Editorial O Estado de S.Paulo
O visível nervosismo de Lula da Silva em seu mais recente
depoimento ao juiz federal Sérgio Moro mostra que o ex-presidente parece saber
que as inconfidências de Antonio Palocci, que foi seu ministro e braço direito,
podem ser decisivas para mandá-lo para a cadeia. Palocci não foi o primeiro
petista a apontar o dedo para Lula e acusá-lo de corrupção da grossa, mas, em
todas as outras ocasiões, as denúncias haviam sido feitas no âmbito interno do
PT – e lá quem manda, desde sempre, é o demiurgo de Garanhuns. Pela primeira
vez, Lula está sendo acusado por um petista de alto coturno fora daquela
instância de araque, que só existe para condenar os que ousam contrariar o
chefão. Desta vez, o juiz não é um sabujo de Lula, e sim um magistrado com
disposição para levar em conta as provas que constam nos autos. Eis por que
Lula, sempre muito confiante, não consegue esconder o desconforto.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que Palocci
quebrou o “decoro” do partido, mas esse “decoro” nunca existiu quando se tratou
de Lula. É preciso lembrar, por exemplo, do caso de Paulo de Tarso Venceslau,
ex-secretário de Finanças das administrações petistas de Campinas e São José
dos Campos nos anos 90. Paulo de Tarso, um dos fundadores do PT, denunciou em
1997 um esquema de corrupção engendrado por um compadre de Lula. O tal esquema,
segundo se informou à época, usava contratos fajutos entre prefeituras petistas
e uma consultoria para financiar, com dinheiro público desviado, as atividades
do PT – uma espécie de avant-première do petrolão.
Diante da denúncia, o PT instalou uma comissão para
investigar o caso, um procedimento meramente cosmético, já que, para Lula, as
acusações de Paulo de Tarso eram uma “chuva de insinuações” e “apenas ilações”.
Lula chegou a sugerir que seu colega de fundação do PT era um desequilibrado
mental. Portanto, se o chefão petista já havia chegado a essas conclusões sem a
necessidade de investigar as denúncias, a tal comissão nem precisaria ter se
reunido. E, no entanto, os petistas designados para apurar o caso, acreditando
que seu papel era mesmo o de investigar a sério e defender a lisura no partido,
concluíram que o compadre de Lula talvez fosse mesmo tudo o que Paulo de Tarso
dizia que ele era e recomendaram que o PT abrisse processo disciplinar contra
ele, por suspeita de “grave violação ética”.
O diretório nacional do PT, é claro, mandou engavetar o
relatório da comissão, cujos membros foram acusados de agir por “interesses
partidários individuais”. Mais do que isso: Paulo de Tarso foi expulso do
partido, deixando claro que a única ética em vigor no PT é a que preserva Lula
e seus parceiros.
Outro fundador do PT, o jornalista César Benjamin, preferiu
deixar o partido, em 1995, depois que começou a ver “coisas muito estranhas”,
conforme contou ao jornalista Zuenir Ventura em livro publicado em 2008. Na entrevista,
Benjamin contou que Lula e José Dirceu viraram o PT do avesso para torná-lo
competitivo. Para isso, segundo disse, “foram dissolvendo o PT em um banho de
dinheiro, cooptando todos os que podiam cooptar”. Incomodado com a situação,
Benjamin contou que tentou falar com Lula a respeito, mas “ele disse para eu
não me meter”.
O jornalista decidiu então denunciar a situação em um
encontro nacional do partido, em 1995, mas não conseguiu: quando fazia o
pronunciamento foi “interrompido de maneira violentíssima” por militantes que
“partiram para a porrada”, supostamente orientados por José Dirceu. Foi o
bastante para perceber que não havia possibilidade de debate no PT quando se
tratava de Lula.
Esses são casos conhecidos, mas é possível imaginar quantos
petistas já testemunharam “coisas muito estranhas” no partido de Lula e, sem
coragem para enfrentar o Grande Líder ou simplesmente incapazes de aceitar que
seu ídolo não é “a viva alma mais honesta deste país”, preferem o silêncio.
Palocci é uma exceção que pode, finalmente, fazer Lula responder pelo que fez.
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