segunda-feira, 15 de maio de 2017

FALANDO FRANCAMENTE

Em um cenário de polarização intensa entre uma dita esquerda e uma autoproclamada direita, a eleição de 2014 também deixou como marca o respiro de uma possível terceira via.
Então com dificuldade para registrar a Rede Sustentabilidade em tempo para concorrer, a senadora e ex-ministra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva, se uniu a outro ex-ministro de Lula, o socialista Eduardo Campos (PSB), e se lançou numa chapa para brigar com os tradicionais PT e PSDB.
Na corrida presidencial, Marina perdeu o aliado pernambucano em um acidente de avião e acabou sendo cabeça de chapa para brigar com o tucano Aécio Neves e a petista Dilma Rousseff. Dois anos e meio após a derrota nas eleições, Marina crê na vitória de um legado ético que ainda a sustenta como nome imponente para a disputa de 2018.
Desde 2014 com efeitos que devem chegar ao ano que vem, uma operação da Polícia Federal de combate à corrupção foi essencial para derrubar a presidente eleita e fazer tremer o atual governo de Michel Temer, com diversos auxiliares investigados. Diante das feridas expostas pela Lava Jato, que ameaça o PT de Dilma e Lula, o PMDB de Michel Temer e o PSDB de Aécio Neves, sobrou Marina.
A análise dela é de que neste contexto, uma candidatura independente, como a que pode lançar em 2018, é vitoriosa.
Em entrevista ao HuffPost Brasil na tarde de sexta-feira (12), aniversário de um ano do impeachment, Marina fez uma análise do cenário político atual, traçou uma perspectiva para o Brasil com reforma política e esclareceu conversas como a que teve com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, que teria sido sondado para ser vice dela em uma possível chapa em 2018.
HuffPost Brasil: No atual contexto de polarização política, pensando em 2018, como apresentar uma candidatura independente se o diálogo está interditado?
Marina Silva: Não acho que esteja interditado o diálogo, afinal de contas, mesmo em meio a essa polarização que faz parte da História e do imaginário político brasileiro, historicamente o Brasil é um país que alimentou e parece que em alguns momentos se alimenta da polarização -- colônia-metrópole, império-república, democracia-ditadura, Arena-MDB, PT-PSDB. Enfim, parece que a polarização faz parte do nosso imaginário.
No entanto, o que eu observo é que mesmo com esses dois campos gravitacionais, com essa força muito grande, ultimamente vem surgindo sim um campo independente. Ter quase 20 milhões de votos em 2010 com pouquíssima estrutura (...) é uma demonstração que apesar da força da polarização está surgindo no Brasil uma outra perspectiva. E manter esse campo ativo nas eleições de 2014, mesmo com toda violência política de que fui vítima, ter tido 22 milhões votos é uma sinalização. E, mesmo agora quando são feitas essas pesquisas de aferição, ainda há um referencial significativo em relação a uma outra alternativa.
Se considerarmos que após a Lava Jato ficou revelado que esses grupos se alimentavam também do poder econômico advindo do poder da corrupção, do petrolão, dos fundos de pensão, da venda de medidas provisórias, do dinheiro desviado de Belo Monte... Isso só dá mais esperança de que existem pessoas independentes que estão buscando outro caminho.
Obviamente que fica muito difícil fazer essa quebra quando você não está fazendo um jogo em que se respeitam as regras porque você vai para disputa com base nos princípios republicanos. Se tem alguém que está fazendo caixa dois, que está comprando coligações para ter tempo de televisão, se tem alguém que está pagando marqueteiro a peso de ouro com dinheiro de caixa dois, então esse campo independente é mais que vitorioso. Aliás, talvez seja o único vitorioso porque foram votos limpos dados espontaneamente pelas pessoas que espontaneamente fizeram essa escolha. Não digo que os outros cidadãos que votaram não tenham feito essa escolha, o problema é que a sua escolha foi adulterada pelo volume e abuso do poder econômico que foi praticado no grau e intensidade que foi praticado.
Ao ver o resultado das eleições de 2014, sob este aspecto da corrupção, a senhora se sente injustiçada?
Acho que o maior injustiçado foi o povo brasileiro. A maior injustiça foi praticada contra o povo brasileiro, não há dúvida. 14,2 milhões de desempregados, essa é a maior injustiça que o povo brasileiro está pagando. Não tem injustiça maior do que ver as pessoas jovens morrendo nas periferias, parece que estamos em um lugar onde está tendo guerra, como a Síria. Observar as pessoas na área de atendimento, a quantidade de jovens que perderam oportunidade de fazer faculdade pela diminuição de programas como o Fies, Pronatec, as pessoas que foram prejudicadas com o Minha Casa Minha Vida, são muitos prejuízos, os maiores injustiçados foram a sociedade brasileira.
Quando você faz o bom combate, quando você usa os meios republicanos para participar do processo político, você já é vitorioso. É vitorioso porque não participou da fraude, só isso já é uma vitória. Foi imposta a todos nós uma derrota, uma derrota à democracia. As pessoas falam muito de golpe talvez para esconder o golpe do uso do dinheiro da corrupção, do uso e abuso do poder econômico, do uso da fraude eleitoral com dinheiro de caixa dois. Por isso que eu sempre defendi, mesmo defendendo o impeachment, que a melhor solução era a acusação via TSE da chapa Dilma-Temer porque essa chapa, ela é ilegítima. É ilegítima porque foram eleitos com dinheiro da corrupção, com caixa dois, com a degradação do sistema político brasileiro.
É possível sorrir ao ver que Dilma, que na campanha de 2014 dizia que se a senhora fosse eleita sofreria impeachment, acabou sendo impedida e o marqueteiro João Santana, autor da campanha de desconstrução de sua candidatura, está preso pela Lava Jato?
É muito difícil imaginar alguém sorrindo de uma coisa dessas. Eu não consigo sorrir. Eu fico triste, triste e ao mesmo tempo agradecida a Deus e às instituições brasileiras por estarem desmontando essa estrutura criminosa que estava fraudando a nossa democracia. E a fraude não é só pelo abuso do poder econômico, é pelo uso da violência. A violência, ela está levando a política para uma situação de despotencializar a própria ação política. Não vale tudo para ganhar a eleição; até a guerra tem regras. Como pode uma eleição que não tinha regra nenhuma para desmentir, se destratar oponente? Espero que as pessoas possam aprender com tudo isso. A demonstração é mais que clara de como todo aquele ecossistema estava ali disputando não penas o governo brasileiro, mas me parece que a disputa maior era para quem ia liderar o atraso de ser o operador-chefe dessas estruturas criminosas. Era uma disputa meio que estranha com duas forças políticas da polarização que disputavam muito mais que a presidência do Brasil, disputavam os mecanismos que operavam essas estruturas corruptas e corruptoras, estavam disputando o mecanismo que operava esse sistema de corrupção perverso que fraudou e golpeou a democracia brasileira.
A senhora se arrepende de ter apoiado o candidato Aécio Neves (PSDB)?
Nas circunstâncias que tínhamos, com as informações que tínhamos, e com base no compromisso que foi assumido, eu fiz o que era possível. Obviamente que agora temos a clareza do processo e a Justiça ainda está fazendo o seu trabalho. Eu costumo dizer que ninguém é inocente a priori, nem condenado a priori, isso é válido para qualquer um. No entanto, as informações que estão aparecendo o tempo todo são muito contundentes.
Aliás, um problema a que nós temos que ficar bastante atentos é para o fato de que não pode haver um descompasso entre Justiça Criminal e Justiça Eleitoral. A Justiça Criminal está sendo exemplar, a Justiça Eleitoral precisa ser igualmente exemplar, porque se por um lado uma mostra que o crime não compensa, a outra não pode dar nenhum tipo de compensação a quem além de desviar dinheiro público, pagar propina, fazer caixa dois e ainda fraudar a democracia.
O quão viável é uma conjunção de forças para uma possível candidatura da senhora?
Uma mudança nessa magnitude de quebrar a polarização que levou o Brasil a essa estagnação, a força mais importante em tudo isso é da sociedade. Neste momento há uma fragmentação clara em termos dessa representação e eu acredito muito que as bordas podem fazer a diferença. O núcleo, de certa forma, em alguns casos vive um certo cinismo porque a gente já viveu o cinismo político dos que diziam "rouba, mas faz". Hoje está sendo estendido por alguns para o "rouba, mas é do meu espectro ideológico", ou "rouba, mas é do campo de que historicamente sempre fiz parte".
Tanto é que os movimentos que estavam tão ativos, uma parte deles no momento pré-impeachment, não estão tão ativos agora vendo o Temer com nove ministros igualmente investigados na Lava Jato. Fez um ano de governo, fez um pronunciamento e não deu uma palavra sobre Lava Jato, o episódio mais importante da História dessa República. O seu próprio governo está envolvido em denúncias de corrupção e o presidente dizendo protocolarmente que apoia a Lava Jato. Digo protocolarmente porque boa parte da matéria-prima da Lava Jato está dentro do seu governo e de sua base eleitoral no Congresso Nacional. Uma forma concreta de apoiar a Lava Jato seria, além de falar dela e se comprometer publicamente com ela com alguma palavra, tirar os ministros que estão hoje sendo investigados.
Obviamente que todos têm direito à ampla defesa, que todos não podem ser condenados a priori, mas a decisão de mantê-los é uma decisão política, de aval político. No balanço do governo que já assumiu balançando por falta de popularidade e credibilidade e legitimidade, o governo não dá uma palavra sobre algo tão importante.
Estamos vendo na reforma política o avanço da cláusula de barreira que pode acabar com partidos menores, como a Rede. Como a senhora avalia este cenário?
A reforma política que está em curso é uma tentativa de evitar que apareça qualquer sopro de vida na política brasileira. E que a política se mantenha dentro da quadratura dos grandes partidos - PT, PMDB, PSDB e seus satélites. É claro que há necessidade de uma reforma política, mas não pode ser feita de uma forma em que não seja dado o espaço de transição para que se possam firmar as forças políticas que de fato possam contribuir com uma formação política programática diferente.
Quanto ao tempo de televisão, a forma correta de lidar seria, no âmbito da reforma política, o tempo mínimo para que uma ideia possa ser colocada. Em 2010 eu tinha um minuto e 20 segundos, em 2014 dois minutos e 25 segundos, a presidente Dilma tinha 12 minutos para que o João Santana pudesse fazer aquelas películas cinematográficas, mentindo para o povo brasileiro. Então, eu acho que poderia ser estabelecido um princípio mínimo de equidade para que quem tem candidatura majoritária possa minimamente se colocar. 12 segundos foi o que ficou para a Rede, com certeza não é razoável.
A senhora acredita que é possível fazer uma mudança nessa questão do tempo de TV para 2018?
Estamos no meio de uma reforma política e isso não precisa de uma emenda à Constituição, portanto, tem um trâmite da mesma forma que os outros processos. Defendo que tenha sim uma reforma política, mas somos contra o voto em lista fechada porque é a subtração do papel do eleitor. Os partidos que já estão desacreditados, desmoralizados, em lugar de criar um espaço de recrutamento de novos quadros da sociedade, dão mais espaço aos caciques dos partidos e ainda dizem que não é mais o cidadão que vai escolher o deputado, quem vai escolher é o partido, exatamente para colocar na sua lista os que estão implicados na Lava Jato e que não se elegeriam, mas precisam de foro privilegiado.
A Rede pretende fazer ponte com movimentos que foram para as ruas contra Dilma, contra corrupção com PT, e ficam mais indiferentes à corrupção do PMDB?
Não sei se esses grupos apoiam candidaturas independentes; obviamente uma reforma política é o momento de quem defende essa bandeira para se colocar claramente. Inovação política não é apenas um discurso, e a política está vivendo uma crise dramática mesmo. Costumo dizer que não é uma crise na política, é uma crise da política.
A ascensão do deputado Jair Bolsonaro na corrida presidencial, que segundo as últimas pesquisas está empatado com a senhora, representa uma via além da polarização?
Não vejo que o Bolsonaro esteja fora da polarização; aliás pode até ser que existam pessoas muito interessadas em polarizar com ele. Neste momento, eu me preocupo muito em como fazer a verdadeira quebra da polarização porque ela com certeza não é em cima de mais ódio, não é em cima de esmaecer a burocracia, não é em cima de preconceitos, os preconceitos só aumentam a polarização. Não consigo ver o Bolsonaro como produzindo a quebra pelo contrário, ele leva ao paroxismo da polarização.
Como estão as conversas com o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa (para ser vice)? Elas chegaram a acontecer?
Como partido político, não. Tive uma conversa com o ex-ministro Joaquim Barbosa em um momento difícil que foi aquele momento em que o então presidente do Senado, Renan Calheiros, se recusou a cumprir uma decisão da mais alta corte do País, se recusou a receber o oficial de Justiça para notificá-lo e de repente você tem uma saída que atende a recusa do presidente do Senado.
Considerei aquele momento muito grave para nossa democracia e nesses momentos você tem que conversar com as pessoas que tenham conhecimento das leis, da Constituição e compromisso com a nossa Constituição e a democracia. Conversei com o ministro Joaquim sobre a gravidade e delicadeza daquele momento, com o Carlos Ayres Brito, que é meu amigo, inclusive conversamos juntos, mas não se falou de partido político, não se falou de eleição.
Até porque essas pessoas têm todo direito de participarem do processo político se assim o desejarem. Não acho que ajuda ficar querendo recrutar essas pessoas como se elas não tivessem elas próprias o mando e o comando da sua decisão política... São pessoas altamente relevantes e que poderão dar uma contribuição para a política se assim o desejarem, mas isso nunca foi tratado com o ministro Joaquim Barbosa.
Neste momento é inevitável emular um confronto entre o réu e o juiz, caso de Lula e Sérgio Moro, por exemplo. Como a senhora vê nomes do Judiciário nessa arena?
Não vejo as pessoas que estão fazendo o seu trabalho na Justiça como parte da polarização. Eles estão fazendo cumprir as prerrogativas das instituições. Aliás, uma das coisas interessantes do depoimento do presidente Lula é que o juiz se comportou como juiz e o depoente como depoente. Isso foi uma coisa muito boa para as instituições. Juiz no lugar de juiz e depoente no lugar de depoente. Fico imaginando uma pessoa que não tenha popularidade, respaldo popular, nunca transformar o momento do seu depoimento em um espaço de confronto com o juiz, e o respeito as instituições mostra que a lei é para todos. Para o bom funcionamento das instituições públicas brasileiras, o depoimento se deu dentro da normalidade.
Qual a sua avaliação deste primeiro ano do governo do presidente Michel Temer e suas reformas da Previdência e trabalhista?
Impossível separar o governo Temer do governo Dilma. Eles produziram essa crise política juntos, essa crise econômica juntos, e o governo Temer em vários aspectos aprofunda os retrocessos que a presidente Dilma estava implementando na agenda ambiental. Por exemplo, a diminuição de unidades de conservação já criadas, a não-demarcação de terras indígenas, o fato de termos o dia 19 de abril sem uma fala do presidente, um gesto do presidente com as comunidades indígenas.
É um governo que tem patrocinado muitos retrocessos, reformas são necessárias, mas essa reforma não teve o tempo para debate e não foi legitimada pelo debate das urnas porque nem Dilma nem Temer nunca falaram nesse assunto para a sociedade.
O melhor caminho teria sido a cassação da chapa Dilma-Temer, convocação de uma nova eleição, recapturar programaticamente o que seria essa transição, isso daria mais legitimidade inclusive para o debate das reformas. Quando você não tem o que perder fica muito difícil convencer as outras pessoas de que ela não deve ganhar.
Seu conselheiro, o economista Eduardo Giannetti disse, em entrevista ao Roda Viva, que a senhora precisa definir se é líder de um movimento como Gandhi ou Martin Luther King, que projeta valores, ou se é uma candidata a chefe do Executivo que precisa se posicionar sobre temas espinhosos. O que a senhora escolhe diante do que ele colocou?
Como todo colaborador e amigo para quem tenho um pensamento democrático, Giannetti tem as suas próprias posições e não poderia ser diferente. Me sinto até muito agradecida porque esse leque de escolha que ele me dá nem sei se mereço. Talvez por ser meu amigo ele tenha dito dessa forma. No entanto, acho que o Mandela já nos ensinou que a gente não precisa abrir mão das causas para poder assumir um papel no Executivo. O Mandela tinha causas, a causa do fim do apartheid, do respeito à dignidade, a causa do combate à banalização do mal, do amor e do perdão. Ninguém diria "bem, Mandela você não tem como ser presidente com essa causa em vez de punir quem cometeu essas atrocidades agora você vai querer fazer rodas de perdão"... Acho que o Mandela nos vem em socorro mostrando que é possível juntar as duas coisas. Quando digo o Mandela é porque preciso de alguém que tenha estatura para poder depositar nessa pessoa essa possibilidade e vejo como um espelho para mim e para todos nós.
A senhora acredita que é possível ser otimista para 2018 em meio aos retrocessos a que se refere sob Temer? Essa chama de Mandela pode inspirar a população?
Quando eu digo a chama de Mandela, não estou personalizando em ninguém. Respondi especificamente com relação ao meu amigo Giannetti. Quando ele diz que há de se fazer escolhas, eu digo que existe um caso que nos inspira de que é possível juntar as causas que se tem sem precisar abandoná-las. O grave problema que vivemos no Brasil hoje é que muitos não souberam entregar as causas que tinham ao poder que adquiriram. Acho que a História está nos ensinando que o poder pelo poder não vale a pena. O poder é uma ferramenta para que se consiga implementar as causas.
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