Artigo de Fernando Gabeira
LARANJAL DO JARI — Tenho viajado pelo interior do Amapá,
divisa com o Pará, para conhecer melhor a região que Temer quer abrir às
empresas mineradoras. Não estava satisfeito com o debate. É preciso ver de
perto. Tenho falado com geólogos, pilotos extrativistas, garimpeiros, para
ouvir suas opiniões.
Devo refletir um pouco sobre algumas experiências decisivas
do Amapá. Uma delas foi a extração de manganês na Serra do Navio. A outra é o
projeto Jari, do famoso Daniel Ludwig, que aconteceu a poucos quilômetros do
lugar onde estou baseado. Elas deixaram um rastro de decepção.
Navegando num calor de rachar, vi algumas pessoas no rio, à
sombra de uma árvore, apenas com a cabeça fora d’água. Invejei seu conforto.
Gostaria de estar assim no momento em que escrevo sobre a semana no Brasil. É
preciso muito sangue-frio para falar de alguns temas, como as Olimpíadas de
2016 e as malas cheias de dinheiro de Geddel Vieira Lima, ou mesmo os diálogos
de Joesley Batista.
As Olimpíadas foram desastrosas para a imagem do Brasil. No
princípio, argumentávamos que elas foram pensadas num momento de euforia
econômica. A chegada da crise iria mostrar ao mundo nossa vulnerabilidade.
Depois, surgiu o debate sobre a Baía de Guanabara e a poluição nas lagoas do Rio.
Era ingênuo supor que, ao se revelar para o mundo, os observadores não iriam
descobrir que ainda estamos no século XIX em termos de saneamento.
Passados os jogos, reacendeu a discussão sobre o legado.
Piscinas abandonadas, velódromo em chamas. Percebemos ali que a tendência era
perder muitas das construções, algumas delas superfaturadas.
Quando o “Le Monde” denunciou o suborno para que o Rio fosse
escolhido, emergiu de novo a figura de Arthur Soares, o Rei Arthur da corte de
Sérgio Cabral. Mas o tema caiu num certo vazio. Era muito constrangedor para
nós. Alegrei-me quando Malu Gaspar fez um perfil de Rei Arthur na revista
“Piauí”. Pensei: agora sim, não só o enigmático personagem viria à tona como
vai ficar mais claro o mal que esse gente fez ao Rio e o tremendo desgaste que
os dirigentes, eufóricos com a escolha, impuseram à imagem do Brasil.
A Operação Unfair Play, em colaboração com investigadores
franceses, confirma a denúncia do “Le Monde”. E mostra que além de Cabral e do
Rei Arthur, contaram também com Carlos Nuzman. Os dirigentes esportivos
disputam hoje com os políticos quem joga mais baixo a imagem do Brasil. Nuzman
está proibido de participar do sorteio das Olimpíadas. A polícia não o deixa
mais sair do país. O presidente da CBF também não deixa o país, com medo de ser
preso lá fora.
Devem olhar para as cadeiras vazias do Brasil e lamentar
como um país de importância internacional tenha chegado a esse ponto. A medalha
de ouro no constrangimento nacional foi a descoberta das malas e malas de dinheiro
no apartamento usado por Geddel Vieira Lima, em Salvador.
R$ 51 milhões, horas de trabalho contando o dinheiro nas
máquinas. A imagem dessas malas cheias de dinheiro correu mundo, um político de
segundo escalão no Brasil tornou-se uma espécie de Tio Patinhas. Creio que o
melhor caminho para contornar o constrangimento no exterior é o que usamos aqui
dentro para nós mesmos: tudo isso está acontecendo porque há uma competente
investigação policial, que conta com o apoio da maioria da população.
Os mecanismos de justiça ainda não parecem à altura do
desafio quando vemos que Geddel estava solto, sem tornozeleira, porque não
havia dinheiro público para comprá-las. A um quilômetro dali, Geddel acumulava
dinheiro para comprar todas as tornozeleiras do país. Suspeito que o dinheiro
daria para comprar a fábrica. De qualquer forma, o dinheiro foi recuperado, e,
segundo ouvi no rádio, Geddel ocupa hoje o sétimo lugar no ranking de maior
assalto no mundo.
Ao pensar nas gravações de Joesley Batista, enquanto descia o
rio de volta para Laranjal, tive inveja de novo dos meninos mergulhando no rio
Jari. A delação de Joesley foi o ponto mais vulnerável da Lava-Jato, e por ele
entraram também os adversários que querem enfraquecer o combate à corrupção e
deixar tudo como está. Há sempre tempo, numa operação complexa como essa, para
reparar erros. O melhor caminho, creio, é o de anular a delação de Joesley,
mantendo as provas que ele entregou.
Lula, Dilma e o dirigentes do PT foram denunciados. A
situação do partido se agrava, e seguem numa caravana pelo Nordeste que lembra
um pouco a Caravana Rolidei, numa espécie de despedida. Apesar de o filme de
Cacá Diegues “Bye Bye Brasil” ser mais poético e complexo; por isso foi tão
discutido por ensaístas no exterior.
A aposta do PT em negar as acusações, reduzi-las a uma
perseguição política, continua de pé. Mas vai transformá-lo em algo mais
próximo da religião. Será preciso acreditar neles, apesar de todas as
evidências, supor que a crise econômica nasceu com o governo Temer, que os
assaltos gigantescos à Petrobras não aconteceram.
Benza Deus, como se dizia em Minas. A semana merecia um
banho de rio.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 10/09/2017
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