Editorial O Estado de S.Paulo
O Congresso perdeu mais uma oportunidade de promover uma
verdadeira e necessária reforma política. Até mesmo as duas medidas positivas
aprovadas perderam, em sua redação final, boa parte de sua capacidade
moralizadora. O fim das coligações nas eleições proporcionais só começará a
valer em 2020 e a cláusula de desempenho para os partidos políticos foi
seriamente mitigada. Muitas legendas nanicas, com pouquíssima representação,
continuarão a gozar das benesses do Estado.
Essas duas medidas são o que pode ser qualificado de positivo
nas alterações das regras eleitorais feitas pelo Congresso. O restante é
claramente negativo. Sem qualquer pudor, Senado e Câmara aprovaram a criação de
um fundo com dinheiro público para financiar as campanhas políticas. Tamanha
foi a pressa em aprovar a medida absolutamente imoral – que desvirtua o
princípio básico de que é a sociedade, e não o Estado, que deve bancar as
causas políticas – que ninguém sabe ao certo quanto de dinheiro do contribuinte
será repassado aos partidos com o novo fundo. Fala-se em R$ 2 bilhões, mas o
valor pode ser maior.
É um disparate aprovar a destinação de dinheiro público a
campanhas políticas, especialmente quando o governo precisa passar por sério
ajuste fiscal. Há, no caso, uma clara falta de sintonia entre os Poderes. O
Executivo tenta cortar os gastos públicos – tarefa especialmente difícil na
atual organização do Estado, com inúmeras vinculações de despesas – e o
Legislativo, como se os recursos públicos fossem infinitos, aprova um novo
fundo para as campanhas eleitorais.
Vislumbram-se no caso, uma vez mais, os efeitos deletérios
da atuação de Rodrigo Janot. Tivesse contido suas idiossincrasias e deixado de
apresentar uma denúncia inepta contra o presidente Michel Temer, o
ex-procurador-geral da República não teria privado o governo federal das
condições políticas mínimas para realizar o necessário veto ao novo fundo de
financiamento de campanha. É mais uma evidência de como é difícil melhorar a
política e as instituições quando as autoridades não cumprem responsavelmente
suas funções.
No quesito descumprimento das responsabilidades
institucionais, alguns parlamentares se sobressaíram. Por exemplo, o deputado
Áureo (SD/RJ) apresentou uma emenda para instituir a censura na internet,
permitindo a remoção de conteúdos sem a necessidade de autorização judicial.
Para tanto, bastaria uma denúncia sobre o suposto caráter ofensivo de
determinada publicação na internet.
E o pior é que a emenda do deputado Áureo foi aprovada pela
Câmara. Diante da forte reação contra a esdrúxula medida, até o deputado recuou
de sua proposta. Segundo o Palácio do Planalto, o deputado solicitou ao
presidente Michel Temer que vete o mecanismo de censura.
Outra imoralidade aprovada pelo Congresso foi a concessão de
uma ampla anistia para as multas aplicadas aos partidos políticos. A nova regra
estabelece que a legenda não poderá pagar por mês um valor maior do que o
correspondente a 2% do repasse mensal do Fundo Partidário. Consagra-se, assim,
a impunidade. Os maiores equívocos podem ser cometidos, mas as legendas terão a
garantia de que as multas não afetarão suas finanças.
Para completar o conjunto de bizarrices, o Senado tentou de
última hora eliminar o teto para o autofinanciamento das campanhas eleitorais.
A existência de um limite máximo de dinheiro do próprio bolso do candidato para
financiar sua campanha é medida elementar para um mínimo de equilíbrio nas
eleições. A proposta inicial previa um teto de 7% dos gastos da campanha para
deputado e de R$ 200 mil para cargos majoritários. No entanto, o Senado
eliminou o artigo sobre o autofinanciamento do texto final aprovado, para que
não houvesse qualquer limite. A manobra teve, no entanto, resultado oposto:
valerá para todos, seja candidato ou não, a regra geral que limita a doação a
10 salários mínimos.
Essa atuação destrambelhada do Congresso manifesta o
descompasso de boa parte dos parlamentares com as reais necessidades do País.
Agora, é torcer para que o eleitor se dê conta em 2018 de que precisa de outros
representantes. Com a turma atual, já é uma baita sorte quando as coisas não
pioram demasiadamente.
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