Apesar das leituras, não me arrisco a analisar a política
russa. Apenas comparar o que li com o que vejo e tentar, através da
experiência, entender um pouco o Brasil.
O momento em que Vladimir Putin surgiu na cena política
russa é parecido, por razões diferentes, com a atual situação do Brasil. Depois
de uma década de transição para o capitalismo, os russos sentiam o país
mergulhado no caos e ansiavam por algo que Putin oferece: estabilidade.
Tanto lá, naquele período, como no Brasil de agora, há uma
sensação de perda de importância no cenário internacional de baixa autoestima e
um desejo difuso por mais comando e autoridade.
Como um ex-coronel da KGB, que atuou em Dresden, na época
Alemanha Oriental, Putin se aproveitou da ampla campanha positiva em torno da
KGB, dirigida pelo seu mais ilustre dirigente: Yuri Andropov.
Um dos pontos altos da campanha foi uma série sobre um espião
russo que se tornou herói nacional: Maxim Isaev. Sob o nome de Max Otto von
Stierlitz, ele se se infiltrou no governo alemão e impediu com seu trabalho um
acordo entre Estados Unidos e Alemanha, destinado a prejudicar a União
Soviética.
Stierlitz foi tema de uma série de extraordinário sucesso,
intitulada “17 Momentos da Primavera”. Virou tema popular, jogos infantis de
guerra. Segundo Arkady Ostrovsky, no livro “A invenção da Rússia”, Putin fez
uma bela apariçao em cena, emulando o herói Stierlitz. No programa de TV em que
foi apresentado, a música de fundo era a mesma da série, ele dirigia o mesmo
carro Volga, enfim, era o homem certo para salvar a Rússia, nessa nova
dificuldade.
Deu certo. A Rússia esperava alguém que a arrancasse da
insegurança. E Putin passou a representar isto. Tanto que os jovens no período
de seu governo são chamados de os filhos da estabilidade.
Putin é criticado pela oposição por falta de liberdades
políticas. No entanto, certamente usando a máquina, consegue se reeleger com
facilidade e também ao seu sucessor de plantão: Dimitri Medvedev.
O Brasil não passou por uma década de capitalização
selvagem. Pelo contrário, o último período foi marcado por uma experiência
estatizante, focada em aspirações socialistas.
A ascensão de Michel Temer não só não trouxe estabilidade,
como transmitiu a certeza de que a corrupção continuava instalada no poder:
eram todos do mesmo bloco predatório.
A greve dos caminhoneiros acentuou a sensação de desamparo
dos brasileiros.
Fernando Henrique, numa entrevista, considerou a situação
pré-revolucionária.
Discordo. Não vivemos um momento pré-Lenin. Estamos mais
próximos de um momento pré-Putin.
Felizmente não temos nenhum herói nacional para ser emulado.
Mas a televisão é um grande instrumento.
Influenciado pelo marxismo, analistas costumam culpar os
asiáticos pelos traços autoritários na Rússia. Diziam que o Czar Nicolau era o
Gengis Khan com telégrafo e Stalin o Gengis Khan com o telefone.
Os tempos passam, podem surgir Gengis Khan com televisão ou
talvez até com internet.
Nessa plataforma, no entanto, será difícil prosperar, porque
pelo menos teoricamente é um espaço democrático, uma Atenas digital.
Artigo publicado no Segundo Caderno, no Globo em 16/06/2018
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