Artigo de Fernando Gabeira
A notícia da condenação de Lula chegou num momento especial.
Acabara de escrever um artigo sobre o apagão no Senado. E comparava aquilo aos
apagões nos estádios de futebol: a luz volta aos poucos. E concluía que, no
universo político, as luzes só voltarão completamente em 2018. A condenação de
Lula é uma pequena lanterna para enxergar parcialmente o cenário das eleições
presidenciais. A estratégia de lançar a candidatura para escapar da Justiça, de
politizar o processo, sofreu um golpe. Talvez por falta de alternativa, a
esquerda pode insistir nela. Mas é um equívoco fixar-se no destino de uma só
pessoa e esquecer o país.
O Tribunal Regional em Porto Alegre pode levar até nove
meses para julgar um recurso, uma condenação fundada em provas testemunhais,
documentais e periciais. Pode até levar mais. Legalmente é possível ser
candidato. Mas será preciso levar um guarda-roupas de candidato e uma malinha
com as coisas indispensáveis na cadeia.
O candidato vai se mover sempre com essa espada na cabeça, e
supor que isso não influa na sua viabilidade só é possível aos que o seguem com
um fervor religioso. Ao mesmo tempo em que Lula era condenado por Sergio Moro,
a Câmara discutia se aceitava ou não a denúncia contra Temer.
Embora esses fatos apareçam de forma isolada, fazem parte de
um mesmo processo histórico. O governo petista caiu, em seu lugar ficaram os
cúmplices da aventura que arruinou o país. Agora, a coisa chegou a eles.
Um ex-presidente condenado, um presidente denunciado, dois
presidentes impedidos. É o momento de avaliar, não só um governo mas todo o
processo de redemocratização.
É possível começar de novo? As diretas eram uma bandeira
clara. A luta contra a corrupção, também. Mas o principal cenário dessa luta
acontece na Justiça, onde os processos correm.
Resta o caminho eleitoral. Em alguns países da Europa, como
a Dinamarca, num determinado momento, e a França agora, eleições costumam ser
um sopro de vida ao sacudir um sistema envelhecido. Aqui no Brasil, o sistema
não apenas envelheceu mas também se corrompeu. Muito possivelmente a renovação
será orientada por valores que estiveram soterrados nesse período. No entanto isso
não basta. Estamos vivendo problemas diante dos quais apenas a honestidade não
resolve. As questões emergenciais estão aí, muitas delas decorrentes do colapso
dos governos corrompidos.
Segurança, por exemplo. Meu projeto era escrever sobre isso
até apagarem as luzes do Senado e ver aquelas mulheres comendo quentinhas. Isso
me fez refletir sobre luzes e trevas.
Mas quando pensava em segurança, minha ideia era mostrar
alguns reflexos psicológicos de quem mora numa cidade como Rio. Um deles é o
perigo de se acostumar com a violência. Começava por mim mesmo. Vivo na base de
um morro onde sempre houve tiroteio. Numa visita a Porto Príncipe, no Haiti,
hospedado na casa de um diplomata brasileiro, ouvi tiros ao longe. Virei para o
canto e dormi como se estivesse em casa.
Não sei que impacto teria a morte de inocentes em outros
lugares. Mas a morte de crianças e adolescentes no Rio é recebida com uma certa
resignação.
O terrorismo não é o melhor parâmetro. Mas suas vítimas são
cultuadas e as próprias autoridades aparecem para visitar as famílias. Absortos
em suas manobras defensivas, os políticos não têm sensibilidade para isso. Nem
espero que tenham nesta encarnação.
No entanto, não importa que governo fique de pé, é essencial
conseguir dele alguma resposta à violência urbana. Na verdade, seria necessário
que tivesse uma visão clara de como gerir os colapsos que explodem em vários
pontos da máquina.
A sucessão de crimes nas cidades e sucessão de escândalos no
poder produziram uma certa anestesia. Suspeito que muita gente vai se perguntar
se ainda vale a pena gastar alguma energia em mudanças. Creio que uma resposta
negativa tende a perpetuar essa etapa constrangedora da história moderna
brasileira.
Não porque goste de eleições e tenha muita paciência com o
festival de demagogia que gravita em torno delas. É que não vejo outra saída.
Ainda assim uma saída estreita, precária. Esta é sociedade mais extensamente
informada de nossa história moderna. Talvez consiga um Congresso renovado que,
apesar de modesto, pelo menos não atrapalhe.
A política tornou-se um tema central porque a corrupção e
suas consequências roubaram a cena. Sem esses fatores dispersivos, é possível
concentrar mais energia em campos que, realmente, nos empurram para a frente:
trabalho, inovação, conhecimento.
A política terá o seu papel, que certamente vai se
desenhando pelo caminho. Mas não pode mais ser essa pesada mala nas costas do
país. Mala cheia de malinhas: dinheiro, joias, obras de arte, cartões de
crédito, contas no exterior.
Mas o grande peso mesmo não é monetário. É a perda de
esperança num futuro comum, o eclipse de um sentimento de país.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 16/07/2017
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