Fernando Henrique Cardoso, Blog do Noblat
Dizer que jamais se viu crise tão grande como a atual é
lugar-comum. Mas é verdade, pelo menos quanto à crise política. Ela advém de
muitos fatores, e todos deságuam na falta de confiança que alcançou boa parte
da chamada “classe política”, parte do empresariado e da administração pública.
A Operação Lava-Jato apenas mostrou um conjunto
impressionante de ilicitudes, não foi causadora delas. Mas a percepção de que
há muita coisa podre na vida político-governamental aumentou o desânimo e a
desconfiança das pessoas.
Os desatinos dos governos lulo-petistas nos últimos anos
provocaram a crise econômica e desorganizaram as finanças públicas. Resultado:
cerca de 14 milhões de desempregados. É com vistas a estes e aos muitos milhões
mais de brasileiros incertos quanto a seu futuro que o país precisa retomar o
crescimento econômico. Para isso, entretanto, é necessário buscar saídas para
os impasses políticos, senão eles atrapalharão as saídas econômicas e podem
impedi-las.
O Congresso pode melhorar o sistema partidário. Basta
aprovar, aperfeiçoando-os na Câmara,os projetos de lei que já transitaram pelo
Senado. Um deles institui a “cláusula de barreira”, ou seja, um percentual
mínimo de votos em todo o país em determinado número de estados, para que um
partido tenha acesso aos recursosdo Fundo Partidário, ao horário “gratuito” de
TV etc. Outro proíbe as coligações de partidos nas eleições para os
legislativos, medida que reduzirá o número de legendas.
O percentual mínimo aprovado no Senado seria de 2% do total
de votos para deputado federal em pelo menos 14 estados, nas eleições de 2018,
e de 3% a partir das eleições de 2022. É uma cláusula branda, tanto mais porque
o projeto prevê a possibilidade de que partidos que não ultrapassem a barreira
possam manter as prerrogativas dos demais se aceitarem formar um só bloco por
toda a legislatura.
É o mínimo necessário para pôr fim a legendas de aluguel que
corrompem a vida pública brasileira.
Mudanças no financiamento de campanha devem também ser
aprovadas. Proibidas as doações de empresas, recursos públicos serão
necessários para financiar as campanhas em 2018. Para evitar que mais dinheiro
público seja gasto com legendas de aluguel, impõe-se barreiras para o acesso a
esse fundo.
Cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais não
esgotam os reclamos de melhoria do sistema eleitoral e partidário. Há a
discussão sobre o voto distrital, puro ou misto, e até sobre o parlamentarismo.
Porém, não dá para discutir tudo ao mesmo tempo. Medidas deste tipo requerem
maior grau de consenso. E a lei é clara: qualquer alteração, para valer nas
eleições de 2018, terá de ser aprovada até o fim de setembro próximo, um ano
antes das próximas eleições.
O Congresso tem a responsabilidade de decidir logo o que
está ao seu alcance para evitar que o futuro reproduza o panorama atual: um
Legislativo fragmentado que para sustentar o governo cobra o tributo infame do
dá cá, toma lá.
O atual Congresso ainda pode e deve mais.
A Câmara avançou na reforma trabalhista. Ela ainda depende,
porém, do voto do Senado. Este, para evitar delongas, não deverá mexer no que a
Câmara já dispôs. Deixará ao presidente a tarefa de vetar dispositivos
considerados drásticos pelos trabalhadores e poderá apresentar em projetos
diferentes com modificações à lei aprovada, em benefício dos trabalhadores.
Resta a reforma da Previdência, que há de calcar seus
argumentos na redução de privilégios mais do que no ajuste fiscal, embora este
seja necessário.
Não dá para tratar de modo igual quem é desigual: pedir que
um trabalhador rural prolongue o tempo de trabalho para a aposentadoria tanto
quanto se pede a um funcionário público não é justo.
Da mesma maneira, as relações de trabalho no campo podem ser
revistas, mas nunca para facilitar a exploração do empregado rural ou do
pequeno agricultor como disposto em projeto de lei aprovado recentemente.
O país clama por solidariedade, por ordem nas finanças
públicas e por maior produtividade.
Falta o principal: sem líderes críveis, que desenhem o
futuro do país no mundo e lutem por uma sociedade mais solidária, não há como
recuperar a confiança nos políticos e nas instituições.
Sem políticos não há como integrar a nação no Estado nem
fazer com que este funcione para atender às necessidades do povo.
Nas condições atuais em que todos se informam e comunicam, é
preciso que os líderes aprendam a escutar o que o povo diz sem cair em
demagogia.
As circunstâncias criam líderes. Tomara não os criem nas
vestes do demagogo, de direita ou de esquerda, e que, ao se mudar a geração no
mando, se mude mais do que simplesmente a capacidade de iludir, não raro
dizendo uma coisa e fazendo outra.
Não me assusto com pesquisas eleitorais fora de hora. Nem
com manchetes atemorizadoras. O povo não tem o governo no coração, como as
pesquisas de opinião demonstram, mas teme que o bolso piore se medidas não
forem tomadas.
Por isso mesmo não temo o resultado eleitoral em função do
que o governo realizar em matéria de reformas. Temo antes outra coisa: que a
cultura de permissividade termine por exigir dos líderes menos do que o momento
necessita. Temo que nas futuras eleições, em vez de renovação, venhamos a dar
de cara com a repetição. Com as mesmas ou com novas caras.
Há espaço, contudo, para evitar que isso aconteça. Dá para
ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte.
No limite quem resolve é o eleitor e este, embora reagindo
“contra tudo o que aí está”, repudiando uma cultura política que foi corrompida
pelos maus usos, tem o bolso apertado e os ouvidos abertos.
Os partidos e líderes que não quiserem apenas assistir ao
desmoronamento da ordem pública devem esclarecer o eleitorado sobre o que está
em jogo e mostrar grandeza para apontar caminhos e, assim, oferecer um futuro
melhor para o povo e o país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário