ministro Osmar Serraglio] que advoga a causa de um setor em prejuízo do trabalho de mediação que deveria fazer em benefício de todos, inclusive dos índios.
Gostaria que você compartilhasse suas impressões sobre algumas figuras que estão em evidência neste momento. 
Joesley Batista:
Provou ser um dos campeões nacionais da corrupção.
Sérgio Moro:
Um homem que tem colocado o seu compromisso e competência a serviço da Justiça.
Cármen Lúcia:
Deu uma grande contribuição quando decidiu homologar a delação feita pela Odebrecht.
Deltan Dallagnol:
Um servidor a serviço da Justiça.
Lula:
Trocou o projeto de país por 1 projeto de poder.
João Dória:
Tem se colocado como o porta-voz da ambiguidade política.
Jair Bolsonaro:
Tem se colocado como um remanescente do autoritarismo.
Ciro Gomes:
É o pré-candidato do PDT.
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