As Organizações Sociais (OS) responsáveis por projetos
voltados para crianças e adolescentes na cidade de São Paulo sofreram um duro
golpe. Este ano o prefeito João Dória (PSDB) autorizou, no final de janeiro, a
desvinculação de 30,7 milhões de reais do Fundo Municipal da Criança e do
Adolescente (Fumcad), responsável por financiar iniciativas dedicadas a este
público. O valor corresponde a quase 30% do total arrecadado em 2017, que é de
102 milhões. A medida, vista como mais uma ferramenta de arrocho fiscal em
tempos de crise econômica, foi duramente criticada pelas organizações do
terceiro setor. Na prática, a prefeitura poderia usar o dinheiro que seria
destinado a um projeto voltado para jovens de comunidades carentes e financiar
o carnaval, por exemplo, ou então para cobrir buracos de rua.
Dentre as organizações que contam com os recursos do Fundo
estão desde entidades mais conhecidas como o Doutores da Alegria (que atuam com
crianças doentes) e a APAE de São Paulo (que tem projetos educacionais para
crianças excepcionais), até algumas mais locais, como a Associação Comunitária
Casa dos Deficientes de São Miguel Paulista. Questionada pela reportagem a
respeito da destinação da verba do Fumcad, a Prefeitura afirmou que os recursos
desvinculados serão transferidos “por força constitucional ao Caixa Único do
Tesouro Municipal”. A nota diz ainda que o dinheiro irá financiar “políticas
públicas municipais, podendo, inclusive, se necessário, retornar ao Fumcad para
financiamento dos projetos aprovados no Fundo”.
O Fumcad foi criado a partir do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em 1990. As organizações sociais interessadas em propor projetos
para crianças e adolescentes apresentam as iniciativas ao Conselho do Fundo,
que autoriza via um edital a captação do recurso com empresas ou pessoas
físicas. Parte do dinheiro arrecadado por uma determinada organização fica no
Fundo para financiar projetos considerados relevantes pelo Conselho mas que não
conseguiram captar dinheiro o suficiente, em uma espécie de rateio. Por sua
vez, quem contribui com o Fundo consegue fazê-lo redirecionando seus impostos a
pagar.
“Agora com a desvinculação fica muito mais difícil para uma
organização conseguir captar dinheiro: se antes ela precisava de 100.000 reais
para financiar um projeto, agora precisa de 167.000”, afirma Armando Broggi,
coordenador do Movimento Força FUNCAD, de apoio aos Fundos da Criança e do
Adolescente. Ele ainda afirma que a pessoa que financia um projeto fica mais
reticente em participar se souber que 30% do valor pago para um projeto irá
para a prefeitura. “Quem doa geralmente doa para um projeto específico muitas
vezes por uma questão de afinidade. Agora doar sem saber para que o dinheiro
será usado é complicado”, diz.
Armando Coló Neto, analista de projetos da APAE de São
Paulo, é um dos profissionais que sentem na pele a dificuldade para conseguir
recursos após a desvinculação. Responsável pela captação de recursos da
Associação, ele afirma que a notícia de que as receitas do Fundo seriam
utilizadas com outra finalidade fez com que as empresas “recuassem das
doações”. “Quando a empresa percebe que a doação não será destinada a projetos
ligados à criança e ao adolescente, para ela isso deixa de fazer sentido”, diz.
Neto não descarta o risco de que, futuramente, alguns dos projetos da APAE
sejam suspensos por falta de financiamento. “Por ora não há perspectiva disso,
mas é um risco que corremos no futuro”.
As Organizações que trabalham com o Fundo defendem que o
prefeito João Doria edite uma portaria retirando o Fumcad do escopo das
desvinculações. Algo semelhante foi feito pelo governo do Estado com o Condeca
- um fundo semelhante que estaria sujeito pela legislação à desvinculação de
recursos, mas que foi preservado pelo governador Geraldo Alckmin.
Em nota, a prefeitura refuta a tese de Broggi e Neto de que
a desvinculação prejudica a arrecadação. “A prefeitura realiza desvinculações
em respeito a Emenda Constitucional n. 93/2016 desde o ano de 2016 e, até o
momento, não observa modificação significativa no fluxo de ingresso de receitas
desse fundo”. A assessoria informa ainda que “a receita de doações para o
Fumcad no ano de 2017 foi consideravelmente superior à observada no exercício
de 2016”.
Broggi questiona a afirmação da prefeitura. Segundo ele, os
recursos levantados em 2017 foram maiores do que em 2016 porque naquele ano não
houve edital para a captação. “Então em 2016 a arrecadação foi mais baixa
porque não havia previsão para isso”, explica. De acordo com ele, as
organizações estão encontrando muita dificuldade para captar recursos este ano.
A desvinculação de verbas do Fundo não é irregular: uma
emenda constitucional de 2016 permite o expediente. “A emenda diz claramente
que os fundos municipais podem desvincular receitas municipais. No nosso
entendimento, a receita do Fundo não é municipal: são pessoas físicas e
jurídicas que doam. Primeiro você doa, depois você se beneficia do incentivo
fiscal”, afirma Broggi. Ele também critica a falta de diálogo do prefeito com o
Movimento Força Funcad. “Desde julho estamos tentando falar com o prefeito
sobre o mal que isso [a desvinculação] causa para as crianças, tentamos vários
canais de diálogo, muitas organizações importantes tentaram falar com ele e
nada”, diz.
De acordo com Broggi, a desvinculação prejudica até mesmo a
implementação de projetos e metas da própria prefeitura, “como aumentar a
oferta de creches”. Doria não é o primeiro prefeito a desvincular verbas do
Funcad. O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) chegou a utilizar 17 milhões de
reais do Fundo para outras finalidades. Foi o petista quem assinou um decreto
permitindo o uso deste expediente em São Paulo até 2023.
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