Ricardo Soares, DomTotal
Ah, senhoras e senhores. Não vou aqui , já passado o limiar
do século 21 ,ficar arrastando correntes na tentativa séria, sisuda e formal de
tentar escrever um crônica- inventário sobre a minha geração.
A geração que precedeu a minha , com todo respeito, levou-se
mais a sério, soube se “vender”melhor. Para o bem e para o mal. Alinhou suas
histórias com tintas fortes e pesadas, com tons plúmbeos onde aparecem as
muitas agruras do regime ditatorial de 1964, as torturas,os presos políticos,
os discursos e divergências ideológicas. Se tudo isso produziu pouca ficção de
qualidade é matéria discutível. Mas produziu boa memória, boas biografias, bons
registros históricos que no entanto intoxicaram os que vieram logo em seguida
fartos dos jargões tantas vezes repetidos. Na verdade muitos de nós nos
cansamos dos mesmos mártires e torturados
hoje icônicos de uma época que não devemos esquecer mas que produziu uma
infinidade de variações sobre o mesmo tema.
Quero pois me libertar desses grilhões e contar as coisas ao
meu modo. Se for uma colagem escalafobética que assim seja. Os tempos também
foram assim e não organizados com a parcimônia histórica que a geração que nos
precede parece querer impor.
Somos a geração chiclete com banana, a geração Chacrinha , a geração que juntou
National Kid com o “Vigilante Rodoviário” que mesclou Rubem Fonseca com o clã
Marvel , que mixou Stones, Tropicália, Luiz Gonzaga, Led Zeppelin e Chico
Buarque com Novos Baianos , Jorge Bem e Jorge Mautner.
Muitos poetas desfolharam as nossas bandeiras , fomos
“Mutantes” em busca da identidade , fugimos da vaia com Tim Maia. Ali ,senhoras
e senhores, levantamos estandartes vermelhos e ,crianças, nos cobrimos de verde
e amarelo no gesto sincero do tri no México 70. Quisemos ser Jairzinho , Pelé,
Tostão , Rivelino, Carlos Alberto... mas nunca, nem crianças e nem adultos
quisemos ser Zagalos.
Não nos cobrem coerência pois somos o subproduto cultural da
mistura do cinema novo com Mazzaropi, da pornochanchada com Rogério Sganzerla.
Gravitamos do oráculo dos poemas concretos ao “Poema Sujo” de Gullar e assim
buscamos um lugar além da rima óbvia. Copacabana misturada com Brasília, Vieira Souto com Santa Cecília , tudo para tentar contar a história de outro jeito.
O jeito daquilo que se passa acima e abaixo do Minhocão, o
jeito daquilo que se passa fora e dentro do Circo Voador,dos exílios
voluntários e involuntários daquele sismo histórico que funde Allende com
Tancredo, Videla com Franco Montoro, Brizola com Pinochet, Darcy Ribeiro com
moral e civica , Sambódromo com parada militar. O sabor e o dissabor da
contradição. Isso talvez defina aquilo que fomos. Isso talvez defina o que
somos. Por isso não me cobrem uma história reta, ereta,linear. Não tenho
capacidade para isso.
Ah, senhoras e senhores. E mesmo que nada disso esteja certo
que tudo isso seja uma desculpa ou justificativa para a miscelânea só posso
lhes responder que sou um homem sincero e só assim , sinceramente, sei fazer
nesses tempos horríveis onde tanta gente nefasta clama por ditaduras .
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