Como diz o coelho branco em Alice no País das Maravilhas:
“Ai, ai! Vou chegar atrasado.” No país real, estamos atrasados em relação aos
rumos do país. As eleições estão próximas. Normalmente, começam mesmo depois da
Copa. Mas, antes, deveria ser iniciada uma temporada de debates não só entre os
candidatos.
Num contexto mais favorável, a discussão em torno dos rumos
do país deveria ser feita com o máximo de cordialidade possível.
Como se nesse campo pudéssemos adotar a visão de Diderot.
Segundo ele, cada um tem a sua verdade, mas não importa quem vença ou ganhe,
mas sim que após a discussão reine a paz entre os interlocutores. Traduzindo
para a linguagem mineira: um debate onde as ideias briguem, mas as pessoas não.
O episódio da prisão de Lula foi muito dramático. Um amigo
lembra que, na mesma semana, foi presa a ex-presidente da Coreia do Sul Park
Geun-hye. Houve manifestações, mas ela não fez discurso, dispensou visitas e
falou apenas com os advogados.
A Coreia do Sul, com bons índices de crescimento, talvez
seja mais tranquila, porque com a prisão de Geun-hye já é o terceiro
ex-presidente a ir para a cadeia.
Tive contato com a sabedoria hebraica lendo, para
prefaciá-lo, um livro de Nilton Bonder em que ele tenta aplicar esses
ensinamentos para se entender os atores políticos.
O ensinamento mais amplo da sabedoria hebraica, preservado
segundo os estudiosos em várias Bíblias, é o fato de que não se deve curvar
para os ídolos, pois isso nos faz perder o que há de melhor em nossa natureza.
Essa ideia é tão forte que teria até influenciado o marxismo
na sua crítica cultural ao capitalismo. Só que a perda de si no outro, nessa
visão marxista, não se dá necessariamente diante de ícones religiosos, mas
diante do mundo cintiliante das mercadorias, o império dos objetos. Seus
conceitos são mais complicados: alienação, reificação.
No momento em que deputados e senadores do PT querem fundir
seu nome com o de Lula, pergunto-me se com isso não estão perdendo o melhor de
si, que é a possibilidade de debater o mundo real, as dificuldades que o país
atravessa.
Todos têm direito de dosar sua energia como quiserem, mas
confundir o destino do país com o seu líder abre um abismo com todos nós que precisamos
olhar para frente.
Necessariamente, as ideias de esquerda não são melhores. Meu
ponto é outro: com todas as correntes dando o que há de melhor para acharmos o
caminho, as chances de acerto são maiores.
Existe também um grande campo em que, para além das lutas
identitárias, podemos elaborar políticas nacionais urgentes. O de saneamento
básico é um deles. A escassez hídrica, outro.
Divergências devem surgir em alguns campos também vitais,
como educação e segurança pública.
Ao contrário de um debate sobre uma eleição que se aproxima,
as emoções dominam, estamos às voltas com ídolos. Se o processo continua nesse
tom ditado pelos extremos o desfecho é perigoso. Pessoas que se perdem costumam
ser levadas para o pior dos caminhos.
Compreendo o fascínio do momento. Todas as noites alguém
entrando ou saindo da cadeia, imagens do coronel Lima em cadeira de rodas, lá
vai o Rodrigo Loures correndo de novo com sua mala, os milhões do Geddel, o
locutor de rádio anunciando que Sérgio Cabral também tomou café com pão e
manteiga pela manhã.
Mas, como diz o coelho branco: “É tarde, é tarde.”
Artigo publicado no Jornal O Globo em 14/04/2018
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