Da TPM
Venerada ou perseguida, a figura da prostituta nunca ocupa
lugar neutro no imaginário popular. Desperta sentimentos intensos e mesmo
conflitantes. Exercendo aquela que é tida como a mais antiga das profissões,
nominar a atividade também se presta a identificar a mais poderosa ofensa às (outras)
mulheres.
Apesar de historicamente forçadas à clandestinidade em
nossos próprios países, temos nos organizado como movimento há algumas décadas.
Desde 1975, o 2 de junho é tido como o Dia Internacional das Prostitutas,
lembrando a ocupação da Igreja de Saint Nizier, em Lyon, por prostitutas que
protestavam contra a intensa repressão policial que sofriam.
Nesta mesma época, no Brasil, Gabriela Leite trocava a
faculdade pela prostituição - que exerceu em São Paulo, Belo Horizonte e no Rio
de Janeiro, onde participa da criação da Rede Brasileira de Prostitutas e da
ONG DaVida, em 1992. Em 1987, com Lourdes Barreto, realiza o I Encontro
Nacional de Prostitutas.
Gabi foi uma das vozes mais ativas na defesa dos direitos
das prostitutas. Contava sempre que no início de seu ativismo, as pessoas se
surpreendiam por ela ser uma “puta que falava”. Candidatou-se a deputada
federal pelo Partido Verde em 2010. Falecida em 2013, deixa um legado
preciosíssimo para a luta de todas as mulheres brasileiras.
Poucos meses após a sua morte, o setorial de mulheres da CUT
- Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores, com o apoio da Marcha
Mundial de Mulheres e outros coletivos feministas, lança nota onde se posiciona
contra o reconhecimento da prostituição como um trabalho e opondo-se à sua
regulamentação. Em 2015, numa sutil e necessária provocação, surge a CUTS -
Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais, reforçando o fato de
que somos, sim, pessoas trabalhadoras. A CUTS e a Rede Brasileira de
Prostitutas são hoje espaços políticos de debate e luta por direitos das
pessoas que atuam na indústria do sexo.
Toda a época tem as suas bruxas e dentre as bruxas que este
começo de século elegeu perseguir e queimar em suas fogueiras simbólicas estão
(uma vez mais) as prostitutas.
O avanço do conservadorismo segrega e pune sem dó
determinados corpos e comportamentos, decide quais sexualidades são as corretas
e quais são as manifestações sexuais que devem ser execradas. A alguns corpos
só resta a possibilidade de r-existir à margem.
Leis de repressão ao trabalho sexual tem sido implantadas ao
redor do mundo, contrariando os apelos de órgãos de defesa de direitos humanos
como a Anistia Internacional, e o clamor de grupos organizados.
Se o cenário por um lado parece desolador e queimar na
fogueira simbólica do moralismo de um mundo em frangalhos parece inevitável,
por outro, as prostitutas tem usado com maestria a função do fazer-se ouvir. Se
até aqui estivemos a maior parte do tempo confinadas a nossos locais de
trabalho, nossas histórias sendo contadas pelas vozes de outras pessoas, hoje
acessamos as redes sociais e já não reconhecemos mais limites - que se mantém
geograficamente, mas cujas barreiras podem ser rompidas virtualmente com
facilidade. Atentas ao bom uso das tecnologias, em nosso tempo livre trocamos
informações e falamos para quem quiser nos ouvir - e muitas vezes, para quem
não nos quer ouvir também.
Neste cyber-putativismo, temos conectadas as esquinas
nordestinas às portenhas, passando pelas esquinas e flats paulistanos, sem
esquecer do Itatinga e Guaicurus. Nossas vozes chegam a Amsterdam e de lá saem,
passando por Barcelona e Londres e Lyon
- e por onde mais houver putas, um smartphone barato e sinal de internet -
Put@s Conect@d@s.
Como seguir escrevendo a história da prostituição a partir
deste ponto, quando a puta deixa de ser aquela sombra na esquina e passa a
escrever a própria história, contestar o que lê, complementar relatos e recusar
outros? E isso dispensando de vez intermediários, ruídos, cortes?
Nos desnudamos para além das roupas e clichês, a mulher -
pessoa.
Por que caminhos isso tudo nos levará?
* Monique Prada é trabalhadora sexual, ativista, feminista e
escritora. Coeditora do projeto MundoInvisível.ORG e presidenta da CUTS -
Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais.
No dia 02 de Junho também é comemorado em várias capitais do
Brasil o Puta Dei, que foi criado pelo GEMPAC - Grupo de Mulheres Prostitutas
do Estado do Pará. O evento é idealizado por Lourdes Barreto, de 74 anos, que
fundou a Rede Brasileira de Prostitutas, e sua filha, Leila, que atua nos dois
sentidos, artístico e político, e também idealizou o Blog das Esquinas. Em
2017, o Puta Dei celebra os 30 anos do movimento de prostitutas no Brasil,
tendo como marco o I Encontro Nacional de Prostitutas, que aconteceu em 1987 no
Rio de Janeiro e foi organizado por Lourdes Barreto e Gabriela Leite.
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