Da VEJA
O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à
Presidência da República, admitiu em 1987 ter cometido atos de indisciplina e
deslealdade para com os seus superiores no Exército, segundo revelação feita
nesta segunda-feira em reportagem do jornal Folha de S. Paulo. A admissão
ocorreu em uma investigação interna conduzida pelo Exército com base em um
artigo e uma reportagem publicados por VEJA – o primeiro, escrito pelo próprio
Bolsonaro, foi publicado em 1986 e nele o capitão reclama que “o salário está
baixo”; a segunda, em 1987, revela que ele elaborou um plano que previa a
explosão de bombas em quartéis e outros locais estratégicos no Rio de Janeiro.
“Como capitão do Exército brasileiro, da ativa, sou obrigado
pela minha consciência a confessar que a tropa vive uma situação crítica no que
se refere a vencimentos. Uma rápida passada de olhos na tabela de salários do
contingente que inclui de terceiros-sargentos a capitães demonstra, por
exemplo, que um capitão com oito a nove anos de permanência no posto recebe –
incluindo soldo, quinquênio, habitação militar, indenização de tropa,
representação e moradia, descontados o fundo de saúde e a pensão militar – exatos
10.433 cruzados por mês”, escreveu no artigo publicado na edição de VEJA de 3
de setembro de 1986.
“Esse quadro é a causa sem retoques da evasão, até agora, de
mais de oitenta cadetes da Aman [Academia Militar das Agulhas Negra]. Eles
solicitaram desligamento. Não foram expulsos, como sugere o noticiário”,
escreve Bolsonaro, citando notícias que relatavam que dezenas de militares
haviam sido expulsos por “homossexualismo, consumo de drogas e uma suposta
falta de vocação para a carreira”. “Em nome da verdade: é preciso esclarecer
que, embora tenham ocorrido efetivamente casos residuais envolvendo a prática
de homossexualismo, consumo de drogas e mesmo indisciplina, o motivo de fundo é
outro. Mais de 90% das evasões se deram devido à crise financeira que assola a
massa dos oficiais e sargentos do Exército brasileiro”.
No final do artigo, Bolsonaro diz que “torna público este
depoimento para que o povo brasileiro saiba a verdade sobre o que está
ocorrendo”. “Corro o risco de ver minha carreira de devoto militar seriamente
ameaçada, mas a imposição da crise e da falta de perspectivas que enfrentamos é
maior. Sou um cidadão brasileiro cumpridor dos meus deveres, patriota e
portador de uma excelente folha de serviços. Apesar disso, não consigo sonhar
com as necessidades mínimas que uma pessoa do meu nível cultural e social
poderia almejar”.
Após a publicação do artigo, Bolsonaro foi preso por
“transgressão grave”, acusado de “ter ferido a ética, gerando clima de
inquietação no âmbito da organização militar” e também “por ter sido indiscreto
na abordagem de assuntos de caráter oficial”.
Bombas
Em 1987, na edição de 25 de outubro, VEJA publicou a
reportagem “Pôr bombas nos quartéis, um plano na Esao [Escola Superior de
Aperfeiçoamento de Oficiais]”, mostrando que Bolsonaro e outro militar, Fábio
Passos, tinham um plano de explodir bombas em unidades militares do Rio para
pressionar o comando.
“Só a explosão de algumas espoletas”, brincou Bolsonaro,
instado a responder se planejava alguma operação para mostrar a insatisfação da
categoria. “Sem o menor constrangimento, Bolsonaro deu uma detalhada explicação
sobre como construir uma bomba-relógio. O explosivo seria o trinitrotolueno, o
TNT, a popular dinamite. O plano dos oficiais foi feito para que não houvesse
vítimas. A intenção era demonstrar a insatisfação com os salários e criar
problemas para o ministro (do Exército) Leônidas Pires Gonçalves”, relatava
VEJA. “De acordo com Bolsonaro, se algum dia o ministro do Exército resolvesse
articular um golpe militar, ‘ele é que acabaria golpeado por sua própria tropa,
que se recusaria a obedecê-lo’. ‘Nosso Exército é uma vergonha nacional, e o
ministro está se saindo como um segundo Pinochet’”.
Assim que a reportagem foi publicada, “o ministro do
Exército, numa entrevista de 40 minutos na porta do Palácio do Planalto,
defendeu a estabilidade do governo, assegurou que detém o comando de sua tropa
e acusou VEJA de ter fraudado uma notícia publicada em sua última edição”,
relatou a edição seguinte de VEJA, de 4 de novembro de 1987. “Os dois oficiais
envolvidos, eu vou repetir isso, negaram peremptoriamente, da maneira mais
veemente, por escrito, do próprio punho, qualquer veracidade daquela
informação”, disse o ministro. “Quando alguém desmente peremptoriamente e é um
membro da minha instituição e assina embaixo, em quem eu vou acreditar?”. Em
seguida, respondeu à própria pergunta, esclarecendo que acredita “nesses que
são os componentes da minha instituição – e eu sei quem é minha gente”.
Reportagem de VEJA, contudo, reproduziu croqui feitos à mão
pelo próprio Bolsonaro que mostrava a adutora de Guandu, que abastece o Rio de
Janeiro, e o rabisco de uma carga de dinamite detonável por intermédio de um
mecanismo elétrico instalado num relógio. A reportagem também desmentiu
afirmação de Bolsonaro de que não conhecia a repórter Cássia Maria, autora dos
textos, ao relatar dois encontros da jornalista na casa do capitão, onde
conversou com ele, na presença de testemunhas.
Segundo a reportagem da Folha, uma perícia da Polícia
Federal foi inequívoca ao concluir que as anotações eram mesmo dele. Os
coronéis responsáveis pela investigação decidiram, por unanimidade, pela
condenação. “O Justificante [Bolsonaro] mentiu durante todo o processo, quando
negou a autoria dos esboços publicados na revista VEJA, como comprovam os
laudos periciais.” Segundo documento assinado por três coronéis, Bolsonaro
“revelou comportamento aético e incompatível com o pundonor militar e o decoro
da classe, ao passar à imprensa informações sobre sua instituição”.
Bolsonaro – que sempre negou a autoria de plano para colocar
bombas em unidades militares – recorreu ao Superior Tribunal Militar (STM). A
Corte, por 8 votos a 4, considerou Bolsonaro “não culpado” dessa acusação, já
que havia dois laudos inconclusivos em relação à autoria dos esboços publicados
por VEJA. Sobre o artigo publicado na revista em que Bolsonaro reclamava de
salários, o STM decidiu que “o justificante assumiu total responsabilidade por
seu ato e foi punido com 15 dias de prisão.”
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