Apesar de tão distante do Rio, não posso deixar um minuto de
pensar na tragédia que abalou o país: o covarde assassinato da vereadora
Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Ainda com informações precárias,
considero a hipótese de execução a mais viável.
A relação entre número de projéteis disparados — nove
segundo ouvi — e que encontraram o alvo revela que havia profissionais na
realização do crime. Três tiros na cabeça, num carro com proteção visual aos
ocupantes, indica que o atirador era experimentado.
Num caso desses, é uma questão de honra nacional descobrir
os assassinos. E costuma ser uma longa batalha, começando pelo carro dos
criminosos, possivelmente roubado, o Cobalt prata.
Li que Marielle Franco denunciava violência policial em
Acari. É uma das hipóteses de investigação. Acari tem uma tradição de violência
policial. Em 1990, houve a chacina de Acari, que levou sete jovens. As mães
fizeram um movimento de denúncia. Uma delas também foi assassinada.
A 15 minutos de distância está Vigário Geral, onde também
houve uma chacina. Estive lá no primeiro momento e falava-se muito na culpa de
um grupo de PMs intitulado Cavalos Corredores.
Tudo isso parece sepultado no século XX. Mas a violência
nunca desapareceu de fato e, agora, com a ruína do governo, o processo de
decomposição dos órgãos policiais é ainda maior.
Outra hipótese são as milícias. Uma delas foi desbaratada na
véspera do assassinato de Marielle. As milícias, também, com o processo de
decadência do governo, ampliaram-se e, hoje, segundo ouvi, já ocupam 164
comunidades e mandam no cotidiano de dois milhões de pessoas.
Se conduzida com seriedade, a intervenção federal terá de
encarar esses problemas.
A derrocada da polícia do Rio foi precipitada pela corrupção
dos governantes. Vi, de relance, algumas pessoas na rua, pedindo o fim da PM.
Mas, o que colocar no lugar? Talvez não seja nem a pergunta mais difícil. A
mais difícil é essa: como trocar os pneus com o carro em movimento?
Todos nós queremos ter certeza de que não só o Rio vai
emergir desta tragédia, mas que o próprio país, sobretudo o Nordeste, também
vai encontrar uma saída para deter o avanço do crime organizado.
No entanto, a lacuna política é evidente. O Exército pode
intervir na segurança pública do Rio. Isso aumenta a confiança, porque a
polícia está em crise. Mas todos sabem que o problema é mais complexo.
O momento é de expressar minha solidariedade à família de
Marielle, de Anderson, aos quadros e simpatizantes do PSOL. Divergências à
parte, fomos todos atingidos.
O assassinato de dois jovens, uma promissora líder e o
motorista que trabalhava duro para sustentar a família, levou muita gente a
perguntar como chegamos a esse ponto.
Certamente foi um processo. A cada dia, a cada semana, as
coisas iam se tornando mais graves no Rio, a ponto de a própria Marielle ter
também se perguntado: “quantos precisam morrer ainda para acabar essa guerra?”
Sua pergunta é um desafio que precisa ser considerado em
conjunto por todos que sofrem com tanto sangue derramado: o que precisamos
fazer para acabar com essa guerra?
Acabou o tempo de espanto e espera. Como diz o poeta, o
drama se precipita sem máscara.
Artigo publicado no Globo em 17/03/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário