sexta-feira, 12 de maio de 2017

NEM TUDO É DESESPERO

Paulo Nogueira Batista Jr., O Globo
O brasileiro, dizia Nelson Rodrigues, sofre de um crônico complexo de vira-lata. Não encontramos motivos pessoais ou históricos para a autoestima. Com a crise que o país atravessa nos últimos anos, esse complexo, nunca totalmente ausente, ressurgiu com força verdadeiramente brutal. Estive há pouco no Brasil, por duas semanas, e voltei para a China impressionado com o desalento que se observa no nosso país.
Vou me ater hoje ao lado econômico da crise nacional. Não se pode negar que há motivos objetivos, amplamente comentados, para o desânimo generalizado. A situação é, sem dúvida, muito difícil. A recessão de 2015-2016 foi sem precedentes, e o desemprego subiu para níveis extremamente elevados.
Mas o leitor permite que eu diga que há também muito exagero? Afirma-se, por exemplo, que “o país quebrou”. Afirmação duvidosa. Como pode estar “quebrado” um país que detém reservas internacionais de nada menos que US$ 370 bilhões em caixa?
O processo de acumulação de reservas começou em 2006, como política deliberada para diminuir a vulnerabilidade externa e garantir a autonomia financeira do país. Passamos de reservas da ordem de US$ 50 bilhões no período 2003 a 2005 para a faixa de US$ 350 bilhões ou mais a partir de 2011.
O setor externo da economia brasileira dá claros sinais de fortalecimento. O déficit do balanço de pagamentos em conta corrente caiu drasticamente em 2015 e 2016, chegando a US$ 21 bilhões nos 12 meses até março de 2017, o equivalente a apenas 1,1% do PIB.
A entrada de investimentos diretos no país, de US$ 86 bilhões no mesmo período, corresponde a mais de quatro vezes o valor do déficit em conta corrente.
É bem verdade que a melhora do balanço de pagamentos é consequência da recessão, que comprime a importação de bens e serviços e gera também excedentes exportáveis. Mas a recessão não explica toda a melhora das contas externas.
Outro fator significativo foi a depreciação da taxa cambial no período recente, que favoreceu a competitividade das exportações assim como dos setores que disputam o mercado interno com importações.
A recessão produziu também queda muito expressiva da inflação, maior do que muitos previam. O IPCA caiu para pouco mais de 4% nos 12 meses até março.
As expectativas de inflação também caíram muito e apontam para inflação abaixo do centro da meta em 2017 e 2018, algo que não se via há muito tempo. Isso permitiu que o Banco Central iniciasse uma diminuição significativa da taxa básica de juro.
As expectativas de mercado indicam uma taxa Selic de 8,5% no final deste ano.
A redução dos juros básicos, na medida em que se reflita em diminuição do custo do crédito, ajudará a recuperação gradual do nível de atividade, auxiliada também pelo crescimento das exportações. A recuperação será lenta, mas um crescimento da ordem de 2% a 3% parece possível em 2018.
A queda da taxa básica de juro tem outro efeito importante: alivia o custo da dívida pública e contribui para reduzir o déficit fiscal. Nos 12 meses até março, os juros nominais do setor público consolidado alcançaram nada menos 6,8% do PIB.
Como ajustar as contas públicas com carga financeira desta magnitude?
Com a diminuição do custo da dívida governamental e alguma reativação da economia, a superação das dificuldades fiscais torna-se factível. O Brasil está ainda longe de superar a crise, mas alguns indicadores importantes sugerem melhora gradual do quadro econômico-financeiro.
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