segunda-feira, 19 de março de 2018

O RIO DILACERADO

Artigo de Fernando Gabeira
Apesar de tão distante do Rio, não posso deixar um minuto de pensar na tragédia que abalou o país: o covarde assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Ainda com informações precárias, considero a hipótese de execução a mais viável.
A relação entre número de projéteis disparados — nove segundo ouvi — e que encontraram o alvo revela que havia profissionais na realização do crime. Três tiros na cabeça, num carro com proteção visual aos ocupantes, indica que o atirador era experimentado.
Num caso desses, é uma questão de honra nacional descobrir os assassinos. E costuma ser uma longa batalha, começando pelo carro dos criminosos, possivelmente roubado, o Cobalt prata.
Li que Marielle Franco denunciava violência policial em Acari. É uma das hipóteses de investigação. Acari tem uma tradição de violência policial. Em 1990, houve a chacina de Acari, que levou sete jovens. As mães fizeram um movimento de denúncia. Uma delas também foi assassinada.
A 15 minutos de distância está Vigário Geral, onde também houve uma chacina. Estive lá no primeiro momento e falava-se muito na culpa de um grupo de PMs intitulado Cavalos Corredores.
Tudo isso parece sepultado no século XX. Mas a violência nunca desapareceu de fato e, agora, com a ruína do governo, o processo de decomposição dos órgãos policiais é ainda maior.
Outra hipótese são as milícias. Uma delas foi desbaratada na véspera do assassinato de Marielle. As milícias, também, com o processo de decadência do governo, ampliaram-se e, hoje, segundo ouvi, já ocupam 164 comunidades e mandam no cotidiano de dois milhões de pessoas.
Se conduzida com seriedade, a intervenção federal terá de encarar esses problemas.
A derrocada da polícia do Rio foi precipitada pela corrupção dos governantes. Vi, de relance, algumas pessoas na rua, pedindo o fim da PM. Mas, o que colocar no lugar? Talvez não seja nem a pergunta mais difícil. A mais difícil é essa: como trocar os pneus com o carro em movimento?
Todos nós queremos ter certeza de que não só o Rio vai emergir desta tragédia, mas que o próprio país, sobretudo o Nordeste, também vai encontrar uma saída para deter o avanço do crime organizado.
No entanto, a lacuna política é evidente. O Exército pode intervir na segurança pública do Rio. Isso aumenta a confiança, porque a polícia está em crise. Mas todos sabem que o problema é mais complexo.
O momento é de expressar minha solidariedade à família de Marielle, de Anderson, aos quadros e simpatizantes do PSOL. Divergências à parte, fomos todos atingidos.
O assassinato de dois jovens, uma promissora líder e o motorista que trabalhava duro para sustentar a família, levou muita gente a perguntar como chegamos a esse ponto.
Certamente foi um processo. A cada dia, a cada semana, as coisas iam se tornando mais graves no Rio, a ponto de a própria Marielle ter também se perguntado: “quantos precisam morrer ainda para acabar essa guerra?”
Sua pergunta é um desafio que precisa ser considerado em conjunto por todos que sofrem com tanto sangue derramado: o que precisamos fazer para acabar com essa guerra?
Acabou o tempo de espanto e espera. Como diz o poeta, o drama se precipita sem máscara.
Artigo publicado no Globo em 17/03/2018
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