Artigo de Fernando Gabeira
A segunda denúncia contra Temer vai à Câmara e, como a
primeira, deve ser rejeitada. É possível, portanto, prever uma situação
bizarra: Temer, que só tem 3,4% de aprovação, segundo as pesquisas, ruma para
um desgaste ainda maior, com a repetição de cenas da mala de Rodrigo Rocha
Loures, a fortuna encontrada no apartamento usado por Geddel. Toda aquela
dinheirama passará de novo pelas telas e aprovação de Temer deve encolher. Mas
ele continuará na presidência e, se chance houver, vai querer ser candidato de
novo.
Não é provável uma grande manifestação popular. Afinal, o
impeachment derrubou uma quadrilha para colocar outra no topo do poder. São
muito modestas as razões para lutar pela ascensão de uma nova quadrilha. O
sistema se autoimunizou, não há salvação dentro dele.
Como a grande maioria acha que houve corrupção e Temer já
era impopular, vamos ouvir, aqui e ali, gritos de “fora”. Um escritor na Bienal
do Livro, ao se apresentar, disse: “Antes de tudo, fora Temer”. O grito será
incorporado ao nosso universo das ruas, do vendedor de pamonha, os gritos de
gol nas tardes de domingo.
O humorista José Simão antecipou, brilhantemente, essa
situação bizarra ao imaginar a faixa com que o presidente foi recebido na
China: Welcome Mister Fora Temer.
Mas nem todos vão rir todo tempo dessa situação. O
presidente se refugiou no agonizante sistema político partidário. Essa ampla
posição de resistência às investigações da Lava-Jato acaba fortalecendo
posições mais radicais. De um lado, explorando a incapacidade de solução na
política, cresce na rede social a posição dos que querem uma intervenção
militar. Na arena institucional cresce também o potencial de votos de Jair
Bolsonaro. Ele aparece para seus seguidores como alternativa eleitoral como a
esse sistema apodrecido. Bolsonaro cresce também porque assim como Trump, usa a
mídia a seu favor. Seu estilo é fazer uma declaração bombástica e ir
relativando aos poucos, terminando por culpar a mídia pelo mal-entendido.
Estive em Minas mais ou menos na mesma época que Bolsonaro.
Decidi analisar as duas polêmicas que surgiram na sua passagem. Na primeira
delas, prometeu levar o mar a Minas. É algo que no passado mobilizou um célebre
populista mineiro, Nelson Thibau. Ele tinha essa bandeira e chegou a
transportar um barco para a Praça Sete, no centro de Belo Horizonte. Acontece
que Bolsonaro usava suas frases como uma armadilha. Por exemplo, logo após
prometer o mar a Minas, disse “Brincadeiras à parte…” e seguiu seu discurso.
No outro momento, Bolsonaro montou de novo sua armadilha.
Declarou: os caras que fizeram a exposição lá no sul mereciam ser fuzilados. Em
seguida, disse: é uma força de expressão.
Minha hipótese é a de que ele atravessa o discurso
politicamente correto para provocá-lo e trazê-lo para uma boa briga, na qual
reforça sua posição entres os adeptos e, simultaneamente, enfraquece o outro.
Em síntese, Bolsonaro cria uma situação caricata, que tanto ele como Trump
consideram mais inteligível para a maioria de seus seguidores.
As táticas de Bolsonaro e Trump são mais eficientes que as
ameaças do populismo de esquerda de controlar a mídia. Eles transitam da mídia
para as redes sociais e vice-versa, usam as duas de forma sincronizada, algo
diferente do populismo de esquerda.
Ainda preciso avançar um pouco no tema, mas desde já acho
que as falas de Bolsonaro deveriam ser avaliadas na cobertura presidencial com
uma pergunta: qual é o jogo?
A inglória derrocada da esquerda e a mediocridade do PSDB
acabam abrindo o caminho para que uma rebeldia juvenil seja atraída por
Bolsonaro e seu discurso crítico ao sistema.
É algo que devemos também à insistência de Mister Fora Temer
de se manter no poder, com tão pouca credibilidade. Os partidos políticos e
Temer se enterram juntos em Brasília. Mas da maneira que o fazem não deixam nem
capim nascer sobre o seu túmulo. Eles contribuem para nos lançar em campanhas
de slogans e arranca-rabos, num momento em que é necessário discutir os rumos
do país.
Os discursos bombásticos vão animar as eleições. Mas não
devem dominá-las. Suponho que uma tendência mais equilibrada é majoritária. E
também a mais adequada para pensar a saída da crise e projetar algumas linhas
do futuro.
Muita gente tem esperança de que o Brasil saia desse imenso
pantanal. Essa esperança, os adeptos da cura gay não podem curar. E a Justiça
ainda não autorizou.
______
Semana passada escrevi que Garotinho foi preso três vezes.
Ele foi preso duas vezes. Houve um terceiro pedido de prisão que foi negado.
Peço desculpas a Garotinho por essa prisão adicional, logo eu que mal consigo
prender os gatos antes de dormir.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 24/09/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário