Artigo de Luiz Eduardo Rocha Paiva, O Estado de S.Paulo
Muito se discute sobre a possibilidade, necessidade e
legalidade de uma intervenção militar para combater a corrupção, retomar o
desenvolvimento e evitar uma convulsão social. (Editorial O altar da salvação nacional).
O artigo 142 da Constituição federal define a missão das
Forças Armadas, estabelecendo que elas “são instituições nacionais permanentes
e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”.
O artigo deixava dúvida se o emprego das Forças poderia ser
determinado diretamente pelo Judiciário e pelo Legislativo, haja vista a
subordinação das Forças Armadas à autoridade suprema do presidente da
República. Essa lacuna foi parcialmente preenchida com a Lei Complementar
97/1999, que em seu artigo 15, § 1.º, diz: “Compete ao Presidente da República
a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em
atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por
intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da
Câmara dos Deputados”. A lei não eliminou a possibilidade de um impasse
institucional caso o Judiciário ou o Legislativo requeiram o emprego das Forças
Armadas e o presidente se recuse a dar a respectiva ordem, pois o Brasil não
está imune ao conflito entre os Poderes da União, como se vê no atual contexto político.
Está claro, porém, não haver nenhum dispositivo legal que
autorize o emprego ou a intervenção das Forças Armadas por iniciativa própria.
Aliás, nesse caso, quem assumiria o comando das Forças? O comandante da
Marinha, o do Exército ou o da Aeronáutica? Haveria consenso? Em 1964 o
Exército conduziu o movimento civil-militar de 31 de março, mas o contexto
político era diferente. Por outro lado, houve intervenções militares em algumas
situações de grave crise política, a despeito de, salvo melhor juízo, nunca ter
existido tal dispositivo legal.
No Brasil, indivíduos e grupos poderosos vêm usando a lei,
ou a prerrogativa de legislar, com o propósito de auferir vantagens
injustificáveis, portanto, ilegítimas. A sociedade e as instituições confiáveis
precisam tomar atitudes resolutas para, licitamente, se livrarem das lideranças
corruptas, cujas permanência no poder e atuação prepotente e nociva podem levar
o País a uma desastrosa convulsão política e social, pois tolerância tem
limite.
A intervenção militar será legítima e justificável, mesmo
sem amparo legal, caso o agravamento da crise política, econômica, social e
moral resulte na falência dos Poderes da União, seguida de grave instabilidade
institucional com risco de guerra civil, ruptura da unidade política, quebra do
regime democrático e perda de soberania pelo Estado. Esse processo
revolucionário já foi propugnado, publicamente, por líderes de movimentos
pseudossociais e políticos de ideologia socialista radical, todos investindo
constantemente na divisão da sociedade.
Em tal quadro de anomia, as Forças Armadas tomarão a
iniciativa para recuperar a estabilidade no País, neutralizando forças
adversas, pacificando a sociedade, assegurando a sobrevivência da Nação,
preservando a democracia e restabelecendo a autoridade do Estado após livrá-lo
das lideranças deletérias. São ações inerentes às missões constitucionais de
defesa da Pátria, não restrita aos conflitos externos, e de garantia dos
Poderes constitucionais, da lei e da ordem.
O Executivo e o Legislativo, profundamente desacreditados
pelo envolvimento de altos escalões em inimagináveis escândalos de corrupção,
perderam a credibilidade para governar e legislar. Embora moralmente
desgastadas, as lideranças políticas têm força para tentar deter a Lava Jato e
outras operações congêneres, escapar da Justiça e manter seu ilegítimo status
de poder. São visíveis as manobras insidiosas da velha ordem política
patrimonialista fisiológica e da liderança socialista radical, cuja aliança
afundou o País em 13 anos de governo.
Pela credibilidade da presidente do STF e da maioria dos
ministros, a Alta Corte tem autoridade moral tanto para dissuadir essas
manobras insidiosas quanto para encontrar caminhos legais e legítimos que
permitam acelerar os processos das operações de limpeza moral, como a citada
Lava Jato. Não fossem o foro especial e os meandros de uma Justiça lenta e
leniente, o País já teria avançado muito mais em sua higienização política.
Por sua vez, a sociedade, hoje descrente, tenha consciência
de que, para traçar seu destino, precisa manter constante pressão para sanear
instituições fisiológicas, que não cumprem a obrigação de defender interesses
coletivos. Não se iluda a liderança nacional. A apatia da Nação pode ser
aparente e inercial, explodindo como uma bomba se algo ou alguém acender o
pavio.
Na verdade, só o STF e a sociedade conseguirão deter o
agravamento da crise atual, que, em médio prazo, poderá levar as Forças Armadas
a tomarem atitudes indesejadas, mas pleiteadas por significativa parcela da
população.
O Brasil não pode continuar sangrando indefinidamente, pois
isso aumenta a descrença no futuro, retarda a retomada do desenvolvimento
econômico e ameaça a estabilidade política e social.
O comandante do Exército estabeleceu a legalidade, a
legitimidade e a estabilidade como cláusulas pétreas para guiar a instituição,
mas a mensagem se estende, também, à sociedade e à liderança nacional. Que
tenham visão de futuro e responsabilidade cívica e política para impedir que a
legalidade continue sendo corrompida pela ilegitimidade, assim desestabilizando
o País.
As cláusulas pétreas são pilares que precisam ser rígidos,
sendo os Poderes da União e a sociedade os responsáveis pela firmeza do tripé.
*General da reserva
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