sexta-feira, 4 de agosto de 2017

QUEM SALVA MICHEL, SALVA TODO MUNDO

Artigo de Helena Chagas
Salvo Michel Temer, por obra e graça sobretudo do Centrão, o que acontece? Além de mudar o eixo político do governo, tirando Temer da gaiola tucana - despedaçada pelas bicadas internas - e jogando-o nos braços do grupo criado pelo ex-deputado e hoje presidiário Eduardo Cunha, ganham força no Congresso os movimentos que querem limitar a Lava Jato e salvar seus acusados. Quem salvou Michel, pode agora salvar todo mundo.
Acima e além das verbas, emendas, cargos e promessas que deram combustível à decisão do plenário da Câmara de enterrar a primeira denúncia do PGR contra o presidente da República, está um claro espírito de corpo, subordinado àquela lei não escrita da política segundo a qual é sempre bom escapar de situações do tipo eu posso ser você amanhã.
Nesse sentido, o caso de Michel Temer, acusado de corrupção passiva com base na delação premiada de Joesley  Batista, situação complicada ainda mais pelas imagens do assessor Rocha Loures puxando uma mala de dinheiro pela rua em São Paulo, serviu ao Congresso como uma espécie de teste. Se, com tudo isso, mostrado intensa e diariamente pelos meios de comunicação, o presidente não caiu, por que cairão deputados e senadores alvos de acusações semelhantes, em circunstâncias semelhantes?
Certo, alguns já caíram, perderam mandatos, estão até na cadeia. Até agora, a reação da opinião pública pró-Lava Jato cortou pela raiz iniciativas que pretendiam, ou ao menos pareciam pretender, cortar suas asas, como a anistia ao caixa 2, o projeto que torna mais rigorosa a punição ao abuso de autoridade e outros.
Tudo isso ocorreu num passado recente, até. Mas há indícios de que a situação mudou - ou, ao menos, de que boa parte do Legislativo tenha perdido a inibição diante das iniciativas de autoproteção. Afinal, as coisas pioraram muito para o lado dos políticos e as investigações que ficavam sobretudo na praia petista alcançaram os núcleos de poder do PMDB e do PSDB. O medo se espalhou entre deputados e senadores e agora a reação virou questão de sobrevivência.
Não afastar Michel Temer é, portanto, um gesto de autodefesa dos políticos. Inclusive com o beneplácito do PT de Lula, que tentou salvar as aparências no discurso pró-denúncia de seus líderes, mas que na prática pouco fez para mobilizar os movimentos sociais e a população a favor da aprovação da denúncia. O argumento de que manter Michel sangrando no Planalto é bom para os petistas em 2018 explica apenas uma parte da história. A outra tem a ver com o que vai acontecer agora no Congresso.
O próximo passo do roteiro, muito antes de se examinar uma segunda denúncia contra o presidente da República, virá na ação legislativa, e pode começar já na reforma política que tem que ser aprovada até o fim de setembro. Haverá iniciativas para distinguir caixa 2 de corrupção, livrando alguns dos citados nas delações premiadas da Odebrecht e da JBS e abrindo o caminho para uma anistia mais ampla. Institutos como a prisão preventiva e a delação premiada devem sofrer reparos na aprovação das mudanças no Código de Processo Penal.
A PEC que impõe restrições ao foro privilegiado, por sua vez, deve receber uma emenda estendendo-o a todos os ex-presidentes, com o objetivo de beneficiar Temer, mas também Lula (que sairia das mãos de Sergio Moro), Collor, Sarney, Fernando Henrique e Dilma. O  STF poderá rever sua interpretação sobre o cumprimento da pena após o julgamento na segunda instância por alguma mudança que será aprovada na lei.
É provável que tudo isso aconteça no rastro da vitória de Michel na Câmara nesta quarta, que encheu os políticos de autoconfiança. O mundo não caiu. Com exceção de alguns pneus queimados em estradas bloqueadas de manhã, e de umas poucas manifestações, o povo não foi às ruas. Assistiu meio distante a tudo, como se estivesse num zoológico vendo os animais.
É esse sentimento que deveria preocupar os políticos. Afinal, a apatia, o cansaço e a desesperança podem ter afastado as pessoas das ruas. Mas não vão impedi-las de votar no ano que vem.
Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação.
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