Em um cenário de polarização intensa entre uma dita esquerda
e uma autoproclamada direita, a eleição de 2014 também deixou como marca o
respiro de uma possível terceira via.
Então com dificuldade para registrar a Rede Sustentabilidade
em tempo para concorrer, a senadora e ex-ministra do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, Marina Silva, se uniu a outro ex-ministro de Lula, o socialista
Eduardo Campos (PSB), e se lançou numa chapa para brigar com os tradicionais PT
e PSDB.
Na corrida presidencial, Marina perdeu o aliado pernambucano
em um acidente de avião e acabou sendo cabeça de chapa para brigar com o tucano
Aécio Neves e a petista Dilma Rousseff. Dois anos e meio após a derrota nas
eleições, Marina crê na vitória de um legado ético que ainda a sustenta como
nome imponente para a disputa de 2018.
Desde 2014 com efeitos que devem chegar ao ano que vem, uma
operação da Polícia Federal de combate à corrupção foi essencial para derrubar
a presidente eleita e fazer tremer o atual governo de Michel Temer, com
diversos auxiliares investigados. Diante das feridas expostas pela Lava Jato,
que ameaça o PT de Dilma e Lula, o PMDB de Michel Temer e o PSDB de Aécio
Neves, sobrou Marina.
A análise dela é de que neste contexto, uma candidatura
independente, como a que pode lançar em 2018, é vitoriosa.
Em entrevista ao HuffPost Brasil na tarde de sexta-feira
(12), aniversário de um ano do impeachment, Marina fez uma análise do cenário
político atual, traçou uma perspectiva para o Brasil com reforma política e
esclareceu conversas como a que teve com o ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal Joaquim Barbosa, que teria sido sondado para ser vice dela em uma
possível chapa em 2018.
HuffPost Brasil: No atual contexto de polarização política,
pensando em 2018, como apresentar uma candidatura independente se o diálogo
está interditado?
Marina Silva: Não acho que esteja interditado o diálogo,
afinal de contas, mesmo em meio a essa polarização que faz parte da História e
do imaginário político brasileiro, historicamente o Brasil é um país que
alimentou e parece que em alguns momentos se alimenta da polarização --
colônia-metrópole, império-república, democracia-ditadura, Arena-MDB, PT-PSDB.
Enfim, parece que a polarização faz parte do nosso imaginário.
No entanto, o que eu observo é que mesmo com esses dois campos
gravitacionais, com essa força muito grande, ultimamente vem surgindo sim um
campo independente. Ter quase 20 milhões de votos em 2010 com pouquíssima
estrutura (...) é uma demonstração que apesar da força da polarização está
surgindo no Brasil uma outra perspectiva. E manter esse campo ativo nas
eleições de 2014, mesmo com toda violência política de que fui vítima, ter tido
22 milhões votos é uma sinalização. E, mesmo agora quando são feitas essas
pesquisas de aferição, ainda há um referencial significativo em relação a uma
outra alternativa.
Se considerarmos que após a Lava Jato ficou revelado que
esses grupos se alimentavam também do poder econômico advindo do poder da
corrupção, do petrolão, dos fundos de pensão, da venda de medidas provisórias,
do dinheiro desviado de Belo Monte... Isso só dá mais esperança de que existem
pessoas independentes que estão buscando outro caminho.
Obviamente que fica muito difícil fazer essa quebra quando
você não está fazendo um jogo em que se respeitam as regras porque você vai
para disputa com base nos princípios republicanos. Se tem alguém que está
fazendo caixa dois, que está comprando coligações para ter tempo de televisão,
se tem alguém que está pagando marqueteiro a peso de ouro com dinheiro de caixa
dois, então esse campo independente é mais que vitorioso. Aliás, talvez seja o
único vitorioso porque foram votos limpos dados espontaneamente pelas pessoas
que espontaneamente fizeram essa escolha. Não digo que os outros cidadãos que
votaram não tenham feito essa escolha, o problema é que a sua escolha foi
adulterada pelo volume e abuso do poder econômico que foi praticado no grau e
intensidade que foi praticado.
Ao ver o resultado das eleições de 2014, sob este aspecto da
corrupção, a senhora se sente injustiçada?
Acho que o maior injustiçado foi o povo brasileiro. A maior
injustiça foi praticada contra o povo brasileiro, não há dúvida. 14,2 milhões
de desempregados, essa é a maior injustiça que o povo brasileiro está pagando.
Não tem injustiça maior do que ver as pessoas jovens morrendo nas periferias,
parece que estamos em um lugar onde está tendo guerra, como a Síria. Observar
as pessoas na área de atendimento, a quantidade de jovens que perderam
oportunidade de fazer faculdade pela diminuição de programas como o Fies,
Pronatec, as pessoas que foram prejudicadas com o Minha Casa Minha Vida, são
muitos prejuízos, os maiores injustiçados foram a sociedade brasileira.
Quando você faz o bom combate, quando você usa os meios
republicanos para participar do processo político, você já é vitorioso. É
vitorioso porque não participou da fraude, só isso já é uma vitória. Foi
imposta a todos nós uma derrota, uma derrota à democracia. As pessoas falam
muito de golpe talvez para esconder o golpe do uso do dinheiro da corrupção, do
uso e abuso do poder econômico, do uso da fraude eleitoral com dinheiro de
caixa dois. Por isso que eu sempre defendi, mesmo defendendo o impeachment, que
a melhor solução era a acusação via TSE da chapa Dilma-Temer porque essa chapa,
ela é ilegítima. É ilegítima porque foram eleitos com dinheiro da corrupção,
com caixa dois, com a degradação do sistema político brasileiro.
É possível sorrir ao ver que Dilma, que na campanha de 2014
dizia que se a senhora fosse eleita sofreria impeachment, acabou sendo impedida
e o marqueteiro João Santana, autor da campanha de desconstrução de sua
candidatura, está preso pela Lava Jato?
É muito difícil imaginar alguém sorrindo de uma coisa
dessas. Eu não consigo sorrir. Eu fico triste, triste e ao mesmo tempo
agradecida a Deus e às instituições brasileiras por estarem desmontando essa
estrutura criminosa que estava fraudando a nossa democracia. E a fraude não é
só pelo abuso do poder econômico, é pelo uso da violência. A violência, ela
está levando a política para uma situação de despotencializar a própria ação
política. Não vale tudo para ganhar a eleição; até a guerra tem regras. Como
pode uma eleição que não tinha regra nenhuma para desmentir, se destratar
oponente? Espero que as pessoas possam aprender com tudo isso. A demonstração é
mais que clara de como todo aquele ecossistema estava ali disputando não penas
o governo brasileiro, mas me parece que a disputa maior era para quem ia
liderar o atraso de ser o operador-chefe dessas estruturas criminosas. Era uma
disputa meio que estranha com duas forças políticas da polarização que
disputavam muito mais que a presidência do Brasil, disputavam os mecanismos que
operavam essas estruturas corruptas e corruptoras, estavam disputando o
mecanismo que operava esse sistema de corrupção perverso que fraudou e golpeou
a democracia brasileira.
A senhora se arrepende de ter apoiado o candidato Aécio
Neves (PSDB)?
Nas circunstâncias que tínhamos, com as informações que
tínhamos, e com base no compromisso que foi assumido, eu fiz o que era
possível. Obviamente que agora temos a clareza do processo e a Justiça ainda
está fazendo o seu trabalho. Eu costumo dizer que ninguém é inocente a priori,
nem condenado a priori, isso é válido para qualquer um. No entanto, as
informações que estão aparecendo o tempo todo são muito contundentes.
Aliás, um problema a que nós temos que ficar bastante
atentos é para o fato de que não pode haver um descompasso entre Justiça
Criminal e Justiça Eleitoral. A Justiça Criminal está sendo exemplar, a Justiça
Eleitoral precisa ser igualmente exemplar, porque se por um lado uma mostra que
o crime não compensa, a outra não pode dar nenhum tipo de compensação a quem
além de desviar dinheiro público, pagar propina, fazer caixa dois e ainda
fraudar a democracia.
O quão viável é uma conjunção de forças para uma possível
candidatura da senhora?
Uma mudança nessa magnitude de quebrar a polarização que
levou o Brasil a essa estagnação, a força mais importante em tudo isso é da
sociedade. Neste momento há uma fragmentação clara em termos dessa
representação e eu acredito muito que as bordas podem fazer a diferença. O
núcleo, de certa forma, em alguns casos vive um certo cinismo porque a gente já
viveu o cinismo político dos que diziam "rouba, mas faz". Hoje está
sendo estendido por alguns para o "rouba, mas é do meu espectro
ideológico", ou "rouba, mas é do campo de que historicamente sempre
fiz parte".
Tanto é que os movimentos que estavam tão ativos, uma parte
deles no momento pré-impeachment, não estão tão ativos agora vendo o Temer com
nove ministros igualmente investigados na Lava Jato. Fez um ano de governo, fez
um pronunciamento e não deu uma palavra sobre Lava Jato, o episódio mais
importante da História dessa República. O seu próprio governo está envolvido em
denúncias de corrupção e o presidente dizendo protocolarmente que apoia a Lava
Jato. Digo protocolarmente porque boa parte da matéria-prima da Lava Jato está
dentro do seu governo e de sua base eleitoral no Congresso Nacional. Uma forma
concreta de apoiar a Lava Jato seria, além de falar dela e se comprometer
publicamente com ela com alguma palavra, tirar os ministros que estão hoje
sendo investigados.
Obviamente que todos têm direito à ampla defesa, que todos
não podem ser condenados a priori, mas a decisão de mantê-los é uma decisão
política, de aval político. No balanço do governo que já assumiu balançando por
falta de popularidade e credibilidade e legitimidade, o governo não dá uma
palavra sobre algo tão importante.
Estamos vendo na reforma política o avanço da cláusula de
barreira que pode acabar com partidos menores, como a Rede. Como a senhora
avalia este cenário?
A reforma política que está em curso é uma tentativa de
evitar que apareça qualquer sopro de vida na política brasileira. E que a
política se mantenha dentro da quadratura dos grandes partidos - PT, PMDB, PSDB
e seus satélites. É claro que há necessidade de uma reforma política, mas não
pode ser feita de uma forma em que não seja dado o espaço de transição para que
se possam firmar as forças políticas que de fato possam contribuir com uma
formação política programática diferente.
Quanto ao tempo de televisão, a forma correta de lidar
seria, no âmbito da reforma política, o tempo mínimo para que uma ideia possa
ser colocada. Em 2010 eu tinha um minuto e 20 segundos, em 2014 dois minutos e
25 segundos, a presidente Dilma tinha 12 minutos para que o João Santana
pudesse fazer aquelas películas cinematográficas, mentindo para o povo
brasileiro. Então, eu acho que poderia ser estabelecido um princípio mínimo de
equidade para que quem tem candidatura majoritária possa minimamente se
colocar. 12 segundos foi o que ficou para a Rede, com certeza não é razoável.
A senhora acredita que é possível fazer uma mudança nessa
questão do tempo de TV para 2018?
Estamos no meio de uma reforma política e isso não precisa
de uma emenda à Constituição, portanto, tem um trâmite da mesma forma que os
outros processos. Defendo que tenha sim uma reforma política, mas somos contra
o voto em lista fechada porque é a subtração do papel do eleitor. Os partidos
que já estão desacreditados, desmoralizados, em lugar de criar um espaço de
recrutamento de novos quadros da sociedade, dão mais espaço aos caciques dos
partidos e ainda dizem que não é mais o cidadão que vai escolher o deputado,
quem vai escolher é o partido, exatamente para colocar na sua lista os que
estão implicados na Lava Jato e que não se elegeriam, mas precisam de foro
privilegiado.
A Rede pretende fazer ponte com movimentos que foram para as
ruas contra Dilma, contra corrupção com PT, e ficam mais indiferentes à
corrupção do PMDB?
Não sei se esses grupos apoiam candidaturas independentes;
obviamente uma reforma política é o momento de quem defende essa bandeira para
se colocar claramente. Inovação política não é apenas um discurso, e a política
está vivendo uma crise dramática mesmo. Costumo dizer que não é uma crise na
política, é uma crise da política.
A ascensão do deputado Jair Bolsonaro na corrida
presidencial, que segundo as últimas pesquisas está empatado com a senhora,
representa uma via além da polarização?
Não vejo que o Bolsonaro esteja fora da polarização; aliás
pode até ser que existam pessoas muito interessadas em polarizar com ele. Neste
momento, eu me preocupo muito em como fazer a verdadeira quebra da polarização
porque ela com certeza não é em cima de mais ódio, não é em cima de esmaecer a
burocracia, não é em cima de preconceitos, os preconceitos só aumentam a
polarização. Não consigo ver o Bolsonaro como produzindo a quebra pelo
contrário, ele leva ao paroxismo da polarização.
Como estão as conversas com o ex-presidente do STF Joaquim
Barbosa (para ser vice)? Elas chegaram a acontecer?
Como partido político, não. Tive uma conversa com o
ex-ministro Joaquim Barbosa em um momento difícil que foi aquele momento em que
o então presidente do Senado, Renan Calheiros, se recusou a cumprir uma decisão
da mais alta corte do País, se recusou a receber o oficial de Justiça para
notificá-lo e de repente você tem uma saída que atende a recusa do presidente
do Senado.
Considerei aquele momento muito grave para nossa democracia
e nesses momentos você tem que conversar com as pessoas que tenham conhecimento
das leis, da Constituição e compromisso com a nossa Constituição e a
democracia. Conversei com o ministro Joaquim sobre a gravidade e delicadeza
daquele momento, com o Carlos Ayres Brito, que é meu amigo, inclusive
conversamos juntos, mas não se falou de partido político, não se falou de
eleição.
Até porque essas pessoas têm todo direito de participarem do
processo político se assim o desejarem. Não acho que ajuda ficar querendo
recrutar essas pessoas como se elas não tivessem elas próprias o mando e o
comando da sua decisão política... São pessoas altamente relevantes e que
poderão dar uma contribuição para a política se assim o desejarem, mas isso
nunca foi tratado com o ministro Joaquim Barbosa.
Neste momento é inevitável emular um confronto entre o réu e
o juiz, caso de Lula e Sérgio Moro, por exemplo. Como a senhora vê nomes do
Judiciário nessa arena?
Não vejo as pessoas que estão fazendo o seu trabalho na
Justiça como parte da polarização. Eles estão fazendo cumprir as prerrogativas
das instituições. Aliás, uma das coisas interessantes do depoimento do
presidente Lula é que o juiz se comportou como juiz e o depoente como depoente.
Isso foi uma coisa muito boa para as instituições. Juiz no lugar de juiz e
depoente no lugar de depoente. Fico imaginando uma pessoa que não tenha
popularidade, respaldo popular, nunca transformar o momento do seu depoimento
em um espaço de confronto com o juiz, e o respeito as instituições mostra que a
lei é para todos. Para o bom funcionamento das instituições públicas
brasileiras, o depoimento se deu dentro da normalidade.
Qual a sua avaliação deste primeiro ano do governo do
presidente Michel Temer e suas reformas da Previdência e trabalhista?
Impossível separar o governo Temer do governo Dilma. Eles
produziram essa crise política juntos, essa crise econômica juntos, e o governo
Temer em vários aspectos aprofunda os retrocessos que a presidente Dilma estava
implementando na agenda ambiental. Por exemplo, a diminuição de unidades de
conservação já criadas, a não-demarcação de terras indígenas, o fato de termos
o dia 19 de abril sem uma fala do presidente, um gesto do presidente com as
comunidades indígenas.
É um governo que tem patrocinado muitos retrocessos,
reformas são necessárias, mas essa reforma não teve o tempo para debate e não
foi legitimada pelo debate das urnas porque nem Dilma nem Temer nunca falaram
nesse assunto para a sociedade.
O melhor caminho teria sido a cassação da chapa Dilma-Temer,
convocação de uma nova eleição, recapturar programaticamente o que seria essa
transição, isso daria mais legitimidade inclusive para o debate das reformas.
Quando você não tem o que perder fica muito difícil convencer as outras pessoas
de que ela não deve ganhar.
Seu conselheiro, o economista Eduardo Giannetti disse, em
entrevista ao Roda Viva, que a senhora precisa definir se é líder de um
movimento como Gandhi ou Martin Luther King, que projeta valores, ou se é uma
candidata a chefe do Executivo que precisa se posicionar sobre temas
espinhosos. O que a senhora escolhe diante do que ele colocou?
Como todo colaborador e amigo para quem tenho um pensamento
democrático, Giannetti tem as suas próprias posições e não poderia ser
diferente. Me sinto até muito agradecida porque esse leque de escolha que ele
me dá nem sei se mereço. Talvez por ser meu amigo ele tenha dito dessa forma.
No entanto, acho que o Mandela já nos ensinou que a gente não precisa abrir mão
das causas para poder assumir um papel no Executivo. O Mandela tinha causas, a
causa do fim do apartheid, do respeito à dignidade, a causa do combate à
banalização do mal, do amor e do perdão. Ninguém diria "bem, Mandela você
não tem como ser presidente com essa causa em vez de punir quem cometeu essas
atrocidades agora você vai querer fazer rodas de perdão"... Acho que o
Mandela nos vem em socorro mostrando que é possível juntar as duas coisas.
Quando digo o Mandela é porque preciso de alguém que tenha estatura para poder
depositar nessa pessoa essa possibilidade e vejo como um espelho para mim e
para todos nós.
A senhora acredita que é possível ser otimista para 2018 em
meio aos retrocessos a que se refere sob Temer? Essa chama de Mandela pode
inspirar a população?
Quando eu digo a chama de Mandela, não estou personalizando
em ninguém. Respondi especificamente com relação ao meu amigo Giannetti. Quando
ele diz que há de se fazer escolhas, eu digo que existe um caso que nos inspira
de que é possível juntar as causas que se tem sem precisar abandoná-las. O
grave problema que vivemos no Brasil hoje é que muitos não souberam entregar as
causas que tinham ao poder que adquiriram. Acho que a História está nos
ensinando que o poder pelo poder não vale a pena. O poder é uma ferramenta para
que se consiga implementar as causas.
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