Zuenir Ventura, O Globo
Assim como ocorreu na votação do impeachment de Dilma,
tivemos na sessão que rejeitou a denúncia contra Temer uma amostra do eleitor
brasileiro dada pela maioria de seus representantes na Câmara — desta vez
revelando mais pelo que omitiu, escamoteou e calou do que pelo que foi
manifestado. Em nenhuma das justificativas do “sim”, por exemplo, ouviu-se a
confissão de que a decisão fora tomada por interesses fisiológicos como
recompensa por um cargo, uma emenda, um favor qualquer oferecidos pelo
presidente. Todos tinham como motivação uma causa nobre: o desenvolvimento
econômico, a estabilidade política, enfim, o bem do país, não o próprio, claro.
Já imaginaram aqueles dez ministros que deixaram provisoriamente os cargos para
votar a favor, admitindo que estavam ali, desempenhando o vergonhoso papel,
apenas porque o chefe mandou?
A distância entre a opinião dos eleitores manifestada nas
pesquisas e a dos eleitos é tão grande que uma dúvida nos assalta (no Brasil de
hoje até as dúvidas assaltam): será que nas entrevistas dos institutos o
eleitor finge ser, pensar e querer, e não mostra o que de fato é? Trata-se de
uma aparente contradição que os entendidos devem saber explicar: da boca pra
fora, ele condena Temer; na Câmara, absolve. E se aquela gente feia moral e até
fisicamente (com licença da observação politicamente incorreta) for de fato o
retrato sem retoques do nosso eleitor?
Vamos combinar que há uma inversão de sinais no nosso atual
código de ética, com o desvio sendo a norma, e vice-versa. A melhor ilustração
é a daquele que o presidente classificou de “bandido”, o delator Joesley
Batista, se indignando com o que viu. Ele declarou — parece que sem corar — que
“o dia 2 ficará marcado como o dia da vergonha”. E aquela noite no porão do
Jaburu ficará marcada como?
A ironia não é minha, é da História: cada vez mais estamos
dependendo dos vilões menores para descobrir os maiores. Pense no que foi
possível graças a eles nesse processo de depuração moral da política. Se
bobear, vão acabar heróis. O próximo candidato a tentar limpar sua ficha pode
ser o prisioneiro Eduardo Cunha, aquele que o grande Jorge Bastos Moreno
apelidou de “coisa ruim”. É só ele resolver abrir a boca.
Essa comédia de erros não terminou. O vitorioso de hoje pode
ser o vilão no final. O tempo di-lo-á.
________
Nesta temporada de incongruências, um destaque para a
senadora Gleisi Hoffmann, que manifestou em seu nome e no do PT “apoio e
solidariedade ao presidente Maduro frente à violenta ofensiva da direita”, ou
seja, da ONU, União Europeia, EUA, entre outros que comandam a “ofensiva”. Lá,
se fosse presidente de um partido de oposição, ela estaria na cadeia junto com
os dois líderes perseguidos implacavelmente apenas por serem opositores.
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