Da ISTOÉ
Um sujeito prepotente, egoísta, que nutria um grande apreço
por si próprio e, ao mesmo tempo, um desprezo total por outras pessoas –
inclusive amigos. A frieza que pontuou a trajetória do ex-presidente Getúlio
Vargas (1882–1954) foi quebrada por uma única pessoa, teoricamente bem mais
inofensiva do que a imprensa livre ou qualquer outro adversário que cruzou o
seu caminho. Aimeé Lopes, uma paranaense elegante e culta, que viajava com
frequência para a Europa e dominava seis idiomas, entrou na vida de Vargas em
17 de abril de 1937. O presidente – que completara bodas de prata ao lado de
dona Darcy, casada com ele desde os 15 anos – não resistiu ao charme de Aimeé,
esposa de seu amigo e oficial de gabinete Luiz Simões Lopes, que mais adiante
viria a presidir a Fundação Getúlio Vargas por quase cinco décadas. Naquela
data, o homem mais poderoso do País escreveria em seu diário a primeira de
cerca de 20 citações que fez à amante: “Ocorrência sentimental de transbordante
alegria”. Mais: dizia-se “um homem no declínio da vida… banhado por um raio de
sol”. No livro “Os Tempos de Getúlio Vargas” (Topbooks), o escritor
soteropolitano José Carlos Mello não só crava o romance que corria a boca
pequena como deixa claro que Aimeé feriu o coração de Vargas. “Aimeé não o
amou. Na sua juventude tinha fascínio por ser amante da autoridade máxima do
País”, diz o autor, 69 anos, que há 20 pesquisa a vida do gaúcho de São Borja.
“Ela não queria se casar, ter filhos, pretendia uma vida livre não compatível
com a sociedade da época.” Mello se debruçou por três anos sobre as 1.257
páginas do diário do “pai dos pobres” com o intuito de apresentar uma história
mais verdadeira do que ficcional sobre Vargas.
O trunfo de seu livro, não menos caudaloso (600 páginas), é
detalhar a faceta menos discutida do estadista, especialmente a sua vida íntima
e o seu leque de amantes. Mulherengo, o todo-poderoso líder gaúcho contava com
os préstimos do amigo Iedo Fiúza, que foi prefeito de Petrópolis, para dar as
suas escapadas. “Fiúza sabia onde estavam os melhores endereços para trazer
calma ao presidente, conhecia as mais discretas garçonnières da cidade”,
escreve o autor. E não foram poucos os episódios de infidelidade. Os “amores
mercenários”, como Vargas se referia às amantes, provocavam ciúme em sua
esposa. As saídas dele com Fiúza aconteciam à noite ou mesmo no meio da tarde.
O pretexto mais frequente: inspeção a obras rodoviárias. “Não imagino a esposa
do presidente indo além de um chilique com o marido. Ele a mandaria de volta a
São Borja, se ela passasse dos limites”, diz Mello sobre Darcy, que assistiu ao
casamento definhar e se resumir a partidas de dominó e pingue-pongue.
Nos três últimos anos de vida, Vargas remediava o marasmo de
seu matrimônio falido nos braços da atriz Virgínia Lane ou, nas palavras dele,
“a vedete do Brasil”, cujas pernas eram uma mania nacional. “Ela não foi além
de uma companhia para o político, que beirava os 70 anos naquela época”, diz
Mello. Os encontros do casal aconteciam no apartamento de Virgínia, em
Copacabana.
O presidente entrava de carro pela garagem e o condutor, um
tenente, o aguardava. Para a atriz, que irá completar 92 anos este mês, Vargas
foi um grande amor que a estimulou a estudar direito. Na avaliação de Mello,
contudo, Aimeé, que morreu aos 104 anos, em 2006, merece o título de grande
paixão do presidente. Juntos, os dois cavalgavam e caçavam em bosques. Trocavam
olhares provocativos em eventos. O romance atravessou os anos 1937 e 1938 e
terminou por iniciativa da paranaense, que optou por se divorciar do marido e
abandonar o amante. Não era uma mulher de vínculos.
Sem a “bem-amada”, como Vargas se referia a ela, até mesmo
os amores mercenários deixaram de encantá-lo. Assim Vargas registrou para a
posteridade a importância de Aimeé: “Vou a uma visita galante. Saio um tanto
decepcionado. Não tem o encanto das anteriores. Foi-se o meu amor, e nada se
lhe pode aproximar.” Seu coração parara de bater muito antes que ele atirasse
contra o próprio peito e colocasse fim à vida em 1954.
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