Artigo de Helena Chagas
Salvo Michel Temer, por obra e graça sobretudo do Centrão, o
que acontece? Além de mudar o eixo político do governo, tirando Temer da gaiola
tucana - despedaçada pelas bicadas internas - e jogando-o nos braços do grupo
criado pelo ex-deputado e hoje presidiário Eduardo Cunha, ganham força no
Congresso os movimentos que querem limitar a Lava Jato e salvar seus acusados. Quem
salvou Michel, pode agora salvar todo mundo.
Acima e além das verbas, emendas, cargos e promessas que
deram combustível à decisão do plenário da Câmara de enterrar a primeira
denúncia do PGR contra o presidente da República, está um claro espírito de corpo,
subordinado àquela lei não escrita da política segundo a qual é sempre bom
escapar de situações do tipo eu posso ser você amanhã.
Nesse sentido, o caso de Michel Temer, acusado de corrupção
passiva com base na delação premiada de Joesley
Batista, situação complicada ainda mais pelas imagens do assessor Rocha
Loures puxando uma mala de dinheiro pela rua em São Paulo, serviu ao Congresso
como uma espécie de teste. Se, com tudo isso, mostrado intensa e diariamente
pelos meios de comunicação, o presidente não caiu, por que cairão deputados e
senadores alvos de acusações semelhantes, em circunstâncias semelhantes?
Certo, alguns já caíram, perderam mandatos, estão até na
cadeia. Até agora, a reação da opinião pública pró-Lava Jato cortou pela raiz
iniciativas que pretendiam, ou ao menos pareciam pretender, cortar suas asas,
como a anistia ao caixa 2, o projeto que torna mais rigorosa a punição ao abuso
de autoridade e outros.
Tudo isso ocorreu num passado recente, até. Mas há indícios
de que a situação mudou - ou, ao menos, de que boa parte do Legislativo tenha
perdido a inibição diante das iniciativas de autoproteção. Afinal, as coisas
pioraram muito para o lado dos políticos e as investigações que ficavam
sobretudo na praia petista alcançaram os núcleos de poder do PMDB e do PSDB. O
medo se espalhou entre deputados e senadores e agora a reação virou questão de
sobrevivência.
Não afastar Michel Temer é, portanto, um gesto de autodefesa
dos políticos. Inclusive com o beneplácito do PT de Lula, que tentou salvar as
aparências no discurso pró-denúncia de seus líderes, mas que na prática pouco
fez para mobilizar os movimentos sociais e a população a favor da aprovação da
denúncia. O argumento de que manter Michel sangrando no Planalto é bom para os
petistas em 2018 explica apenas uma parte da história. A outra tem a ver com o
que vai acontecer agora no Congresso.
O próximo passo do roteiro, muito antes de se examinar uma
segunda denúncia contra o presidente da República, virá na ação legislativa, e
pode começar já na reforma política que tem que ser aprovada até o fim de
setembro. Haverá iniciativas para distinguir caixa 2 de corrupção, livrando
alguns dos citados nas delações premiadas da Odebrecht e da JBS e abrindo o caminho
para uma anistia mais ampla. Institutos como a prisão preventiva e a delação
premiada devem sofrer reparos na aprovação das mudanças no Código de Processo
Penal.
A PEC que impõe restrições ao foro privilegiado, por sua
vez, deve receber uma emenda estendendo-o a todos os ex-presidentes, com o
objetivo de beneficiar Temer, mas também Lula (que sairia das mãos de Sergio
Moro), Collor, Sarney, Fernando Henrique e Dilma. O STF poderá rever sua interpretação sobre o
cumprimento da pena após o julgamento na segunda instância por alguma mudança
que será aprovada na lei.
É provável que tudo isso aconteça no rastro da vitória de
Michel na Câmara nesta quarta, que encheu os políticos de autoconfiança. O
mundo não caiu. Com exceção de alguns pneus queimados em estradas bloqueadas de
manhã, e de umas poucas manifestações, o povo não foi às ruas. Assistiu meio
distante a tudo, como se estivesse num zoológico vendo os animais.
É esse sentimento que deveria preocupar os políticos.
Afinal, a apatia, o cansaço e a desesperança podem ter afastado as pessoas das
ruas. Mas não vão impedi-las de votar no ano que vem.
Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de
repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil.
Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência
(2011-2014). Hoje é consultora de comunicação.
Via Blog do Noblat
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