O STF não se cansa de expor em praça pública seus vacilos,
frágeis convicções jurídicas e apego midiático aos holofotes. As sessões
viraram circo, com direito a bate-boca, xingamentos que afrontam o decoro e
atitudes destemperadas de toda ordem. Até pedido para adiamento de sessão
devido à viagem de um ministro é usado como subterfúgio.
“Tenho que pegar um voo”???. É cabível uma desculpa dessa
natureza? Pois Marco Aurélio Mello levantou a “questão de ordem” para receber
um cargo honorário no Rio em meio ao mais esperado julgamento dos últimos
tempos, o do habeas corpus preventivo e sem fundamento que livra o condenado
Lula da cadeia. O colega Lewandovski aquiesceu com gosto, sugerindo à Corte
considerar como procedentes as “casuabilidades”.
Viagens de última hora estão nessa categoria. É só
apresentar o “check-in” da passagem para receber o consentimento dos pares.
Difícil acreditar que o estratagema não estava previamente combinado. E fica a
questão: o ministro Gilmar Mendes tem compromisso em Lisboa no dia 4 de abril,
data prevista para a retomada do julgamento. E aí, vai adiar de novo? O Supremo
brinca com o País. Lança incertezas jurídicas através dos ajustes excepcionais
no regimento. Deixa decisões vitais em compasso de espera. Faz releituras
enviesadas da Constituição. Demove jurisprudências. Promove a fuzarca legal.
Talvez tenha descido ao degrau mais baixo do respeito moral
da Nação. Debaixo até do lugar reservado aos parlamentares do Legislativo. Não
há brasileiro que assista às audiências, televisionadas ao vivo, e que não
fique estupefato, tomado pelo sentimento de descrença. Que Justiça é essa
movida a pressões políticas? Para além das artimanhas, das brigas vexatórias, o
Tribunal parece flertar com acertos nada republicanos nos bastidores e segue ao
sabor das conveniências.
O HC do honorável bandido petista, condenado em duas
instâncias, foi empurrado goela abaixo para ser votado às pressas antes que o
TRF-4 de Porto Alegre mandasse expedir o mandado de prisão. É surreal. Milhares
de outros habeas corpus mofam na fila e foram atropelados para tratar da
extraordinária condição do chefe de quadrilha, Lula – que se diz quase tão
inocente como Jesus Cristo.
O demiurgo de Garanhuns continua sacudindo o coreto dos
magistrados. Depois de desmoralizá-los lá atrás, bradando em alto e bom som que
“temos um Supremo totalmente acovardado”, ele é paparicado por vossas
excelências. Ao menos por parte delas. Vários naquele tribunal não hesitam em
lhe prestar vassalagem, através de sentenças favoráveis, talvez acreditando
piamente que devem a ele o favor de estarem na cadeira que ocupam.
A situação de Lula foi congelada no tempo, com um viés,
digamos, benéfico a suas intenções. Uma liminar incomum, que se assemelha a um
HC preventivo por tempo determinado, ele já ganhou. E os outros réus do Brasil,
criminosos de colarinho branco ou não, batedores de carteira, assaltantes
armados, meros larápios da esfera pública e privada, condenados em segunda
instância como ele, que estão no aguardo com os seus HCs para sair das grades,
também serão favorecidos pela liminar? A regra vale geral ou é feita sob
encomenda, “on demand”, para Lula? Que fique sacramentada a nova ordem: nem
todos serão iguais perante a Lei, na interpretação peculiar do Supremo.
Mais adiante, se o STF livrar o petista, os demais deverão
ser imediatamente soltos, implodindo de vez com a Lava-Jato. Para efeitos
concretos, libertem logo Sergio Cabral, libertem Eduardo Cunha, coloquem na rua
a cambada de privilegiados que a Justiça não quer incomodar, cada bandido desse
imenso território, a corja de políticos que dilapidou as finanças públicas.
Se a punição será aplicada somente quando esgotados todos os
recursos, a impunidade vingará na esfera dos ricos e poderosos, únicos capazes
de, pagando regiamente, estender a perder de vista seus processos. Quem mais
vai ser preso nessa corriola no País? Quem vai delatar? Pra quê? Vamos ao
mérito da discussão maior: a prisão em segunda instância.
A titulo de ilustração, para se ter uma ideia do descalabro
sobre o assunto, basta lembrar que das 194 nações filiadas à ONU, 193 delas
prendem em primeira ou, no máximo, na segunda instância. Adivinhe qual o único
país do grupo que ainda discute isso? Óbvio, o Brasil. Uma barbaridade.
O debate sobre a prisão em segunda instância, que por aqui
já foi votada três vezes e entrou em vigor há menos de um ano, presta-se ao
casuísmo, ao anseio de acobertar um marginal que já dirigiu os destinos da
Nação. A efetiva revisão da Lei dará a ele e a muitos outros um salvo conduto para
continuarem delinquindo.
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